Não, você não é um Showrunner

Mulheres Roteiristas
5 min readJul 9, 2019

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Esse texto foi originalmente publicado no Bloguionista, pelo Sindicato dos Roteiristas da Espanha: https://bloguionistas.wordpress.com/2019/06/28/no-eres-showrunner/

Nossa ferramenta são as palavras. Ao manuseá-las, demonstramos nosso ofício, e nosso respeito por ele. É por isso que é importante defendê-las quando o que elas querem dizer é ameaçado por interesses externos à profissão e nos ameaçam, como de fato acontece com os conceitos “criador”, “autor” ou até mesmo “roteirista”.

Apesar do esforço de fazer pedagogia e das reclamações que fazemos quando detectamos erros de conceito e apropriação, ainda hoje vemos produtores exigindo o crédito “criado por” sem ter criado nada, diretores assinando roteiros sem terem tocado em uma tecla, ou mercados de televisão, onde circulam Bíblias e documentos de vendas sem capa ou nome do criador, apenas o logotipo de uma empresa. Uma nova palavra é adicionada a essa prostituição da linguagem: showrunner.

Um pouco de história

O termo “showrunner” foi inventado nos EUA em resposta a uma prostituição anterior da linguagem: o crédito de “produtor executivo”, que antes se identificava como o responsável maior por uma série de televisão.

Na indústria televisiva estadunidense, o chefe de uma série é sempre um roteirista pela simples razão de ser a única pessoa na equipe que pode responder a qualquer questão relacionada à produção (qual é o subtexto de uma cena no caso de um problema ou dúvida aparecer no set, seja ou não uma mudança de produção e como ela pode alterar os seguintes 2, 3 ou 10 episódios, como a edição de um capítulo afeta a trama da temporada e se pode cortar ou não uma determinada cena, no que é melhor gastar ou economizar com o orçamento para traduzir o roteiro em imagens …) e que pode garantir o elemento mais importante para que a máquina continue a rodar: o roteiro seguinte.

Com o tempo, “produtor executivo” passou a determinar muitas outras coisas além daquele roteirista-máximo responsável: atores, diretores, produtores, agentes … Qualquer um com um certo poder em uma produção exigiu ser “produtor executivo” até chegar a um ponto incrivelmente confuso onde apesar de existirem vários produtores executivos, NINGUÉM sabia ao certo quem era o chefe mor responsável pela série. E assim a palavra “showrunner” nasceu.

O que é um showrunner?

O showrunner é o chefe de uma série de televisão. Como tal, ele é o responsável pela equipe artística e técnica e a contratação da mesma, da gestão orçamentária, da relação produção-canal, da edição ou montagem, dos figurinos, música, fotografia, som, e a direção criativa da série através da liderança da sala de roteiros e da equipe de roteiristas.

E isso não é voluntário, não é subjetivo, não é opinável e não pode ser ignorado. Faz parte da definição de “showrunner” da mesma forma que “médico” está para “cirurgião”. Um showrunner sempre, sempre, sempre lidera a parte criativa da série e sempre, sempre, sempre lidera a equipe de roteiros. Não existem várias escolas, estilos ou opiniões. A definição é o que é. Se você não é um roteirista e não lidera a equipe de roteiros, você não é um showrunner.

Mas um produtor pode ser um showrunner?

E um diretor?

E um roteirista que não criou a série?

Sim, desde que seja também o responsável na série pela equipe artística e técnica e a contratação da mesma, a gestão orçamentária, a relação produção-canal, edição ou montagem, os figurinos, música, fotografia, som e direção criativa da série através da liderança da sala de roteiro e da equipe de roteiristas.

Se não atende a parte que está em negrito, não é showrunner. Coloque da maneira como quiser ou venda como quiser vender, da mesma forma que um ator secundário não é um protagonista, não importa o quanto ele repita e não importa como ele aja na série. A definição é o que é. Não é discutível, não é negativo, e não diminui nada, porque “showrunner” não é um crédito, nem uma profissão, nem gera direitos, nem dá mais ou menos do que designa.

