DO CRENTE AO ATEU, NINGUÉM ENXERGA DEUS

G. da Natividade Mac.
18 min readNov 15, 2022

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Por Guilherme Natividade

Deus existe?

Para que possamos responder a essa pergunta, devemos, primeiramente, estabelecer uma definição de deus.

O que é deus?

Existem diversas definições de deus no mundo todo, bem como deuses específicos para cada religião ou doutrina espiritual, a depender da concepção monoteísta ou politeísta que analisarmos. De todo modo, podemos considerar a definição geral teísta de deus, a qual caracteriza um ser supostamente imutável, criador do universo e dos seres vivos que nele habitam e interventor na realidade natural, material e social do planeta, desconsiderando algumas posições do deísmo.

Partindo desse ponto, é possível afirmar que a hipótese divina se confirma ao ser submetida a testes lógicos?

De uma maneira bem simples e superficial, poderíamos concluir que não. Não há evidências ou mínimos indícios da existência de um deus criador e provedor do universo, nada que seja comprovado cientificamente, de forma empírica. Nesse sentido, é possível afirmar que a falta de evidências da existência é por si só evidência da inexistência, o que corrobora com as hipóteses ateístas, visto que o ônus da prova é e sempre será teísta.

Entretanto, apesar de uma maneira muito lógica de se concluir a inexistência de deus, o meio de se atestar algo pela falta de elementos que sustentem uma afirmação parece ser, além de uma premissa rasa, uma certa pobreza intelectual que nós, livres pensadores, devemos evitar a nos limitar e não tratar como uma finalidade argumentativa. Temos ciência de que o nosso dever enquanto ateus, isto é, indivíduos que negam e rejeitam tal crença e afirmação, não é provar que o mito divino dos teístas não é real — visto que não nos cabe o ônus da prova nesse quesito — , mas fundamentar a improbabilidade de deus de fato existir, embasando o ponto de vista ateísta sobre a realidade. Não se pode simplesmente provar que algo que não há indícios de que exista não seja verídico, até porque nenhum pesquisador iria promover um estudo com financiamento e empenho metodológico para comprovar que algo não existe sem que se tenha algum embasamento consistente que justifique e induza tal ação. Portanto, no caso da hipótese divina, podemos testá-la a partir de análises lógicas e racionais, em consonância com a realidade em que estamos inseridos, e fazendo uso das contradições e incoerências da própria fé, a fim de se chegar à conclusão mais óbvia para este caso.

De início, podemos avaliar os sentidos da crença e a relação de um deus supostamente “perfeito” com suas criaturas. Haveria de fato uma lógica por trás disso?

De imediato, é preciso enfatizar que nada nem ninguém no universo é perfeito ou imperfeito. A perfeição e a imperfeição, no sentido de totalidade e unanimidade, se relacionam com utopias e distopias do imaginário social, respectivamente. O ser perfeito é aquele sem defeitos, que não erra, não sente medo, tristeza, dor, rancor, cansaço, enfim, que não possui limitações e dificuldades, enquanto o ser imperfeito seria aquele nulo de qualidades e habilidades. Como é da natureza existencial humana os defeitos, os limites, as adversidades, as qualidades e as habilidades, a idealização utópica da perfeição, ou distópica da imperfeição, fica a cargo das lendas, do folclore, dos mitos, daqueles que não pertencem à realidade social e ao mundo real. Em resumo, o perfeito e o imperfeito não existem.

Segundo a lenda, deus estaria num patamar sobre-humano, sobrenatural, além e acima de nossa natureza carnal. Dessa forma, o mito divino seria capaz de atingir um grau máximo de perfeição. Porém, há uma incoerência entre a narrativa contada pelos religiosos sobre a composição de deus e as características de um ser perfeito que este deveria possuir. Se deus possui desejos, sente tristeza em relação aos humanos e por vezes desperta sua ira contra a humanidade (através de um dilúvio, por exemplo), então este mito seria um ser com defeitos, de moralidade duvidosa e bondade limitada, o que anularia a construção de sua imagem mistificada em perfeição e absolutismo. Nesse caso, percebe-se uma contradição entre a mitologia, o mito e a realidade.

