ADEUS ANTES DE TUDO. DEUS NEM EXISTE.

G. da Natividade Mac.
16 min readDec 27, 2022

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Por Guilherme Natividade

Bolsonaristas chorando e rezando após derrota eleitoral de Bolsonaro no segundo turno das eleições de 2022.

Que Jair Messias Bolsonaro é neofascista, racista, machista, misógino, xenofóbico, homofóbico, transfóbico e antidemocrático muitos sabem — enquanto uma minoria derrotada nas urnas finge não saber ou acoberta esse fato por compactuar com o caráter autoritário e fascínora daquele que é popularmente considerado um miliciano genocida — , mas não somente de ataques à democracia brasileira, às instituições da República e ao sistema eleitoral se resume o movimento bolsonarista. Além de ser inimigo veemente do Estado Democrático de Direito, o bolsonarismo é um movimento reacionário de massa — definição geral de fascismo de acordo com Armando Boito Jr. (2020) — de extrema-direita e ultraconservador que se opõe a um conjunto de aspectos, como a diversidade, a igualdade e a justiça social, o progressismo, a modernidade, a ciência, o intelectualismo e os princípios humanistas e secularistas. De modo geral, o movimento neofascista bolsonarista absorve uma série de características típicas do fascismo original apontadas por Jason Stanley (2019) (referência a um passado mítico, valorizado em função da família patriarcal e de seus valores, como a autoridade do pai; anti-intelectualismo; defesa da lei e da ordem; desarticulação do bem-estar público; ansiedade sexual; exclusão de grupos sociais minoritários e sua desumanização e/ou extermínio; divisão da população entre “nós e eles”; e ultranacionalismo), bem como 14 atributos que Umberto Eco (2018) define como sendo os componentes do chamado “fascismo eterno”, ou “ur-fascismo” (culto à tradição; rejeição à modernidade; culto à ação pela ação, negando a reflexão; rejeição ao senso crítico; aversão às diferenças e à diversidade; apelo às classes médias frustradas por alguma crise econômica; nacionalismo e xenofobia; negação da paz; elitismo aristocrático e militarista; culto a um herói; culto à morte; projeção da vontade de poder a questões sexuais; populismo qualitativo; e novilíngua de Orwell).

Mas não apenas de um patriotismo exagerado, de um nacionalismo exacerbado, de um militarismo e armamentismo doentio e de um forte negacionismo científico se resume a seita bolsonarista — esta centrada na figura do atual ex-Presidente da República. A milícia bolsonarista também é composta por um extremo e radical fundamentalismo religioso cristão (em especial evangélico) que atua como inimigo da laicidade do Estado e dos princípios laicistas presentes na Constituição Cidadã de 1988. E em meio a mais um projeto de poder de raízes fascistas, como é habitual em movimentos e regimes desta natureza¹, há, por intermédio dos ideais do bolsonarismo, implementar uma ditadura teocrática no Brasil, com leis e normas de acordo com conceitos bíblicos, a fim de transformar nosso país em um “evangelistão”, aos moldes do Afeganistão, da Arábia Saudita e de outros regimes neoconservadores pelo mundo que também são pautados e sustentados com base na moral e na ética religiosa e em temas ultrapassados, como de família e costumes.

É ciente entre a comunidade de livres pensadores humanistas e secularistas que o Estado laico constitucional é ferido e violado desde quando a laicidade foi promulgada no Brasil (através da primeira Constituição Federal, em 1891, marcando o fim do catolicismo enquanto religião oficial decretada pelo Império brasileiro), assim como a forte influência e o enorme domínio da Igreja (em especial a Católica) no país. Os próprios poucos governos de esquerda e progressistas que estiveram no poder no país (como é o caso, em especial, dos lulopetistas, entre 2003 e 2016) ampliaram isenções tributárias às igrejas, perdoaram dívidas de templos com a União, fortaleceram a imunidade de centros religiosos e impulsionaram o crescimento do cristianismo cultural no país com uma série de regalias, contribuindo muito para sua consolidação e seu imperialismo. As igrejas, em particular, muito ganharam e foram indevidamente beneficiadas por governos declarados progressistas (de esquerda ou mesmo de direita), os quais deveriam combatê-las, minimizando seu poder de atuação em todas as áreas da vida pública. Portanto, é de natureza institucionalizada de todos os governos brasileiros — sejam de direita ou de esquerda — atacar a laicidade constitucional, esta que deve sempre ser defendida, independentemente da governança em exercício, por todos(as) os(as) militantes secularistas que prezam por este que é um dos pilares da democracia e garantidor das liberdades democráticas — individuais e coletivas.

