Ceilândia pulsa
Símbolo de resistência e luta, a periferia também tem voz. E busca ser ouvida!
CEI: Campanha de Erradicação de Invasões. Ceilândia nasceu do descaso com aqueles que construíram a então nova capital, Brasília. Composta, em sua maioria, por nordestinos, a cidade satélite localizada a 26 quilômetros do Plano Piloto se consolidou como berço da cultura hip hop do Distrito Federal. Atualmente, seus filhos lutam contra o estigma da violência e buscam descentralizar o entretenimento brasiliense.
É no centro da capital federal que, hoje, estão concentrados os teatros, bares, restaurantes, cinemas e várias festas com elementos da periferia. Além do preço, a participação de quem mora fora do Plano Piloto é inviabilizada pelo custo do transporte público e a limitação de horário: depois das 23h30, é quase impossível contar com ônibus ou metrô.
Com ingressos que partem dos R$ 50, a frase “festas de preto pra branco” faz cada vez mais sentido. “Esses eventos normalmente são frequentados principalmente por pessoas brancas de classe média alta que tiram um dia da semana para ‘brincar’ de ser da periferia”, afirma Marcos Vinícius, estudante de História na UnB.
Segundo a Secretaria de Transportes do DF, cerca de 1 milhão de pessoas utilizam os ônibus e micro-ônibus para se locomover. A greve dos metroviários iniciada na última terça feira, 14, é mais uma evidência do descaso dos últimos governos com o transporte público no DF. Entre as reivindicações da categoria, está a contratação dos aprovados no último concurso realizado em 2013 e o reajuste para corrigir perdas salariais.
Enquanto isso, cresce o número de eventos culturais fora do Plano Piloto. Segundo estudo da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), Ceilândia tem uma população que gira em torno de 489 mil pessoas. A cidade-satélite mais populosa do Distrito Federal vem sendo ocupada pelos inconformados com a ideia de que só o centro deve ter agenda cultural. Projetos como “Coletivo Pé de Ipê”, “Jovem de Expressão”, “Lazer das Quebradas”, “NoizQcei Coletivo Cultural” e “Sarau-VA” estão movimentando a periferia e mostrando que ela também tem poder de fala.
O Coletivo Pé de Ipê é formado por cinco meninas, todas moradoras de cidades-satélites, e já realizou eventos em Ceilândia, Santa Maria, Sobradinho e Taguatinga. O grupo de produção cultural nasceu a partir de uma oficina para o festival Elemento em Movimento.
“O objetivo do coletivo é descentralizar, levar cultura pra onde não tem, pois isso é um direito de todos. Ver as coisas acontecerem onde nós moramos e ver que estamos fazendo a diferença é muito legal. Queremos mostrar que eventos com qualidade das baladas elitizadas podem acontecer na periferia. E de graça!”, explica Marina Ximenes, integrante do Coletivo Pé de Ipê.
O Elemento em Movimento é um festival de cultura urbana realizado pela Rede Urbana de Ações Socioculturais (RUAS) e pelo programa Jovem de Expressão. Com quatro edições bem sucedidas e sempre realizadas na Ceilândia, o palco do evento já recebeu nomes como Emicida, Rael, Planta e Raiz, Rashid e Flora Matos. A última edição teve um público estimado em 30 mil pessoas durante os dois dias de festival.
“É muito satisfatório para nós produzir algo que cause impacto positivo na comunidade e na vida dos jovens de periferia”, afirma a equipe do Jovem de Expressão. Mantido pela Caixa Seguradora, o programa nasceu em 2007 e tem sede na Praça do Cidadão, também em Ceilândia. O intuito do projeto é aliar arte, comunicação e terapia comunitária com a missão de reduzir a exposição de jovens à violência.
ESTIGMA
O preconceito com as regiões periféricas, contudo, ainda está longe de acabar. Cidades como Ceilândia e Samambaia são obrigadas a viver diariamente com o imaginário reducionista de hostilidade e marginalização. “A galera do Plano pode até sair de lá, mas sai com temor. Eu já escutei coisas do tipo ‘fui para um evento massa com o Rael [Elemento em Movimento] e não teve nenhum tirinho’”, relata Marina Ximenes.
