A Melodia da Essência — Year In Music
Cada lugar, espaço e momento tem seus cheiros característicos e únicos. Uma mistura complexa e densa que, por meio de um grande encontro de notas e tons, formam essências sem igual.
Caminhar por alguma região próxima à Mata Atlântica, por exemplo, vai promover uma combinação de experiência olfativa muito distinta de uma outra caminhada pelo Mercado Central, em Belo Horizonte. O cheiro de um lugar faz parte da sua essência, história e também da forma como nos relacionamos com ele.
Desafio inicial e pesquisa
Como parte do trabalho final da disciplina Design Experimental, primeiramente, todos os alunos da turma realizaram um processo de investigação sobre o sistema olfativo e o cheiro em diversas dimensões: psicológica, social, biológica e também as possíveis relações entre os sentidos.
Definição do tema para o projeto & aprofundamento
Num segundo momento, foi definido um tema e um desafio para o grupo trabalhar:
Year In Music — transformar a playlist anual criada pelo Spotify para um usuário em essência.
Essa delimitação guiou todo o trabalho a seguir que tinha o objetivo de, justamente, realizar essa associação crossmodal entre música (sistema auditivo) e essência (sistema olfativo).
Ao longo da pesquisa, entendemos que alguns tipos de associações crossmodais já foram feitas ao longo da história, como a associação entre cor e odor e até mesmo entre a dimensão de um objeto e o barulho de um som. Então, fomos atrás de entender como essas associações foram feitas na perspectiva da relação entre audição e olfato.
No século 19, Septimus Piesse, um químico e perfumista francês, criou uma verdadeira taxonomia para as notas musicais e sua relação com os cheiros. Nesse vocubalário associativo entre notas e cheiros, cada nota tocada correspondia a uma essência específica, como ilustrado na imagem abaixo.
Esta iniciativa não teve ampla adoção, apesar da grande sinergia entre a lógica da composição musical e das essências: de fato, outros estudos e pesquisas feitas com pessoas demonstraram que alguns odores são preferencialmente combinados a um tipo específico de instrumento musical.
Posteriormente outros estudos foram realizados na tentativa de reunir mais informações e evidências entre essa associação dos sentidos. Em uma pesquisa feita por Crisinel e Spence (2010) demonstrou que os gostos azedo e doce, duas qualidades presentes nas frutas, estão associadas a notas agudas, por exemplo.
De fato, as associações entre cheiro e som são profundas e o uso do termo “nota”para descrever os componentes de um perfume são mais do que uma simples metáfora:
- ‘notas’ (perspectiva individual)
essência: cada fragrância escolhida para a composição de um perfume.
nota na música: corresponde às sete notas musicais (DÓ — RÉ — MI — FÁ — SOL — LÁ — SI)
- ‘acordes’ (perspectiva de combinação)
essência: corresponde aos grupos de essência que formaram um perfume (florais, amadeirados, cítricos, etc.)
acordes na música: representa cada conjunto de ritmo que é criado dentro de uma única música.
- ‘harmonia’
é a unidade ou o arranjo perfeito que permite que uma música ou uma essência seja experienciada de forma agradável e harmônica.
Estratégia
Após a pesquisa, entendemos que teríamos condições de transformar o ano musical de uma pessoa em uma playlist. Fomos atrás de um usuário do Spotify com uma seleção diversa para fazer parte desse experimento. Selecionamos a playlist do publicitário Rafael Bersan (um agradecimento especial ao Rafa!) para criarmos uma essência a partir da seu “ano na música”.
Ao analisar a playlist por completo identificamos três gêneros musicais presentes: Pop, Funk Brasileiro e Nova MPB. Cada um dos estilos musicais correspondem ao percentual abaixo na playlist do Rafael:
Pop: 61 músicas na playlist (76,25%)
MPB: 14 músicas na playlist (17,5%)
Funk Brasileiro: 5 músicas na playlist (6,25%)
Total de músicas = 80
Caminho conceitual
Para a definição das essências, o grupo refletiu se seguiríamos algum caminho associativo identificado na pesquisa ou tentaríamos outro. A associação entre notas e essências nos pareceu distante da realidade atual, em que a composição musical é cada vez mais complexa e, muitas das vezes, é até mesmo difícil delimitar se uma música é um gênero musical ou de outro.