Contudo, apesar dos ataques de costume que historicamente ocorrem, e que infelizmente deverão ocorrer no futuro novo governo Lula — este que já está alinhado e comprometido com os interesses das igrejas e em acordo com a manutenção e efetivação do cristianismo cultural (estejamos atentos e vigilantes) — , nada em mais de 130 anos de República se compara com as violações ao Estado laico promovidas pelo conservadorismo e fundamentalismo bolsonarista nos últimos 4 anos. Enquanto um movimento fanático religioso, extremista e completamente retrógrado, o bolsonarismo acumula o que há de pior e mais podre na política brasileira e em toda a humanidade, não estando apenas à serviço dos interesses das igrejas, como todos estiveram até aqui, mas sendo um representante ativo da mitologia cristã em sua essência, tal como um verdadeiro fascista. Por conta disso, e tendo em vista que esse desgoverno desumano e corrupto está com seus dias contados e com data e hora marcada para o fim, a proposta deste artigo é apresentar e registrar para a história desse país as vezes em que Bolsonaro e sua gestão desastrosa (a pior e mais rejeitada da República brasileira) feriram o Estado laico e atacaram minorias religiosas — em especial a comunidade ateísta — , se afirmando como oposição ferrenha à laicidade constitucional e aos ateus enquanto grupo social.

Fake news e ateofobia contra adversários na campanha de 2018²

Se aproveitando de pesquisas de opinião pública que mostram a rejeição e aversão à comunidade ateia pela sociedade brasileira, principalmente em relação a candidaturas à Presidência da República³, e usando da forte influência das igrejas como cabo eleitoral nos pleitos, a campanha da chapa Bolsonaro-Mourão, em 2018, utilizou fake news contra a chapa adversária (Haddad-Manuela) em propagandas veiculadas no rádio e na televisão. Em publicidade transmitida nacionalmente no dia 25 de outubro de 2018, véspera do segundo turno das eleições presidenciais, a campanha do candidato do PSL usou trechos de vídeos cortados e retirados de contexto para afirmar, de forma depreciativa e caluniosa, que Fernando Haddad e Manuela d’Ávila são na verdade ateus, estando eles “desrespeitando” a fé cristã ao frequentarem cultos religiosos para, supostamente, enganar os eleitores e angariar votos.

O uso em destaque da palavra “ateus”, em tom pejorativo e de alerta, na propaganda, somado aos trechos de vídeos editados com falas dos presidenciáveis, serviu para desmoralizar a imagem das figuras políticas junto à população brasileira. Bolsonaro, nesse episódio, além de propagar fake news (crime eleitoral) — visto que tanto Haddad, quanto Manuela são declaradamente cristãos — , promoveu ateofobia ao proferir falsas acusações de ateísmo contra opositores, aos moldes como a Santa Inquisição fez na Idade Média, expondo e reforçando o desprezo da sociedade brasileira contra a comunidade ateia.

Se a tática bolsonarista foi usar o ateísmo como ofensa e demérito para “queimar o filme” dos adversários, nessa ele conseguiu o que queria.

