O Que Faz de “Witcher 3” um PUTA Jogo
Segundo o site IGN “The Witcher III” é o mais premiado jogo de todos os tempos. O CD Projekt RED (time de desenvolvedores) se empenhou, primando por competência técnica e um profundo respeito com o público consumidor, evitando a sanha de ganho fácil que assola o mercado na forma de DLCs cobradas. (A equipe lançou duas é verdade, ambas excelentes e cheias de conteúdo).
No prestigiado GAME AWARDS de 2015 recebeu o premio de jogo do ano. Dentre as categorias em que foi premiado incluem-se: Melhor Movimento, Performance, Som, Direção de Arte, Feito Técnico e Design Visual. Todas estas fazem de Witcher 3 um excelente jogo. O que faz dele um PUTA jogo é a Narrativa (categoria em que também foi premiado).
Para os que desconhecem o jogo, a série The Witcher é baseado na obra do escritor polônes Andrzej Sapkowski (com 8 livros traduzidos para o português). Estes são ambientado num mundo medieval fantasioso, os Witchers são uma casta de profissionais especializada em caçar monstros, treinados desde crianças e submetidos a mutações que lhes concedem poderes sobre-humanos. O personagem principal “Geralt de Rivia” vaga pelo mundo vendendo seus serviços profissionais.
Diferentemente da abordagem “monstro da semana” muito comum em obras de fantasia, onde monstros pulam detrás de arbustos em qualquer cruzamento implorando para serem abatidos, a prática profissional de um Witcher envolve um bocado de investigação e preparo. Ao invés de se atirar as cegas de espada em punho contra qualquer criatura, a obra de Andrzej enfatiza o processo de coleta de informação sobre o inimigo (investigando cenas do crime, realizando necropsias, buscando rastros e compreendo o habitat dos monstros), elemento este que foi transposto para o jogo de forma magistral. Engajar-se na busca de monstros, como em qualquer caçada, envolve o uso de iscas, armadilhas e um bocado de preparo por parte do jogador.
Como resultado disto, no mundo de Witcher os monstros não existem num vácuo. Eles alimentam-se, deixam rastros, defecam, copulam e enfim, comportam-se como criaturas vivas (ou morto-vivas). Isto confere um excelente aspecto de solidez e realismo as histórias. Ao incorporar estes elementos no jogo os Designers fazem com que o jogador passe a ter de se preocupar com os combates, algo pouco comum em jogos do gênero, que tornam-se uma tediosa sucessão de lutas.
A apropriação dos elementos da narrativa de Andrzej Sapkowski feita pelos desenvolvedores é magistral, de modo que o jogador acaba por envolver-se não só na fruição do jogo, mas também na história que lhe é contada.
Ilustro isto com um relato pessoal de minha experiência com o jogo.
Em dado momento da trama, conheci “Phillip Strenger” também conhecido como “Bloody Baron”, que me incumbiu de encontrar sua esposa e filha, supostamente sequestradas. No curso de minha investigação, encontrei evidências contrárias a isto e quando confrontei o barão, descobri na verdade uma sequencia de episódios de violência domestica que culminaram na fuga de sua esposa e filha. Contudo, contrariando a imagem inicial de bruto insensível o barão acabou revelando-se ser uma pessoa complexa, arrependida e disposto a fazer o necessário para recompor a família que destruiu.
No universo de Witcher nada é em preto e branco, mas rajado de tons de cinza. Os casamento do barão regeu-se por adultério e crueldade de ambas as partes, num cenário onde fica bem difícil definir quem estava errado. No fim das contas me comprometi a encontrar esposa e filha do barão em troca de informações acerca de minha enteada Ciri (a quem Geralt considera uma filha).
O desenrolar desta busca, caracteriza-se por uma sequencia de missões intercaladas com diálogos entre os dois personagens. Não vou narrar toda a busca, suficiente dizer que a conclusão desta culmina num dramático encontro entre o Barão, sua esposa e filha, no momento em que livre de uma maldição, a esposa encontra-se prestes a morrer. Frente ao cadáver da mãe a filha informa ao pai que nunca mais quer vê-lo e parte. O barão resignado, informa-me que cumpri minha parte do contrato e que irei receber meu pagamento quando reencontra-lo em sua morada. Veja aqui o vídeo.
Ao retornar as terras do barão para cobrar a recompensa, para minha surpresa constato que desgostoso com o resultado, ele resolveu tirar a própria vida. Pausa. O jogo me informa que terminei minha missão, me recompensa com experiência e itens… E eu fico com um tremendo de um gosto ruim na boca.
No decorrer da aventura passei a me relacionar com o pobre diabo do barão. Tomei gosto por ele. O fato dele ser tão humano, de errar, destruir seu relacionamento, mas ainda assim tentar redimir-se, fez com que eu visse nele, facetas de pessoas que conheço e me importo. Ser surpreendido com ele desistindo assim da vida, afetou-me profundamente.
É isto que faz do “Witcher 3” um PUTA jogo. Tradicionalmente em jogos de RPG, questguivers são apenas isto, uma mecânica do jogo pela qual se atribuem missões aos personagens. E difícil que o jogador se envolva com eles, além da relação missão = pontos a receber. A maestria dos desenvolvedores de Witcher foi trabalhar os personagens de tal forma que este permitem que você crie pontes emocionais, passando a se importar e gostar deles.
(Por uma crueldade intrínseca da mecânica do jogo, refazer minha jornada de modo a obter um resultado mais positivo exigia refazer algo em torno de 20 horas de jogo, o que no meu caso estava fora de cogitação).
Do ponto de vista do desenvolvimento de um jogo a decisão de ênfase narrativa e cuidado nos personagens, transforma-se numa sucessão de ações que envolvem entre outros: a redação dos diálogos, a escolha de atores, a gravação da atuação (movimento) e interpretação (voz), a concepção das cenas digitais (cutcenes)onde estes diálogos ocorrerão, os planos e enquadramentos, expressões faciais, a composição das cenas, articulação destas com o desenrolar do jogo, o planejamento de uma árvore de ações e consequências. Todo este trabalho, se bem articulado, faz com que a cada interação dos personagem, você invista uma pequena partícula de emoção. O fato dos personagens por possuírem tiques, defeitos e nuances (não sendo unidimensionais)resulta em envolvimento.
É ai que reside a diferença entre um bom jogo e um PUTA jogo. A capacidade de provocar o engajamento emocional. Deixamos de nos focar na mecânica do jogo e nos fixando na narração que se desenvolve. O jogo deixa de ser somente entretenimento e torna-se experiência, possuindo a capacidade de despertar no jogador sensações boas e ruins. O levando a empatia, sentimento e até a reflexão. Algo que todo o desenvolver deveria almejar, e que o pessoal da CD Projekt RED conseguiu de forma monumental.