10 do Mês — Maio de 2020

Gustavo Sumares
17 min readMay 31, 2020

Escute aqui: https://open.spotify.com/playlist/0NVAn5S1sfElkCupfPy4ZF?si=T2Zfh2dZRnOfj1FzKOkgqA

Mais um mês de quarentena, mais um 10 do Mês! O disco da Lady Gaga realmente tá ótimo, mas aqui você vai ver dez faixas de dez artistas que também lançaram discos excelentes no mês passado e você talvez não esteja sabendo.

Durante maio, agora com a genda mais em dia, eu consegui ampliar as minhas audições — não ouvi mais tanta coisa dos outros meses/anos e ouvi mais coisas desse mês. A folha que eu uso pra anotar os lançamentos até ficou pequena e eu precisei espremer o nome dos artistas mais pra baixo, como vocês vão poder ver.

No começo do mês, eu me preocupei: achei que os lançamentos não estavam legais e que eu ia ter que cavocar para coisas interessantes para colocar aqui. Felizmente, não foi o caso: nas semanas seguintes, choveu coisa legal, tanto entre lançamentos mais populares quanto em gêneros mais obscuros.

Mas no cenário nacional, eu senti uma diminuição de novos lançamentos. Talvez já seja um efeito trágico da paralisação quase total do setor cultural por causa da pandemia (e da negação de todas as esferas do governo de levá-la a sério)? Não sei. Espero que não, e espero que o setor consiga se sustentar.

Aliás, é um bom momento para dizer: se você curtir algum artista dessa lista (ou de qualquer 10 do Mês na real), apoie-o tanto quanto possível. Vá aos shows, compre os discos, compre merchan, conte dele pros seus amigos, etc. Claro, tudo isso dentro do possível — não tá fácil para ninguém, afinal.

Mas se você não puder fazer absolutamente nada, pelo menos mande uma mensagem para ele nas redes sociais dizendo que curtiu o que eles lançaram. Isso vale para todos os artistas, não só os que eu destaco aqui. Mas como os artistas que aparecem aqui são justamente os que não aparecem em outros lugares (embora merecessem), eles costumam ser super receptivos e amigáveis. Pelo menos todos aqueles com que eu falei foram assim.

E se você achar besta mandar uma mensagem só para falar isso, não se engane. Ouvir de outra pessoa que você nem conhece que ela deu atenção ao que você fez, se interessou por aquilo e admirou o suficiente para entrar em contato com você e te dizer isso é uma sensação boa demais. E eu sinto isso toda vez que vocês compartilham e curtem o 10 do Mês ❤.

Os artistas que eu marquei para ouvir e avaliar pro 10 do Mês de Maio de 2020

Menções Honrosas

Black Monument Ensemble — Where Future Unfolds: Esse disco, um dos meus favoritos de 2019, fez um ano em 31 de maio. Sim, é do ano passado. Mas, lamentavelmente, é mais atual hoje do que no ano passado. Se você se sentiu de qualquer maneira movido pelo que aconteceu a George Floyd em Minneapolis, ouça.

Chepang — Chattta: Terceiro álbum do grupo de grindcore de imigrantes do Nepal radicados em Nova York, com dois bateristas (sim, se escreve com três “t”s). 13 faixas em 16 minutos de um dos sons mais avassaladores que o ser humano é capaz de produzir. Um furacão musical rápido, ruidoso e incrível.

Adriana Calcanhotto —: Talvez o primeiro grande “disco de quarentena”, o disco que a Adriana Calcanhotto lançou no final desse mês traz tudo que ela tem de melhor. Clima introspectivo, letras inteligentes, melodias suaves… e tudo isso falando sobre esse momento maluco que a gente vive. Muito recomendado.

Kaitlyn Aurelia Smith — The Mosaic of Transformation: Mais um excelente lançamento da musa australiana dos sintetizadores. Nesse disco, a compositora explora uma sonoridade tranquila que me lembrou os trabalhos introspectivos da Suzanne Ciani e também um pouco da bizarra música New Age da década de 70. Uma viagem muito legal.