Perdão de dívidas bilionárias das igrejas com a União

Em março de 2021, bolsonaristas no Congresso Nacional se uniram favoravelmente em votação em prol da anistia de dívidas de em torno de R$ 1,4 bilhão das igrejas com a União, o que resultou em definição pela isenção de pagamento e suas respectivas multas por atraso. Na sessão comandada pelo líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP), e contando, inclusive, com votos favoráveis de alguns partidos da oposição, como o PCdoB, o perdão pró-privilégios religiosos passou quase que por unanimidade pelo Parlamento alinhado aos interesses da Igreja, mas não do Estado laico.

Para não correr risco de impeachment por crime de responsabilidade, Bolsonaro, então Presidente à época, vetou o dispositivo que anistiava as igrejas, mas já negociando com sua base governista no Congresso a derrubada do veto. E de fato foi o que ocorreu. Com a derrubada do veto pela maioria dos parlamentares, principalmente da situação, Bolsonaro “voltou atrás” em sua oportuna decisão e sancionou a anistia das dívidas de igrejas e templos religiosos com o Estado brasileiro⁴.

A política bolsonarista sempre foi a de retirar direitos do povo, dos estudantes, dos trabalhadores e dos aposentados, mas garantir benefícios e privilégios aos irmãos de fé e comparsas do crime.

Nomeações terrivelmente “técnicas”

Desde o início de seu mandato, em 2019, Bolsonaro já ameaçava o povo brasileiro e a laicidade do Estado com a nomeação de um ministro por critério de ser “terrivelmente evangélico” para o Supremo Tribunal Federal (STF)⁵. O que causou muito estranhamento nessa obsessão do então Presidente com a condicional de pré-requisito religioso é a contradição quanto aos seus discursos e promessas de campanha em nomear apenas pessoas com perfil técnico e competentes para cargos públicos, “sem viés ideológico”.

Mas se o viés for de acordo com a doutrina cristã e quiser fazer da Bíblia a nova Constituição Federal não há problemas para o bolsonarismo. Desde a nomeação de uma pastora evangélica, Damares Alves, para assumir o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, e de um pastor presbiteriano e teólogo, Milton Ribeiro (investigado e preso pelo envolvimento no esquema de corrupção que desviava verbas da educação pública, chamado de “Bolsolão do MEC”), para um Ministério tão importante e estratégico como o da Educação, ficou evidente que a separação entre Igreja e Estado (princípio-base da laicidade) não é nem um pouco apreciada por Bolsonaro e seu clã. E tanto o caso da lunática da goiabeira e do ex-presidiário inimigo do ensino público, quanto do ministro “terrivelmente evangélico” André Mendonça, indicado à Suprema Corte em 2021, são apenas os exemplos mais notórios do aparelhamento estatal religioso que o governo neofascista promoveu em suas nomeações “técnicas”, atacando o Estado laico ao privilegiar um grupo religioso específico e adotar uma fé religiosa acima das demais crenças e posições presentes no país como critério para distribuir e lotear cargos.

“Pai nosso” é a Constituição Federal e o Estado é terrivelmente laico, Bolsonaro!

Espaços públicos para cultos religiosos

Não só para campanhas eleitorais (inclusive antecipadas) Bolsonaro utilizou patrimônios públicos ao invés de estar trabalhando pelo Brasil. Por inúmeras vezes, o então Presidente e sua esposa, a então Primeira-Dama Michelle, usaram os Palácios do Planalto e do Alvorada para promover cultos religiosos com seus aliados e financiadores de campanha⁶. Já houve missas, rodas de oração, leituras da Bíblia, tudo durante a agenda presidencial e em ambientes pertencentes ao Estado brasileiro, a fim de promover única e exclusivamente uma fé religiosa específica: a cristã.

Além disso, não esqueçamos que as campanhas bolsonaristas de 2018 e 2022 foram impulsionadas por comícios dentro de igrejas, contando com a ajuda de líderes religiosos que cometeram crimes eleitorais ao aliciar os fiéis a partir de compra de votos e/ou difamando os adversários políticos do candidato da extrema-direita publicamente com o uso de fake news. Até os populares “santinhos” de campanha e folhetos “informativos” com colinhas eleitorais foram distribuídos em templos religiosos aos devotos que frequentavam os espaços durante a corrida presidencial que, pela primeira vez desde a aprovação da reeleição, não reelegeu um chefe de Estado ao cargo que até então ocupava.