Optamos por um outro caminho que fazia mais sentido para nós: no fim do dia, ao pesquisar sobre os sentidos, estamos falando sobre sentimentos, memórias e emoções. O que uma música me desperta? E como poderia transportar esse sentimento para uma essência? Esse foi o caminho que percorremos para a criação da essência.
Um gênero musical pode ter inúmeras representações e percepções para cada pessoa, mas usamos o conhecimento coletivo do grupo para chegar às definições do que cada gênero musical presente na playlist do Rafael nos evoca.
O Pop nos remete a cheiros frescos e leves, como uma noite de glamour, brilho e muita dança numa pista, sem perder a elegância.
A Nova MPB nos leva para lugares de calmaria e aconchego. É quase como um abraço de mãe ou assistir ao por do sol com amigos.
Por fim, o Funk nos evoca a sensualidade presente nos bailes.
É importante deixar evidente que a descrição sobre cada gênero compreende uma visão limitada e está longe de representar a integralidade do que cada um dos gêneros representam. O recorte de perspectiva sobre cada um dos gêneor foi feito a fim de facilitar a criação da essência.
Processo de criação das essências
A partir dessas representações de cada gênero musical presentes na playlist do Rafael, fomos atrás de sentir as essências que mais combinavam com cada um. Nesse momento, tivemos o suporte Cláudia, especialista em essências e fundadora da Noar (um super obrigado!) que foi essencial para o processo de definição e criação da essência.
Primeiro, criamos o cheiro individual de cada gênero musical com os cheios individuais contidos na relação abaixo:
Para cada gênero musical, foi criada uma essência que, depois, se transformou no único cheiro que surgiu da playlist. Uma essência que envolve, de forma única, todos os sentimentos e sensações que cada gênero nos gera, como descrito acima.
Abordagem textual e visual
Para materializar toda a nossa pesquisa também em experiências que despertem o olfato e ativem sensações múltiplas nas pessoas, chegamos a um conceito norteador para nossa ideia.
Melodia da essência
O ano musical transformado em cheiro.
Provocar e dissimular os sentidos. Fazer surgir uma nova forma de estimular as sensações e a memória. O som que se transforma em cheiro e cria um novo conceito de ativar as memórias de quem entra em contato com a experiência.
A Melodia da Essência busca imaginar como seria o mundo da memória e emoções, que o som provoca, transformado em odor. Quais sentimentos e memórias as músicas que alguém mais ouviu provoca? Como provocar um sentimento igual ou similar pelo cheiro gerado a partir dessa composição musical?
Levamos essa experiência olfato-auditiva para sala de aula para apresentar para a turma. Os cheiros foram gravados em um tablet olfativo que a Noar cedeu ao grupo para apresentação das essências durante a apresentação final. As essências de cada gênero e o cheiro da playlist também foram apresentados ao Rafael que usamos sua playlist para criar a essência, e nesse link você pode assistir um trechinho do comentário dele sentindo a essência da Nova MPB.
E abaixo alguns desdobramentos visuais desenvolvidos a partir da KV (Key Visual) acima para comunicar o projeto para as pessoas na rua e também no próprio aplicativo.
Anúncio para ponto de ônibus
Peças criadas para o aplicativo
Importante: o presente trabalho não tem nenhuma relação com os trabalhos desenvolvidos pelo Spotify. O projeto fez parte do projeto final da disciplina Design Experimental da Pós-Graduação Desig Estratégico e Inovação do IED — Istituto Europe di Design.
Participantes do grupo: Marino Vitorino, Patrício Lima, Lucas Lima e Gabruel Paduelli.