Choir Boy — Gathering Swans: Segundo disco do quarteto de indie pop eletrônico dos EUA. Tem aquela vibe “romântica” dos anos 80, algo meio Alpha FM, com camadas grossas de sintetizadores digitais e vocais dramáticos. Sim, é bem comum, mas é muito bem feito e com momentos bem bonitos, então vale uma boa ouvida.

10 do Mês de Maio de 2020

[aperte o play, ouça as três primeiras faixas, depois leia sobre elas abaixo]:

Chicano Batman — “Pink Elephant”, do álbum Invisible People

Eu não conhecia o Chicano Batman, mas o quarteto de Los Angels já tem outros três discos e vários seguidores no Spotify (se bem que a maioria nos EUA e México). Eles dizem que “combinam soul, surf e tropicália”, mas eu não achei grandes quantidades de nenhum desses estilos nesse quarto álbum deles. Nos outros, que eu ouvi bem por cima, até tem um pouco. O primeiro tem uma música chamada “Lembrancinha” e cantada em português com sotaque até. Mes esse quarto disco, Invisible People, é basicamente um disco de pop, com um som predominantemente eletrônico, mas surpreendentemente variado. Tem desde faixas mais lentinhas e reflexivas até umas mais diretamente dançantes. Tudo com uma produção bem legal e um monte de melodias memoráveis. Um trabalho super redondinho.

O som me lembrou várias coisas: um pouco de Homeshake pela guitarrinha e vocais tranquilos, e nas partes mais agitadas um pouco do Phoenix da época do Wolfgang Amadeus Phoenix. Em especial a “The Prophet” parece a banda francesa (e curiosamente também tem nome igual ao de um filme francês famoso, embora eu ache que a letra não tem a ver). Os quatro membros do grupo são (como o nome sugere) imigrantes ou filhos de imigrantes latinoamericanos radicados nos EUA, e é nessa expericência que as letras focam mais. “Manuel’s Story” por exemplo é uma narrativa sobre um cara que fugiu do país após ser perseguido por mafiosos. E a banda diz na sua página do Spotify que o disco é “uma declaração de esperança, uma proclamação de que somos todos pessoas invisíveis”. Algumas letras vão nesse sentido, e eu até gostaria de ter escolhido uma das faixas mais “conscientes” para colocar na playlist, mas essa linha de guitarra matadora da “Pink Elephant” não me deixou. Não me arrependo.

Mahmundi — “Convívio”, do álbum Mundo Novo

O disco de estreia homônimo da Mahmundi (aliás Marcela Vale) de 2016 foi o meu disco preferido daquele ano e um dos discos que eu mais ouvi na vida. Parte do que eu curti tanto daquele disco foi a sonoridade meio retrô anos 80 / synthwave dele, casada com a voz excelente da Mahmundi. Ela não canta de nenhum jeito muito “acrobático” cheio de agudos nem nada, mas ela parece plenamente convicta de cada linha que ela canta, e eu gosto demais disso. Continua sendo pra mim uma memória gostosa de um dos melhores períodos da última década: Brasil pré-golpe, fui viajar pro Rio de Janeiro, conheci minha namorada, o Haddad ainda era prefeito de São Paulo e eu podia sair pedalando por aí sem (muito) medo de ser atropelado por um fascista… bons tempos! Foi até nessa época que eu encontrei a própria Marcela Vale um dia enquanto tomava um litrão na rua e fui tietar (prometo que não vou colocar nessa playlist só artistas com quem eu tenho foto).

Tietando a Mahmundi em 2016. Eu não tô nessa foto mas minha namorada tá (bem no meio, de óculos). Da esquerda pra direita tem o baixista, a Mahmundi, o baterista e o tecladista da banda dela da época, além de duas outras pessoas que eu não sei quem são.