A estrutura fundamentalista para interferir nos resultados eleitorais e moldar a política nacional que articula, financia e movimenta o bolsonarismo é o mecanismo da velha política do atraso.

Conchavo com o sistema religioso

Não há perdão de dívidas para igrejas de graça. Não há ampliação de isenção de impostos para pastores evangélicos em ano eleitoral por nada⁷. Não há financiamento público para cultos religiosos e shows gospel à toa. Tudo é uma via de mão dupla: a mão que dá também cobra e recebe.

Para se vender aos interesses da Igreja e se afirmar como um representante do cristianismo cultural, inimigo do Estado laico, Bolsonaro recebe apoio eleitoral e político da Bancada fundamentalista e de figuras religiosas, como os pastores Silas Malafaia, Edir Macedo, Marco Feliciano, Everaldo (preso por corrupção), Gilmar dos Santos (favorecido no esquema do MEC), Magno Malta, Valdemiro Santiago e Flordelis (condenada e presa pelo homicídio de seu marido), o “Padre” Kelmon e alguns tantos bispos do Brasil. Além disso, o ex-presidente também recebe financiamento privado de campanha de núcleos de pastores e outros líderes religiosos⁸, bem como uma “mãozinha amiga” de igrejas como a Universal do Reino de Deus, a Assembléia de Deus e a Mundial do Poder de Deus para se eleger. Neste caso, instituições religiosas denunciadas por estelionato e lavagem de dinheiro, que enriquecem através da exploração da fé alheia, com o dízimo, além da imunidade tributária indevidamente concedida sobre as premissas constitucionais.

Portanto, não, não é do nada que as dívidas de igrejas com a União dobraram nos últimos anos, ao mesmo tempo em que houve anistia de débito e aumento de isenções tributárias. Não é por acaso que eventos de cunho confessional são tão promovidos com alto financiamento estatal, inclusive na área da cultura. Como uma mão lava a outra, tem a que usa de seu poder e influência por cima da laicidade para eleger o político que, com sua caneta, irá ferir o Estado laico no compromisso que tem de cumprir com seus amiguinhos de pacto. Esse é o ciclo que por décadas perdura nessa pátria decadente chamada Brasil.

O sistema é mesmo foda!

Aquisição de novelas bíblicas por TV estatal

Você sabe quanto de dinheiro público a Rede Record, pertencente ao bispo Edir Macedo, líder da Igreja Universal, recebeu pela compra da novela Os Dez Mandamentos? R$ 3,2 milhões⁹. Isso mesmo: o Governo Federal, por meio da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), adquiriu os direitos de transmissão de um conteúdo religioso por milhões dos cofres públicos para exibir na TV Brasil, uma emissora estatal. E essa foi apenas uma das dramaturgias bíblicas compradas pela gestão Bolsonaro.

Já é um escárnio com o povo brasileiro a concessão pública dos meios de comunicação às igrejas para canais religiosos. Bolsonaro inclusive é muito favorável à prática, tendo concedido e renovado em casos aqui e ali. Todos os espaços em diversos setores da sociedade civil que o cristianismo quiser e puder ocupar, o Estado brasileiro sempre tratou de conceder com a maior facilidade e sem qualquer cobrança por retorno. Porém, usar dinheiro público para adquirir telenovela de imprensa aliada supera o limite do absurdo e do descompromisso e irresponsabilidade com os gastos públicos por parte desta administração.

Para as igrejas tudo, para o povo nada: esse é o lema do bolsonarismo raiz.

Relação com a comunidade ateísta

Para muitos, a mão que bate é a mesma que afaga. No caso da relação de Bolsonaro com os ateus, sempre foi assim.