Por outro lado, se deus de fato existisse, ninguém precisaria ter fé em sua existência, acreditar que ele é de fato real. Caso esse mito existisse factualmente, nós, que supostamente somos suas criaturas, teríamos contato direto com ele, que deveria ser um ser de fácil e livre acesso. Se deus fosse realmente verdadeiro, todos teriam conhecimento de sua existência, saberiam de sua presença com a mais absoluta certeza, sem mistérios ou dúvidas. Nesse contexto, não haveria razão de existir teístas e ateístas, pois não faria sentido crer ou não em um deus que todos teriam a ciência comprovada de sua existência. Se poderia gostar ou não deste ser, mas a gnose (conhecimento) sobre a realidade divina inibiria a necessidade de crença, de fé, que é o que move todas as condições e relações religiosas no mundo.

Um exemplo disso é o sol. Nos primórdios da humanidade, com a origem da fala no ser humano, os primeiros ancestrais atribuíam a um mito por eles inventado todos os fenômenos presentes na natureza. Como não se tinha nenhum conhecimento acerca da realidade natural e tudo era um mistério do universo, a crença em um deus criador e provedor se fazia necessária para dar uma explicação, mesmo que irracional, ao que se percebia no mundo e não se tinha como explicar de maneira lógica. Dessa forma, o sol e o dia eram representações de um deus bondoso, enquanto que a noite era a representação das trevas, do mal. As chuvas, os ventos, os raios e outros fenômenos da natureza eram concebidos como ações divinas fruto de sua ira contra o ser humano ou de recompensas, o que fez com que se estabelecesse o conceito de deus, suas formas e características, e, posteriormente, se constituíssem as mais variadas religiões que temos atualmente no planeta — estas divididas em vertentes de uma mesma origem irracionalista.

Porém, a partir dos avanços científicos e tecnológicos, hoje sabemos o que é o sol, como se forma a chuva e quais as causas das tempestades. A ciência, através da biologia, nos trouxe explicações racionais para compreendermos a realidade natural do universo e de todos os seres vivos, o que desfez a necessidade da explicação divina, por se tratar de algo primitivo, irracional e ultrapassado. Utilizar deus como a resposta para tudo não cabe mais no mundo avançado e desenvolvido em que vivemos atualmente, em pleno século XXI. A ideia de que a vida só poderia ser fruto de uma mente inteligente que, do nada, num passe de mágica, criou tudo é a representação do atraso, um retrocesso perante o quanto a humanidade já se desenvolveu e evoluiu.

Apesar de nem sempre explicar e comprovar tudo, a ciência se questiona, testa e busca novos caminhos na direção de se obter o conhecimento. O pensamento científico refuta a fé, que não se questiona, não testa, não almeja o conhecimento e apenas prega falácias e fantasias sem fundamento ou embasamento empírico para sustentar suas alegações. Foi assim que Darwin, em seu livro A Origem das Espécies por Meio da Seleção Natural, base da biologia evolutiva, refutou a teoria criacionista (pseudociência) através do evolucionismo. A religião, na verdade, apenas se utiliza de pressupostos e se aproveita de lacunas científicas, ou seja, daquilo que a ciência ainda não pôde desvendar, para alocar a hipótese divina e sustentá-la como a solução final e resposta definitiva para tudo. Contudo, podemos pensar que se deus, antes mesmo de ser fundamentado e comprovado, pode ser considerado uma resposta universal para a vida e a existência, outras hipóteses em um mesmo patamar folclórico, como fadas, duendes e gnomos, também poderiam ser estabelecidas como preenchimentos possíveis para o que não entendemos e não podemos explicar de forma racional.

Enfim, retomando o raciocínio da crença e da descrença, todos sabemos que o sol existe. Podemos ver o sol, sentir seus efeitos e sua presença, e há provas factuais de sua existência por meio da astronomia. Portanto, não precisamos acreditar que a estrela solar existe, nós sabemos de sua existência, detemos esse conhecimento como uma certeza absoluta, assim como o formato esférico da Terra. No caso de deus, porém, apenas acreditamos ou deixamos de acreditar (do ponto de vista ateísta, cremos na ausência ou duvidamos da existência), mas não sabemos de fato se esse ser existe, pois não há nada que corrobore efetivamente com essa afirmação além da fé e das pregações nos centros religiosos. E por mais que alguém diga, através de um “testemunho”, que sabe com certeza que deus existe e que possui provas disso, com possíveis experiências, trata-se de um delírio fanático fruto de alienação religiosa ou de uma evidência anedótica, a qual possa ser algo que convença suficientemente essa pessoa em particular de que seu tão adorado mito é real, mas que ela não pode apresentar ao coletivo, atestando sua afirmação, o que cativa única e exclusivamente a própria pessoa e não os demais.