No disco seguinte dela, o Para Dias Ruins de 2018, essa voz ainda tava lá, mas a produção era diferente e me pegou de surpresa. No terceiro álbum, Mundo Novo, aconteceram duas coisas: primeiro, e principalmente, eu ajustei minha expectativa. Já sabia que ela estava indo para um lado mais canto-autora mais do violão do que dos sintetizadores, e aceitei isso; segundo, ela se tornou uma compositora ainda melhor. Com só sete faixas, uma das quais é uma introdução de menos de um minuto, o disco é super curto, mas cada faixa conta. Todas têm melodias bonitas, escolhas harmônicas interessantes (com acordes meio estranhos que te pegam de surpresa) e letras bonitinhas. O disco todo tem uma vibe positiva e otimista, mas não ingênua, que eu achei muito legal em tempos tão turbulentos. Com exceção da última faixa, “Vai”, que eu interpretei como uma canção de fim de namoro de rasgar o coração. Escolhi para a playlist a tranquila “Convívio”, que eu senti que estava do lado oposto do espectro.

Babalé — “Nibiru”, do EP Fresta

Adoraria contar pra vocês que eu descobri a Babalé fuçando em algum canto misterioso da internet, mas não vou fazer isso porque seria mentira. Quem descobriu ela foi o Rafael Gonzá, que além de ter lançado um EP lindão que apareceu no 10 do Mês passado, também é um cara mó legal. Eu entrei em contato com ele para ver se ele topava participar do 10 do Mês de Maio (igual a Papisa participou do de setembro de 2019, ou o Allan Dias do maquinas no de novembro de 2019). E ele não só topou como mandou essa belezinha aqui, que é uma delícia de ouvir. Olha só o que ele diz sobre ela:

“Nibiru aparentemente pode ser um encontro de rios, ou um objeto cósmico que chocará com a terra no início desse século e desencadearia o fim do mundo — será ? Pesquisa boba e ligeira de internet. Acontece que essa música que fecha o primeiro EP da artista baiana Babalé carrega a poesia e os mistérios dessas duas possibilidades para Nibiru.

“Baiana de Morro do Chapéu, ela traz consigo a inventividade da música baiana — ao que parece estudou música na UFBA. O violão baiano tem chamado a atenção pelo sotaque. Josyara, Roberto Mendes e algumas linhas no célebre sólo de Xênia França, tem traçado caminhos interessantes para o instrumento. É lindo, é percussivo, conversador. Assim como a voz, as vozes presente em Nibiru. Música boa é a que tem sotaque, como a de Babalé”.

[bota pra tocar de novo, ouve mais duas, depois vem cá ler sobre elas]:

Populous — “Petalo”, do álbum W

O Populous na verdade é o DJ e produtor italiano queer Andrea Mangia, um cara que já tem uma bela carreira na música eletrônica. Ele lançou em maio esse disco chamado W que, segundo ele próprio, é de “women” e é uma celebração da “feminilidade além dos estereótipos”. E, de fato, muitas das faixas trazem convidadas entregando excelentes performances vocais, incluindo a Paulina do Sotomayor e até uma brasileira radicada na Europa chamada Emmanuelle (cacei mas não achei o sobrenome). As faixas vão desde composições eletrônicas instrumentais focadas em melodia até (e predominantemente) singles com cara de pista de dança: “HOUSE OF KETA”, com cara de música pra voguing e participação da rapper italiana M¥SS KETA, é outro destaque.

Outras faixas também tem um sotaque meio reggae/dub; a cidade de Lecce, no calcanhar da bota italiana, de onde o produtor vem, é conhecida como a “Jamaica italiana”, segundo a gravadora do artista, por causa da popularidade do reggae e do dancehall por lá. Mas eu gostei mais ainda da “Petalo”, sétima faixa, que traz a voz tranquila da argentina Clara Trucco, do grupo Weste. Achei o refrão de “bem me quer, mal me quer” simplesmente adorável.

Pessoas Que Eu Conheço — “House Aprovado Pelo Governo”, do álbum Ideologia Chinesa

Pessoas Que Eu Conheço é o nome artístico de Lucas de Paiva, e Ideologia Chinesa é (segundo o Spotify pelo menos) seu primeiro disco cheio sob esse nome. A página do bandcamp da gravadora menciona um EP anterior, mas eu não achei para ouvir. Pena. É um disco de música eletrônica dançante, em vários estilos (não sou tão bom assim em determinar os estilos de música eletrônica dançante), mas que me parece gravitar em torno do House (que é basicamente música que toca em evento chique). Essa faixa, “House Aprovado Pelo Governo”, não me deixa mentir sozinho, ainda que eu não veja o atual governo federal aprovando a música (ou qualquer outra coisa legal) nos próximos anos.