Bolsonaro até tenta, mas não engana a todos. Como o fundamentalista ultraconservador que é, nunca escondeu seu preconceito contra a comunidade ateísta. Nas poucas vezes em que citou ateus e ateias, ou fez para angariar votos dessa minoria social¹º, ou fez para discriminar os descrentes e atacar seus adversários com falsas acusações de ateísmo.

Em discurso às vésperas do primeiro turno das eleições de 2018, o candidato do PSL bem que tentou nos usar como massa de manobra, buscando enganar os desavisados e ingênuos com uma fala moderada que contraria suas reais posições e intenções:

“Nós vamos fazer um governo para todos, independente de religião. Até quem é ateu. Nós temos quase por volta de 5% de ateus no Brasil, e vocês têm as mesmas necessidades que os demais têm”, declarou Bolsonaro.

Pouco mais de um mês depois, já no segundo turno, o candidato voltou a citar os ateus em falsa acusação contra seus concorrentes durante propaganda eleitoral, a fim de difamá-los e ganhar a eleição, como já fora mostrado aqui anteriormente. Uma hipocrisia vinda de um canalha cínico que pouco tempo antes estava querendo votos do público ateísta e de defensores da laicidade para, no poder, violar ainda mais o nosso frágil Estado secular.

Já em 2020, enquanto presidente, Bolsonaro citou os ateus novamente, dessa vez em tom provocativo e demasiadamente preconceituoso, utilizando da velha falácia argumentativa do ateu durante uma queda de avião¹¹ — já refutada em outro artigo¹² — ao fazer uma comparação descabida e sem a mínima lógica com a cloroquina, medicamento comprovadamente ineficaz contra COVID-19 que o governante insistiu em recomendar durante a pandemia, mesmo sem competência, contrariando cientistas do mundo todo:

“A cloroquina é igual a ateu quando o avião começa a cair, daí lembra de Deus. “Ai, meu Deus do céu, o avião tá caindo”. A cloroquina é a mesma coisa. O que tem pra tomar?”

É por esse histórico fundamentalista religioso, inimigo da laicidade e ateofóbico que Bolsonaro foi rejeitado pela maioria da comunidade ateísta nos dois últimos pleitos. Como ateu não gosta de ser enganado e não acredita em qualquer discurso sem evidências ou bases racionais e fundamentadas, digamos que a resposta veio nas urnas com “louvor” e quem caiu foi seu governo, já condenado ao fracasso, para a lata de lixo da história.

Inimigo da laicidade e da diversidade

Em diversas lives com religiosos, motociatas com apoiadores ou mesmo em participações na Marcha para Jesus durante agenda presidencial, Bolsonaro já declarou que seu governo era cristão e até que o próprio Estado brasileiro é cristão, contrariando os princípios secularistas presentes nos artigos 5º e 19 da Carta Magna de 1988. Para um político fundamentalista que tem como seu slogan de campanha a frase “deus acima de todos”, além de outros lemas de cunho fascista, desrespeitar a laicidade estatal e a separação entre Estado e Igreja, bem como a secularização de instituições e órgãos públicos, é algo visto por ele como natural e positivo para a democracia, estando dentro das tais “4 linhas da Constituição”.

Durante discurso para apoiadores na Paraíba, em 2017, Bolsonaro mostrou a sua real face de inimigo da laicidade e da diversidade ao defender Estado cristão (teocracia fundamentalista)¹³ acima dos direitos civis e sociais e das liberdades das minorias:

“Como somos um país cristão, deus acima de tudo! Não tem essa história, essa historinha de Estado laico, não. É Estado cristão! E quem for contra que se mude. Vamos fazer o Brasil para as maiorias. As minorias têm que se curvar às maiorias. As leis devem existir para defender as maiorias. As minorias se adequam ou simplesmente desapareçam”, disse Bolsonaro às massas paraibanas.

