Philip Schaff: de herege a autoridade intelectual
Poucos intelectuais têm, de fato, a honra de serem repartidos por duas facções opostas. Isso ocorre porque ou querem unir as facções ou tratam da realidade como a máxima tomista: veritas est adaequatio intellectus et rei. Com Philip Schaff, ocorre por ambos motivos.
Ao lermos suas obras somos convidados a um tribunal semelhante ao de Zaleuco: nós, juízes, e ele, réu, ambos com cordas pelo pescoço, à espera de quem será mais ousado; mas quase sempre é Schaff quem nos degola.
Philip Schaff nasceu em 1819, na Suíça, mas passou maior parte de sua vida na Alemanha, onde influenciou fortemente a Igreja Reformada Alemã. É autor de inúmeras obras — ou, diremos, calhamaços — como History of The Christian Church, The Creeds of Christendom, Ante-Nicene Fathers, The Principle of Protestantism, Christ in Songs, Theological Propaedeutic, The Renaissance: the revival of learning and art in the fourteenth and fifteenth centuries, Church and State in the United States, além de enciclopédias, dicionários e um estudo sobre a Divina Comédia de Dante.
Schaff ainda traduziu versões da Bíblia e dos Credos do Cristianismo, escreveu catecismo para adultos e crianças e foi um dos fundadores de uma das escolas teológicas mais polêmicas da história do Protestantismo. Desta, em breve trataremos.
Embora suas obras ilustrem a grandiosidade de um dos maiores — senão o maior — historiadores da Igreja, não deixam de apresentar suas opiniões sobre o que ele chamou de fluxo da História da Igreja, pois é em Philip Schaff que o cerne da história mudará de substância para fluxo. E, embora relutemos em cedermos a sua teoria, ela ainda influencia toda a Igreja Evangélica das Américas.
Após uma breve viagem que fez a Roma durante a Semana da Paixão, Schaff retorna à Alemanha atordoado. Por um lado, estarrecera ante a grandiosidade e beleza da Igreja Romana; por outro, como bom historiador que era, não podia deixar-se seduzir pelo que via para negar os fatos.
Philip Schaff então desenvolve sua nova teoria da História da Igreja, baseada nos pensamentos do filósofo alemão Friedrich W. Schelling. Para Schaff, a História da Igreja deve estar dividida em três momentos: o Petrino, o Paulino e Joanino.
O Período Petrino vai desde o Pentecostes até o ocaso da Idade Média, onde o Papado atingiu seu auge. Schaff explica que o desenvolvimento da figura do Papa é o pecado fruto do próprio período, que valorizou aos extremos a figura de autoridade, disciplina e tradição. A grande questão nas obras schaffianas é que, por causa de seu ecumenismo, Schaff mostra-nos um lado positivo — que deve existir para que a Igreja permaneça Una — e um lado negativo — que é sempre uma mácula na União dos Santos ou, como ele mesmo diz, a persistência de Judas na reunião apostólica. É no Período Petrino que surgem as Igreja Católica Romana e Igreja Ortodoxa. Schaff declara que, embora a autoridade papal e outras heresias tenham adentrado a Igreja nesse período, ainda assim ambas as Igrejas foram fundamentais na preservação do Cristianismo, lutando contra os povos pagãos pela soberania do povo cristão, por intermédio de Roma.
O Período Paulino vai desde a Reforma Protestante até nossos dias. Predomina nessa época a liberdade — a introdução do sermão no dia a dia do povo é fundamental para isso — e a expansão da Religião Cristã — quer do lado protestante, com o envio desenfreado de missionários para o Oriente e para o Novo Mundo, quer da resposta católica, com a Companhia de Jesus. O lado negativo do Período Paulino, diz Schaff, é a intensa individualização do Cristianismo, como efeito direto da Sola Scriptura.
O Período Joanino, segundo Schaff, ainda irá ocorrer. É nesse período que o antagonismo dentro da Igreja será convertido em uma síntese universal — como ele mesmo chama — para que Nosso Senhor retorne, onde predominará o amor entre os irmãos. Vê-se, dessa forma, que Philip Schaff era um pós-milenista nato. Cria na soberania da Igreja, que começara Una e terminaria Una, antes do fim dos tempos.
Schaff cria que na América o Período Joanino seria plenamente estabelecido, mas mudou sua opinião ao palestrar pela primeira vez em solo americano, no ano de 1844, na cidade de Mercersburg, Pensilvânia, no German Reformed Seminary. Schaff trazia ideias comuns entre a Igreja Alemã para um país fortemente influenciado pelo puritanismo. Proclamou o que hoje foi compilado no livro The Principles of Protestantism. Philip Schaff pragueja contra o individualismo e o subjetivismo que o Protestantismo gerou e contra a quantidade de denominações que os Estados Unidos abrigavam.
Além disso, anunciou o que hoje se tornou conhecido como Teologia de Mercersburg, que Schaff, juntamente com John Nevin, fundou. Dizia o historiador, entre outros pormenores, que a Igreja Protestante deveria desfocar o sermão e enfatizar a Eucaristia, ou seja, trocar o púlpito pelo altar, o que ele chamou de sensibilidade sacramental.
Schaff foi imediatamente taxado de herege pela maioria dos ouvintes. Levado ao Sínodo de Nova York em 1845, foi acusado de ser muito católico, mas terminou por ser absolvido e continuou a dar aulas no seminário.
A obra de Philip Schaff ainda divide opiniões. Aclamado por católicos e protestantes, é hoje considerado por muitos o maior historiador da Igreja que já existiu, com uma vastíssima História da Igreja Cristã de mais de oito mil páginas, biografias de Agostinho e Crisóstomo, além de mais de dez mil notas e comentários sobre as obras dos Pais da Igreja.
Sua obra, certamente, não será esquecida. Não por nós; não permitiremos.
por Diego Cândido