Lucas de Paiva é (ou é homônimo de) um produtor bem prolífico: jogar o nome dele no Google traz ligações dele com artistas como Clarice Falcão, Maria Luiza Jobim e Silva. Suspeitei desde o princípio: o disco é composto de maneira muito cuidadosa. Cada ideia musical nova chega na hora certa. E os nomes das faixas também chamam atenção: muitos deles falam, como seria de se esperar, sobre coisas da China (“O Futuro Em Pīnyīn, “Modelo WeChat”, “O Trem Para Hángzhōu”). Segundo (de novo) o bandcamp, são reflexões do produtor sobre o país, fruto de visitas que ele faz anualmente à parte de sua família que mora e trabalha por lá. Quem dera todas as viagens para visitar a família fossem tão proveitosas assim.

[mais três agora. dá o play e depois, se quiser, volta aqui pra ler sobre elas]:

Chouk Bwa & The Ångstromers — “Odjay — Nati Kongo”, do álbum Vodou Alé

Mais uma indicação da Beatriz Moura, minha amiga que trabalha na Casa Natura e é uma das maiores conhecedoras do rap brasileiro, além de uma ótima indicadora de sons legais para aguentar a quarentena. O Chouk Bwa é um sexteto haitiano de músicos que tocam mizik rasin (“música de raiz”), a música tradicional do país. “Chouk Bwa”, aliás, significa “raíz” no creole haitino no qual a banda canta suas músicas — isso segundo esse site aqui, de um festival do qual eles participaram; segundo o Google Tradutor, significa “toco de madeira”. De qualquer maneira, essa música deles envolve tambores percutidos com a mão, batidas super divertidas, e vocais do tipo “chamada-e-resposta”. Nesse álbum, eles são acompanhados pelos Ångstromers (alt+0197 para escrever esse Å), que são uma dupla belga de produtores que colocam uns sons eletrônicos e uns baixos tectônicos em cima, abaixo e ao redor do som já delicioso do sexteto.

Ouvir o disco inteiro é se enfiar no meio de uma batucada maravilhosa que vai te envolvendo cada vez mais, mas sempre com tons diferentes. A quinta faixa, “Sali Lento” (“suba devagar” segundo o Google) talvez seja a mais porreta, rápida e dançante. Outra favorita minha é a oitava, linda “Negriye”, que é mais lenta e reflexiva, e homenagea grandes líderes da libertação haitiana, como Toussaint L’Ouverture e Jean Jacques Dessalines. Mas em todos os casos, separar um pedaço só dessa viagem ótima é difícil. No final, eu escolhi a terceira faixa, “Odjay — Nati Kongo”, na qual dá pra ouvir tudo: a batucada feroz, o baixo eletrônico, os vocais chamada-e-resposta e a empolgação acachapante dos músicos. “Odjay” eu não consegui descobrir o que significa, mas “Nati Kongo” significa “nascido no Congo”.

Viva Belgrado — “Bellavista”, do álbum Bellavista

O Viva Belgrado é um quarteto de rock de Córdoba, na Espanha, e o som que eles fazem é o tipo de coisa pela qual eu me apaixonaria lá por volta de 2008: um rock com fortes traços de indie, pendendo até pro emo um pouco às vezes, mas também uma influência marcada de post-rock nos timbres das guitarras e na melancolia das letras. Mas não se engane: apesar dessa melancolia, o som deles é bem enérgico. Bellavista é o terceiro disco deles, e eles também tiveram a bondade de disponibilizá-lo de graça — você consegue baixar ele pela página do bandcamp da banda, e eles ainda incluíram um link pro mediafire caso os downloads gratuitos do site tivessem acabado. Sempre acho isso um gesto legal.