Esse é o Bolsonaro factual: fundamentalista, inimigo do Estado laico, ateofóbico, preconceituoso, intolerante e autoritário. Por isso é inconcebível e inaceitável existir ateus e secularistas declarados conservadores e bolsonaristas. Ateístas, secularistas, humanistas, racionalistas, positivistas e toda a comunidade vinculada a correntes de livre-pensamento, progressistas por essência, formada por ativistas que defendem a laicidade constitucional, combatem o cristianismo enquanto dominação sócio-cultural e lutam em prol de um Estado verdadeiramente laico devem rejeitar Bolsonaro e o movimento obscurantista bolsonarista neofascista, fundamentalista e ultraconservador. Quem absorve o ateísmo enquanto concepção de mundo e filosofia de vida, em prol de visibilidade e representatividade ateia, não pode, de modo algum, compactuar com posições que seguem e vão de acordo com o sistema religioso e com a ordem social imposta, através de doutrinação, pela mitologia cristã no mundo ocidental.

E não há problema algum, perante a visão institucional, de Bolsonaro, Lula ou qualquer governante ou parlamentar ser teísta e cristão. Na vida privada, no âmbito pessoal, cada um tem o direito legal de crer no que quiser — assim como de não crer — e seguir a doutrina que preferir, pois nossa laicidade, mesmo que fragilizada, nos fornece essa garantia. O que não pode é misturar política e religião, usurpar o poder do Estado a fim de promover e defender interesses exclusivos de uma mitologia específica, acima da Constituição e das estruturas democráticas, ou assumir cargos públicos na posição de representante de núcleos estritamente confessionais, como fazem pastores e padres nos Poderes Executivo, Legislativo e até Judiciário. Representantes do povo devem servir unicamente ao povo de modo geral e seguir as leis e normas constitucionais, não bíblicas. O Estado oficialmente laico, não ateu, de forma alguma cobrará ou irá impôr a irreligiosidade, de maneira ditatorial e por ideologia, mas deve ser respeitada e assegurada a sua neutralidade no âmbito religioso para a manutenção da ordem social e do bom convívio de todos e todas na democracia.

A laicidade, perante o Poder Público, é que deve estar acima de tudo e de todos, garantindo oportunidades e acessos para as classes populares. O Estado, neutro em relação às religiões, não pode favorecer ou promover ideal e posição A ou B acima do restante, da pluralidade de pensamento, devendo se limitar somente em garantir a liberdade de crença e culto, sendo esta mantida e concentrada em foro exclusivamente privado, fora da vida pública. Essa garantia de neutralidade estatal é o que sustenta, consolida e fortalece o Estado Democrático, o livre exercício dos Poderes da República, e assegura o cumprimento da Constituição. Por isso é importante enfrentar tudo e todos que atentam contra a laicidade e lutar ativamente, em resistência, pela regulamentação do que prevê a Carta Magna de 1988, por meio de um projeto nacional de secularização total e radical.

Pelo bem-estar da nação e em prol do Estado laico sempre, está na hora de Jair embora. E se for por falta de adeus, então que esse adeus esteja acima de tudo, pois deus sequer existe.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOITO, Armando Jr. Por que caracterizar o bolsonarismo como neofascismo?. Crítica Marxista (São Paulo), v. 50, p. 111–119, 2020.

ECO, Umberto. O fascismo eterno. Trad. Eliana Aguiar. Rio de Janeiro: Record, 2018.

STANLEY, Jason. Como funciona o fascismo: a política do “nós” e “eles”. Porto Alegre: L&PM, 2019.