Shonda Rhimes, Matthew Wiener, Phoebe Waller-Bridge, David Chase, Alan Ball, Jenji Kohan, Al Jean, Leslye Headland, Alec Berg, Tina Fey, Vince Gilligan, Lisa Joy, David Kelley, Sally Wainwright, Lena Dunham, os Kings… TODOS SÃO SHOWRUNNERS, PORQUE TODOS SÃO ROTEIRISTAS, CHEFES RESPONSÁVEIS PELA EQUIPE DE ROTEIRO E A PEÇA-CHAVE DO CONTEÚDO DA SÉRIE.

Nem todas as séries precisam de um showrunner. Eles existem, e se você os quiser, tem que ser um roteirista. Pode haver mil produtores executivos e não ter um showrunner; sem problemas. Há showrunner? Perfeito. Ele é roteirista e chefe da sala de roteiros. Não é opinião. É uma definição. Você pode ser um escritor sem escrever? Não. Você pode ser um diretor sem dirigir? Não. Você pode ser um showrunner sem ser um roteirista e liderar a sala de roteiros? Não. Isto é assim porque foi definido por aqueles que o inventaram, e eliminar quem por lógica, princípio e direito deve ser incluído na definição é prostituir a linguagem.

Executivos, produtores, jornalistas, acadêmicos …

Não contribua com essa prostituição. Não use o termo showrunner para se referir a profissionais que não sejam showrunners, a menos que esses sejam os responsáveis chefes por uma série de televisão que sejam roteiristas e chefes da equipe de roteiro.

Não se desfaça ou desconsidere um título que custou anos de confusão e mal-entendidos com o seu antecessor, o “produtor executivo”; e não o transforme em outra palavra vazia de conteúdo para a qual em poucos anos teremos que procurar uma substituta.

Não organize cursos, workshops, prêmios, painéis, palestras, mesas redondas … que desinformem o verdadeiro significado do que é um “showrunner” e se não incluírem claramente a faceta do roteiro. Qual é o sentido em se formar para ser um showrunner se você nunca escreveu ou se você não tem intenção de fazê-lo?

Roteiristas …

Não contribua com essa prostituição. Não se auto-proclame “showrunner” se além de escrever e ser a autoridade máxima no conteúdo você não gerenciou o orçamento, contratou os chefes das equipes técnicas, definiu o estilo visual, sonoro, artístico da série, forneceu um critério claro sobre a montagem, o casting e qualquer elemento chave para a produção. Respeite a profissão e os créditos, assim como exige respeito quando você assina um roteiro ou detém uma parte dos direitos autorais. Não jogue pedras contra o nosso próprio telhado. Sejamos honestos.

De novo

O chefe de uma série de televisão também é responsável pelo conteúdo, e a pessoa encarregada do conteúdo deve ser sempre um roteirista. É verdade que não existe um único modelo de trabalho e um diretor, produtor ou roteirista pode liderar um projeto, desde que a pessoa demonstre a capacidade de liderar em todos os aspectos relevantes da produção. Isso é chamado de “produtor executivo”; mas somente quando, além de controlar todos os aspectos, essa pessoa também escreve e lidera a sala de roteiros, então é quando podemos usar o termo “showrunner”. E isso não é apenas “opinião”. O termo é o que é, então vamos respeitá-lo; por mais que doa a algumas pessoas que um roteirista esteja no topo da pirâmide tomando as rédeas do que, onde não havia nada, ele criou a partir de uma página em branco. É O MÍNIMO.

Para uma definição do conceito profissional de showrunner, você pode consultar a nota técnica que publicamos hoje em nosso site:

https://www.sindicatoalma.es/wp-content/uploads/2019/06/nota-tecnica-showrunner-y-produccion-ejecutiva.pdf

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