Dito isso, podemos avaliar também a relação desse suposto deus com suas supostas criaturas. É possível partir de pressupostos básicos, como questionamentos aos teístas quanto aos seus relacionamentos com o tal deus e quais experiências eles teriam com esse mito, apesar de não terem como demonstrá-las publicamente ao ponto de convencer e comprovar o que alegam.

De início, questiona-se o contato dos fiéis com seu mito e vice-versa: alguém já viu, tocou ou sentiu deus?

Claro que muitos poderão alegar falsamente que, sim, já viram deus (evidência anedótica) — porém, por óbvio, não podem comprovar isso nem com uma simples fotografia. Por outro lado, outros irão apelar para os clássicos contra-argumentos incompetentes do “você vê o vento?” ou que a existência do universo e o fato de estarmos vivos é a prova de que deus é real, a fim de tentar destruir os consistentes e válidos questionamentos ateístas. Pois respondemos que sim, é possível ver o “vento” (oxigênio) em diversas formas e substâncias, inclusive líquidas, e a ciência comprova sua existência. Mas poderia um teísta encher um balão com seu deus? Já sobre o universo, a alegação parte de uma suposição sobre uma lacuna referente à origem do cosmo, mas nada comprova a existência divina. Para se afirmar que deus existe porque o universo existe e ele supostamente o criou, antes deve-se partir da fundamentação do que seria deus, de onde ele surgiu, quem o criou e onde ele está, além de posteriormente relacionar, com fatos, a sua relação com a origem do universo. Não se pode teorizar a hipótese divina como uma resposta concreta para a vida e a realidade sem antes embasá-la e comprová-la. O universo está aí para quem quiser ver, assim como nossas vidas, mas e deus onde está que não o vemos? O que evidencia, de forma empírica, que o universo, a natureza e os seres vivos foram criados por algo ou alguém e que esse alguém foi o deus do qual acreditam? Na biologia, na astronomia e na cosmologia não identificamos esse dado. E como acreditar em um ser supostamente tão grandioso que sequer é possível visualizar? Há uma complexidade enorme em torno desse debate teológico, mas essa suposição divina é incompatível com nossa realidade.

Perceba que nós seres humanos temos cinco sentidos (visão, olfato, audição, tato e paladar) — apesar de alguns espiritualistas alegarem que possuem um tal “sexto sentido” que parece mais coisa de filme de terror do que algo compatível com a realidade que conhecemos e estamos acostumados. A partir do uso máximo desses sentidos, não somos capazes de ver deus com nossos olhos, de ouvir deus com nossos ouvidos, de sentir o cheiro de deus com nossos narizes, de provar o gosto de deus com nossa boca ou de tocar deus com nossas mãos e outras partes do corpo. Quer dizer então que deus supostamente nos deu todos esses membros com vários sentidos apurados, mas não permite que, através deles, possamos ter um contato direto consigo? Sendo assim, como poderemos saber se deus existe de fato?

Como é a imagem de deus? Como é o cheiro de deus? Como é a voz de deus? Qual sabor tem deus? São questionamentos e dúvidas que, na falta de uma explicação lógica, racional e empírica, nos migram ao ateísmo libertador e transformador.

Os teístas podem alegar que deus está em todas as coisas, em todas as formas e em todos os sentidos. Os mesmos também afirmam que deus nada mais é que uma força superior, um bem-estar de nossa consciência e uma “paz de espírito”. Mas há muitas contradições e incoerências nessas afirmações frágeis. Primeiro que se deus é tudo e está presente em tudo, então podemos concluir que deus também se materializa nas doenças, nas dificuldades, na dor, e não somente nos bons momentos como a fé, de forma hipócrita e tendenciosa, supõe. Portanto, deus não representaria apenas bondade e fraternidade. Além disso, soa muito pouco concreto o argumento que relativiza e desmaterializa deus, tornando-o uma “força do universo” ou uma paz interior que sentimos em momentos bons da vida. O fato é que os crédulos denominam as suas próprias consciências e o seu bem-estar de vida como sendo deus, mas isso não atesta a realidade divina. Poderíamos chamar os sentimentos bons e os momentos de tranquilidade de fadas madrinhas e imputar a essas lendas a origem de tudo que o sentido seria igual ao da hipótese teísta.