REFERÊNCIAS

¹ Ver Cristãos contra o fascismo? A diferença entre nós e eles: https://guilhermenatividade.medium.com/crist%C3%A3os-contra-o-fascismo-a-diferen%C3%A7a-entre-n%C3%B3s-e-eles-e1895adaa334

² Propaganda de Bolsonaro classifica Haddad e Manuela como ateus. Viva Bem — Uol, 2018. Disponível em: <https://www.uol.com.br/vivabem/videos/?id=propaganda-de-bolsonoaro-classifica-haddad-e-manuela-como-ateus-04024D1C3162D8A96326>. Acesso em: 25 dez. 2022

³ PETRY, André. Como a fé resiste à descrença. Veja, 2007. Disponível em: <https://web.archive.org/web/20111228214309/http://veja.abril.com.br/261207/p_070.shtml>. Acesso em: 25 dez. 2022

Bolsonaro volta atrás e perdoa dívida de R$ 1,4 bilhão de igrejas. Estado de Minas, 2021. Disponível em: <https://www.em.com.br/app/noticia/politica/2021/03/18/interna_politica,1248010/bolsonaro-volta-atras-e-perdoa-divida-de-r-1-4-bilhao-de-igrejas.shtml>. Acesso em: 25 dez. 2022

⁵ CALGARO, Fernanda e MAZUI, Guilherme. Bolsonaro diz que vai indicar ministro ‘terrivelmente evangélico’ para o STF. G1, 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/07/10/bolsonaro-diz-que-vai-indicar-ministro-terrivelmente-evangelico-para-o-stf.ghtml>. Acesso em: 25 dez. 2022

Michelle Bolsonaro lidera culto evangélico no Palácio do Planalto. Estadão, 2022. Disponível em: <https://www.estadao.com.br/politica/michelle-bolsonaro-lidera-culto-evangelico-no-palacio-do-planalto-veja-video/>. Acesso em: 25 dez. 2022

Mirando eleitorado evangélico, Bolsonaro amplia isenção a pastores. iG, 2022. Disponível em: <https://economia.ig.com.br/2022-08-18/bolsonaro-pastores-isencao-impostos-eleicoes.html>. Acesso em: 25 dez. 2022

Pastores e empresários ajudam Bolsonaro com ‘campanha paralela’; grupo responde. Correio Braziliense, 2022. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2022/09/5039954-pastores-e-empresarios-ajudam-bolsonaro-com-campanha-paralela.html>. Acesso em: 25 dez. 2022

⁹ RODRIGUES, Henrique. Governo Bolsonaro paga R$ 3,2 milhões à Record por novela bíblica. Revista Fórum, 2021. Disponível em: <https://revistaforum.com.br/news/2021/4/3/governo-bolsonaro-paga-r-32-milhes-record-por-novela-biblica-94572.html>. Acesso em: 25 dez. 2022

¹º MAIA, Gustavo e Adorno, Luis. Em última fala antes de votação, Bolsonaro faz aceno para ateus e gays. UOL, 2018. Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/politica/eleicoes/2018/noticias/2018/10/06/em-ultima-fala-antes-de-votacao-bolsonaro-faz-aceno-para-ateus-e-gays.htm>. Acesso em: 26 dez. 2022

¹¹ CAIXETA, Fernanda. Bolsonaro: “Cloroquina é como ateu quando avião vai cair e lembra de Deus”. Metrópoles, 2020. Disponível em: <https://www.metropoles.com/brasil/politica-brasil/bolsonaro-cloroquina-e-como-ateu-quando-aviao-vai-cair-e-lembra-de-deus>. Acesso em: 26 dez. 2022

¹² Ver O ateísmo na queda do avião: https://guilhermenatividade.medium.com/o-ate%C3%ADsmo-na-queda-do-avi%C3%A3o-95d3a40c933e

¹³ MULLER, Valéria. DISCURSO DE ÓDIO | Bolsonaro defende Estado cristão, que as minorias desapareçam e fuzil contra os sem-terra. Esquerda Diário, 2017. Disponível em: <https://www.esquerdadiario.com.br/Bolsonaro-defende-Estado-cristao-que-as-minorias-desaparecam-e-fuzil-contra-os-sem-terra>. Acesso em: 26 dez. 2022

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G. da Natividade Mac.

★ Estudante de Ciências Sociais na UFRGS, escritor, torcedor do Grêmio FBPA, social-democrata e ateu militante. • Porto Alegre/RS