Me chamou a atenção a relação que a banda tem com o Japão: três das faixas se referem a coisas de lá. São “Ikebukuro Sunshine” (Ikebukuro é um bairro de Tóquio), “Shibari Emocional” (Shibari é a técnica de amarrar pessoas com corda, em geral usada com fins eróticos) e “Más Triste que Shinji Ikari” (Shinji Ikari é o protagonista do anime Neon Genesis Evangelion, e também o Shinji que é parabenizado neste meme). “Más Triste que Shinji Ikari”, aliás, é outra das minhas favoritas do disco. Mas ela é uma música mais suave, com uma batida repetitiva e um vocal calminho, e eu senti que seria um pouco enganador colocar ela aqui quando o resto do disco é bem chegado a volume. Por isso, acabei optando pela segunda faixa, “Bellavista”, que também tem uma letra introspectiva e meio deprimida. Fora isso, eu toco bateria, e o destaque que o instrumente ganha na metade dessa faixa aquece meu ❤.

Okkyung Lee — “Another Old Story (옛날이야기)”, do álbum Yeo-Neun

A Okkyung Lee é uma violoncelista sul-coreana que é mais conhecida por seu trabalho de improviso e música experimental. Ela tem pelo menos um disco lançado pela Tzadik, que é o selo do novaiorquinho John Zorn para músicas bem doidonas. Mas esse álbum mais recente dela, chamado de Yeo-neun (algo que “se traduz mais ou menos como um gesto de abertura”, segundo a página do bandcamp dedicada ao disco), não é da Tzadik, nem é tão doidão. Ouvindo ele , eu achei sobretudo um disco de música “bonita”. Ele é tocado por um quarteto que Lee montou com ela, um pianista, um baixista e uma harpista (existe essa palavra? Enfim, uma moça que toca harpa). Mas as faixas todas foi ela quem compôs, entregando para os músicos tocarem com ela. Achei interessante que o violoncelo fica em segundo plano em boa parte delas. E a gravação dá muito a impressão de uma música tocada em conjunto. Essas coisas me sugerem que ela é uma ótima pessoa com quem se trabalhar em grupo.

Nascida em Daejeun, na Coreia do Sul, ela se mudou pra Boston em 93 pra estudar no Berklee College of Music — que é uma das universidades de música mais chiques do mundo, o que também meio que significa que muita gente que entra lá é de extração social parecida e acaba saindo de lá soando igual. Mas o som da Okkyung Lee é 0 fritação: você ouvindo o disco inteiro, tem uma vibe ultra-contemplativa, quase minimalista. De vem em quando, no entanto, surgem umas nuvens de caos (como na metade dessa faixa, que eu escolhi por representar um pouco de tudo que o disco tem de melhor) que deixa as partes calminhas soando ainda mais doces depois. E de vez em quanto ela também parece que resolve parar de tocar o cello e começar a torturá-lo, como na faixa “In Stardust (for Kang Kyung-ok)”. Em todo caso, é um álbum muito interessante que vai fazer com que você sinta que o que você está fazendo enquanto escuta ele é mágico (mesmo que você esteja catando cocô de gato, como aconteceu uma das vezes que eu o ouvi).

[agora só faltam duas. escuta lá e depois vem cá de novo!]:

Boisson Divine — “La Sicolana”, do álbum La Halha

Quem acompanha o 10 do Mês já sabe que eu curto umas coisas cantadas em línguas incomuns. Não vou mentir, foi uma das coisas que me atraiu nesse terceiro álbum do Boisson Divine, um sexteto de folk metal (que você pode entender como “metal com sanfona”). Diria até que é um folk metal melódico, porque tem um foco grande em refrões empolgantes e grudentos, além de solos de guitarra harmonizados e uma demonstração de habilidade técnica que são comuns a quase todos os discos de metal chamados de “melódico”. Eu achava que a língua deles era catalão, mas na verdade é em occitano gascão, dialeto regional da Gasconha, uma região no sudoeste da França. Ouvir essa língua é estranho: é como ouvir seus amigos falando e estar chapado demais para entender. Foneticamente parece português com um pouco de francês no meio, e tem umas palavras parecidas, mas… não dá pra entender quase nada. E ela não está no Google Tradutor, então não dá pra saber o que o nome das músicas significam — o que, por outro lado, abre espaço para que você invente um significado todo seu para elas.