Repare que apenas por meio de raciocínios e análises lógicas simples podemos concluir que deus de fato não existe e que a concepção de mundo ateia é muito mais fundamentada do que a das mitologias religiosas de modo geral. Não há no mundo um teísta, um teólogo que seja capaz de responder de maneira racional e fundamentada, sem devaneios, relativismos e malabarismos argumentativos, os questionamentos dos ateus, refutando nossa posição e comprovando empiricamente a existência de seu mito. Na verdade, todos sempre confessam que tudo se resume a uma pura e simples fé, uma necessidade de crer, fruto de doutrinação sócio-cultural religiosa, mas nada concreto e evidente. Nesse sentido, crer em deus e crer em fadas, duendes ou gnomos, como citei anteriormente, teria o mesmo efeito prático. Por isso o ateísmo, como forma de oposição a esse sistema teísta, não se constitui enquanto uma escolha, mas sim enquanto uma conclusão lógica e racional da realidade.

Contudo, para além da fé e dos questionamentos lógicos que a contrapõem, podemos atestar a improbabilidade de deus existir por meio de contradições e incoerências do misticismo criado sobre sua natureza e essência. Não que possamos provar empiricamente a inexistência divina, o que não nos cabe e não é objetivo nosso enquanto ateus, mas sim demonstrar, através de um raciocínio que confronte o teísmo, porque deus não poderia existir, expondo argumentos favoráveis ao ateísmo de forma mais consistente e fundamentada. Para isso, devemos partir de análises da ateologia — também chamada de teologia reversa ou contra-apologética — sobre a ontologia divina. O centro analítico parte do que seria deus e como ele deveria ser constituído para existir e ser caracterizado conforme a mitologia afirma que ele é.

De acordo com o que as religiões monoteístas — em especial as mais hegemônicas, como o cristianismo, o islamismo e o judaísmo — pregam e instituem, o deus supostamente único e verdadeiro conforme o ponto de vista etnocêntrico de cada mitologia é um ser omni, isto é, um ser onisciente, onipotente, onipresente e onibenevolente ao mesmo tempo. Ou seja, deus seria um ser de máxima grandeza, a única forma possível para um criador de fenômenos tão complexos e grandiosos como o universo, a natureza e os seres vivos. Este ser, portanto, seria todo-poderoso, estaria presente em todos os lugares ao mesmo tempo, saberia de tudo o que ocorre antes mesmo de ocorrer e deteria uma bondade extrema superior a qualquer outro ser, além de se constituir como justo, perfeito e de poder supremo acima dos demais mitos.

Entretanto, apesar da tentativa por parte de alguns de relativizar e minimizar a definição de um ser omni, as contradições e incoerências se tornam explicitamente notáveis. Para além da ideia de perfeição já contraposta anteriormente, não há a possibilidade de ser onipotente porém não tanto poderoso, ou ser onibenevolente mas com respeito ao livre arbítrio. Da mesma forma, não seria possível ser todo-poderoso, justo e extremamente bondoso ao mesmo tempo, pois há contradições que se confrontariam de maneira constante. Esses malabarismo argumentativos que os teístas criam ao fundamentar a existência de seu deus apenas minimizam a sua grandiosidade, contrariam seu próprio misticismo e corroboram com sua inutilidade ou inexistência, pois um deus como é idealizado e idolatrado só poderia existir sendo um ser de grandeza unânime e absoluta.

