Curiosidades da bola parte 9: a influência do futebol na eleição francesa
No último domingo os franceses foram as urnas para eleger os novos deputados da Assembleia Nacional. No primeiro turno, realizado na semana retrasada, a extrema-direita havia saído como principal vencedora e estava bastante animada para confirmar esse favoritismo no domingo. Porém, assim como ocorreu nas eleições presidenciais de 2002, os extremistas não tiveram êxito e ficaram apenas em terceiro lugar com 143 assentos no parlamento, contra 182 da coligação de esquerda e 168 dos centristas.
Atendendo aos apelos do presidente Emmanuel Macron e de várias figuras políticas da esquerda, centro e direita moderada, os eleitores franceses deram nas urnas uma resposta ao partido Reagrupamento Nacional de extrema-direita. E parte desse resultado teve grande influência graças ao futebol francês.
Disputando a Eurocopa, os franceses entram em campo hoje contra a Espanha pela semifinal do torneio, diversos jogadores se manifestaram ao longo das últimas semanas sobre o pleito eleitoral. Principal craque da França, Kylian Mbappe disse no início da Euro: “Não podemos nos desconectar do mundo, muito menos quando se trata do nosso país. Podemos fazer diferença. Os extremos podem chegar ao poder, mas temos valores de diversidade, tolerância e respeito. Cada voz conta e isso não deve ser negligenciado. Espero que façamos uma boa escolha e que ainda tenhamos orgulho de vestir a camisa da seleção francesa no dia 7 de julho”.
Seus companheiros também se manifestaram. Filho do lendário ex-jogador e campeão mundial Lilian Thuram, Marcus afirmou: “Temos que dizer a todos para irem votar e que lutem diariamente para evitar uma vitória da extrema-direita”. O lateral-direito Jules Koundé também se manifestou dizendo “seria importante para a França barrar a extrema-direita e o Reagrupamento Nacional”. Ousmane Dembélé, Antoine Griezmann, Olivier Giroud e Aurélien Tchouaméni foram alguns atletas que se manifestaram.
Marine Le Pen, principal líder da extrema-direta, alfinetou os jogadores franceses e mirou principalmente em Mbappe: “Klyan Mbappé é, sem dúvida, um jogador de futebol muito bom, mas ele não representa os franceses com antecedentes de imigração, porque há muito mais deles a viver com o salário mínimo, que não têm condições de pagar habitação e de aquecimento”.
Não é a primeira vez que ela ataca figuras conhecidas do esporte francês. Durante as eleições presidenciais de 2017, quando perdeu para Macron no segundo turno, Zinedine Zidane havia afirmado que “deveria se evitar ao máximo possível eleger a extrema-direita”. A resposta de Le Pen foi semelhante a que deu agora para Mbappe, dizendo que Zidane era um milionário e que “não tinha que falar nada de política”.
Le Pen, porém, se esquece que tanto Zidane, quanto Mbappe, e os demais jogadores franceses vieram das periferias do país, os chamados banlieues. As “quebradas” da França são conhecidas pela sua diversidade étnica, formada majoritariamente por migrantes e descendentes de antigas colônias francesas. E na maioria são alvo de preconceito e extremamente marginalizados. Zidane cresceu na periferia de Marselha, Benzema na periferia de Lyon e Mbappe na periferia de Paris. Como Le Pen pode afirmar que eles não tem lugar de fala? Não importa se hoje eles sejam ricos, só a vivência que eles tiveram em boa parte da vida (e que se não fosse o futebol seria a vivência atual) vale por cada palavra que eles pronunciaram nos últimos dias.
E aqui cabe um parenteses sobre Marine Le Pen. Filha do fascista Jean Marie Le Pen, ela está fazendo um rebranding. Mudou o nome e estética do partido, mas sempre defendeu as mesmas ideias extremistas do pai e agora tenta soar como mais “civilizada” e palatável para parte do eleitorado, que como visto não comprou essa versão. Como diz o ditado, o golpe tá ai cai quem quer (alô Demétrio Magnoli).
Lembram-se que no começo do texto falei das eleições presidenciais de 2002? Pois bem, daquela vez era Jean Marie Le Pen quem estava no segundo turno da eleição presidencial para enfrentar Jacques Chirac que buscava a reeleição. O extremista estava crescendo em popularidade, mas o posicionamento enfático dos líderes da seleção francesa campeã mundial com Zidane, Thuram e Henry à frente, influenciaram parte do eleitorado a derrotar Le Pen, que terminou com apenas 17% dos votos.
Desta vez a geração de Mbappe se posicionou e celebrou a derrota dos extremistas nas redes sociais no domingo a noite. Com certeza será um combustível motivacional a mais para a seleção conseguir bater o ótimo time espanhol em busca de uma vaga na final. Porém, a extrema-direita não está morta na França e vai se preparar para tentar voltar forte na eleição presidencial de 2027 contra a esquerda e o sucessor de Macron. Os números da eleição de domingo, onde o Reagrupamento Nacional foi o partido que mais cresceu é um sinal dessa força. Mas pelo menos a França deu uma grande resposta contra essa xenofobia e o racismo.
E cabe um destaque para duas coisas. A primeira foi ver Raí se posicionar dias antes da eleição. Em um belo discurso, ele se manifestou contra a extrema-direita, lembrou os franceses de quanto Bolsonaro foi prejudicial ao Brasil e gritou pela democracia. Raí, o grande responsável por eu ter me tornado são-paulino, nunca decepciona. Encheu de orgulho o irmão Sócrates e todos nós que detestamos os fascistas e xenófobos.
E que inveja da seleção francesa em ter atletas se posicionando e não esquecendo de suas origens. É um desgosto enorme comparar esse time francês com a nossa seleção brasileira, cada vez mais alienada, bajulada por influenciadores e totalmente fora da realidade. Continuamos tomando 7 a 1 todo dia.