Agora, o álbum é bem mais do que só a língua estranha. Fazia tempo que eu não me divertia tanto ouvindo um disco — os refrões são muito divertidos, e os músicos todos super habilidosos (mas sem virar punhetação). E outra grata surpresa: todos eles cantam muito bem. É comum que as músicas tenham algumas partes cantadas em coro, e elas são alguns dos momentos mais bonitos do álbum. Eu quase coloquei aqui a faixa “Un Darrèr Còp”, porque ela mostra muito bem isso (além de destacar a língua deles), mas achei que ela não representava tão bem o disco como um todo. Felizmente, tem também a “La Sicolana”, que tem uma bela introdução em coro, depois fica rápida, tem um refrão divertido e solos harmonizados. Se em algum momento você se pegar pensando “que porra eu tô ouvindo?!?”, era essa a intenção.

The Hirsch Effekt — “Bilen”, do álbum Kollaps

Outra das minhas bandas favoritas a lançar um disco novo em 2020 é o Hirsch Effekt. É um trio alemão de metal que eu sinto que é o que o Rush seria se tivesse começado no século 21 na Alemanha, em vez de nos anos 1970 no Canadá. Guitarra, baixo, bateria e vozes fazendo um som super pesado e ultra-mega-complicado, que nos melhores momentos faz você se sentir como se fosse a bola de pingue-pongue na final do torneio olímpico. Eu descobri eles por volta de 2015, por ocasião do terceiro disco deles, Holon : Agnosie que tem uma capa estarrecedora 100% apropriada ao som que ela ilustra. A sofisticação das composições, somadas à variedade de estilos que eles misturam e à pura agressividade de alguns dos momentos mais tensos, simplesmente me cativaram. Às vezes só era suportável andar no trem da marginal Pinheiros em horário de pico com a companhia deles.

Desde aquela época eu pesquiso o que significa o tal efeito Hirsch, mas nunca descobri. O terceiro álbum deles, no qual várias faixas tinham nomes que lembravam nomes de doença (“Emphysema”, “Bezoar”, “Dysgeusie”), me levou a imaginar que era algo relacionado a medicina, mas nunca achei nada nesse sentido. Esse quinto álbum deles se chama Kollaps em referência, sim, à palavra “Colapso”. Mas mais do que isso, à palavra “colapso” em sueco (embora a banda seja alemã). No bandcamp, eles explicam: “para todos os títulos no álbum (com exceção de ‘Allemande’) escolhemos um termo que é derivado do sueco ou que existe em sueco, aludindo à famosa ativista sueca Greta Thunberg”. E de fato, por lá eles falam que o disco foi motivado por um livro de mesmo nome, lançado há quinze anos, que fala da possibilidade da extinção humana movida por catástrofes climáticas. De fato, se tal catástrofe vier, imagino que esse será o som dela. A faixa que eu escolhi, “Bilen”, não é a mais complexa, mas é uma das mais pesadas: tem um sintetizador que parece que está em curto circuito no começo e no meio da música que dá um tom de filme de terror. Fora isso, os riffs (com guitarra de sete cordas) e os berros complementam a pegada da faixa que, curiosamente, segundo o Google Tradutor, é denomida com a palavra sueca para… “carro”.

E esse foi o 10 do Mês de Maio! Obrigado pela leitura/audição. Espero que você tenha descoberto alguma banda nova ou que pelo menos tenha dado umas risadas com o texto.Se quiser dar a dica de alguma coisa que sai em junho ou me avisar de algo que eu deixei passar em maio, dá um grito no Twitter ou manda mensagem aqui no medium mesmo. Do jeito que o tempo tá passando rápido nessa quarentena, o próximo 10 do Mês jajá tá aí. Enquanto isso, fique bem, fique em caisa, se cuide, cuide de quem você ama e defenda as instituições democráticas. Beijão, até mais!

Quer mais? O 10 do Mês de Abril tá aqui!

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Gustavo Sumares

Jornalista, roteirista, editor, revisor. Falo aqui sobre música, especialmente por meio do 10 do Mês!