Para o ceilandense e funcionário público Antônio dos Santos, o poder aquisitivo é o responsável pela exclusão e diferença de comportamento. “Aqui [na Ceilândia] as pessoas são mais concretas, mais reais. No Plano Piloto, as pessoas são muito artificiais e ficam girando em torno de padrões. A periferia sempre teve esse diferencial”, afirma.
O estigma social também está presente em entidades ligadas ao governo, fato que se tornou um obstáculo para as ações realizadas na periferia. Morosidade e burocracia para liberar locais para os eventos, repressão policial que inclui embargos mesmo com alvará e pessoas questionando por que os espetáculos não são realizados em zonas centrais foram algumas das dificuldades enfrentadas e elencadas pela equipe do Jovem de Expressão.
Mesmo com tantas obstáculos, o movimento resiste e segue firme. Como bem lembrado pelo manifesto do coletivo sociopedagógico Lazer das Quebradas, “uma vida cultural desenvolvedora e criativa é uma responsabilidade de todos, assim sendo, carregamos com muita coragem e determinação um legado de confiança e pluralidade artística para a cidade dos sonhos, também conhecida como Ceilândia.”
Nesta entrevista com Lucas Pinheiro, coordenador geral do Lazer das Quebradas, descobrimos um pouco mais sobre o surgimento do projeto, seu intuito e o diferencial dos eventos realizados na periferia. Confira!
Gustavo Azevedo: Como surgiu o Lazer das Quebradas?
Lucas Pinheiro: O Lazer das Quebradas surgiu com o intuito de trazer na memória da Ceilândia o que já ocorria na cena dos anos 80 e 90. Como, por exemplo, os lazeres que ocorriam nas entre quadras, mas, que com o tempo, foram acabando por conta da violência da época e, às vezes, até um pouco por falta de incentivo e apoio a esse tipo de atividade. Foi então que a gente decidiu trazer isso de volta. Realizando um evento de qualidade, como os eventos que ocorrem no centro, porém aqui na periferia; trazendo essa memória novamente do que já acontecia na cena. A gente traz a cena do rap, do charme, do flashback, do fúria funk, do reggae até a cena atual das músicas mais underground como trap e essas outras vertentes e elementos que surgem da periferia. Além das outras vertentes como o grafite, o basquete, apresentação de dança e a batalha do cantador que ocorre dentro do projeto.
G: Qual o intuito do projeto?
L: O intuito do projeto é que a Ceilândia possa ter uma identificação, um projeto que seja um exemplo para fora. Que a gente possa trazer as pessoas para curtir na Ceilândia. Que a Ceilândia não tenha essa imagem violenta, mas que tenha a imagem ‘na Ceilândia acontece aquele evento que agrega muita cultura. Vamo lá curtir! Vamo lá no Lazer das Quebradas’. O intuito é esse, trazer pessoas de todas as quebradas para curtir aqui na Ceilândia.
G: E quais foram os últimos eventos realizados?
L: A primeira edição ocorreu no dia 16 de abril e a segunda edição foi dia 21 de maio, ambas na Casa do Cantador. Em junho nós não fizemos porque estamos preparando uma edição de férias para o mês que vem, que vai ser uma edição especial.
G: Qual o diferencial de ser realizar eventos na periferia?
L: Bom, o diferencial em realizar esses eventos na periferia é que você pode mostrar que não é só lá no centro, só lá no Plano que vai ter eventos de qualidade, que vai ter eventos com bons DJ’s, com música boa… Aqui também tem quem faça algo pela comunidade. A entrada é gratuita e isso é uma coisa muito importante no nosso projeto. Ele é aberto e a gente tem o diferencial de ter várias atividades. O evento começa a tarde e vai até a noite. Ocorrem várias atividades até chegar o momento do baile, que é o momento mais esperado, onde a gente recebe diversos artistas locais e, agora nas próximas edições, vamos estar convidando pessoas de fora do Distrito Federal.
Massa, né? Essas são as páginas que você pode acessar, caso queira conhecer um pouco mais sobre os projetos aqui citados:
Coletivo Pé de Ipê / Elemento em Movimento / Jovem de Expressão / Lazer das Quebradas / NoizQcei Coletivo Cultural / Sarau-VA
A periferia tem igual ou maior potencial que as zonas centrais. Aqui, o Setor de Diversões/Setor de Clubes é toda esquina.