Deus não poderia ter desejos ou se limitar às ações humanas, suas supostas criaturas, se colocando em posição de dependência da humanidade. O mito deveria existir em torno de si próprio, independente das vontades e dos atos carnais e dos eventos da natureza. Se um deus espera algo do ser humano, seja uma adoração, uma comprovação ou um clamor, então ele não seria um ser omni capaz de tudo e autossuficiente, consequentemente não sendo um ser de máxima grandeza e, portanto, improvável de existir. Um mito da forma como a fé o caracteriza e o constitui não poderia ficar à mercê de uma oração para atender a uma necessidade de um fiel, visto que ele é um ser onisciente, que tem ciência de todas as coisas, e onipresente, que está em todos os lugares em todos os momentos, “no meio de nós”. Se esse ser possui tal necessidade, então ele não seria onisciente e talvez nem onipresente; ou então não seria tão justo e bondoso como dizem. Nesse sentido, deus não seria um ser omni, não havendo a sua máxima grandeza, e, consequentemente, não tendo razão dele existir fora do mundo das ideias.

Todavia, entre as tantas contradições e incoerências envolvendo a ontologia de deus, a maior está na existência do mal, uma problemática ainda não solucionada e que assombra a tentativa teísta de fundamentar a crença no mito divino. Esse argumento, que pode ser tratado como um “xeque-mate” ateu e um “game over” para a teologia, é uma das bases das teorias contra-apologéticas em confronto ao teísmo. De maneira geral, analisando o que podemos considerar como sendo o mal, é possível relativizar a caracterização do maléfico, porém há aspectos gerais, de origens seculares, que exemplificam e apontam sua presença na realidade natural e social.

Primeiramente, questiona-se: o mal existe?

Bom, há fome, há catástrofes naturais, há doenças, há vírus, há crimes, há violência, há vários exemplos e formas de se perceber e caracterizar o mal no mundo em que vivemos. Portanto a resposta é sim, o mal existe. Partindo então dessa premissa, surge outro questionamento: por que e como o mal existe em um mundo criado por um deus supostamente onipotente, onibenevolente e justo? Uns podem alegar que são resultados das ações humanas, consequências do livre arbítrio “concedido” por esse mito, ou mesmo obra do demônio, o inimigo divino. Mas levando em consideração esses aspectos, deus poderia intervir em tudo isso e acabar com o mal? Se este ser não é capaz de inibir ações humanas maléficas, como evitar um estupro dentro da igreja ou um assassinato de uma criança, em respeito ao livre arbítrio do indivíduo que comete o mal, então deus não é onibenevolente e justo, não sendo então um ser omni, de máxima grandeza. Por outro lado, se deus não pode acabar com o mal, intervir no mundo e nas criaturas que ele próprio criou e derrotar o diabo — o qual, portanto, teria poder superior ao divino e capacidade de influenciar no universo pensado por esse mito e em suas criaturas “protegidas” por suas forças divinas — , então ele não é um ser onipotente, consequentemente não sendo um ser omni, de máxima grandeza.

Em paralelo a tudo isso, questiona-se: deus, enquanto um ser onisciente e onipresente, sabe que o mal irá ocorrer e presencia o mal ocorrendo? Se a resposta for sim e mesmo assim ele não impede que o mal ocorra, apesar de possuir poder suficiente para tal, então conclui-se que ele não é um ser extremamente justo e bondoso. Se a resposta for não, então ele não é um ser onisciente e onipresente, conforme prega a crença. Em resumo, tudo nos leva a conclusão de que deus não é um ser omni, portanto não seria um ser de máxima grandeza capaz de criar o universo, a natureza, os astros, os seres vivos e tudo o que observamos em nossa realidade. Dessa forma, não haveria justificativa e possibilidade desse deus existir, o que atesta, por uma obviedade, sua inexistência. Do mesmo modo, não haveria razão de adorar inquestionavelmente um mito sem poder de influência e intervenção em seu próprio mundo ou caracteristicamente mal, sádico e com aspectos de um ditador totalitário.

Em resumo, e de forma bem mais didática, o que exponho aqui é o dilema lógico que o filósofo grego Epicuro apontou em seu paradoxo sobre o problema do mal, relacionando-o com a suposta existência de deus e sua essência mística. Nesse impasse, há três alternativas que se contrapõem em um ciclo que confronta, de modo constante, o misticismo imposto sobre o teísmo:

  1. Deus é onisciente, onipresente e onipotente: o mito divino sabe que o mal existe, presencia o mal ocorrer e possui poder suficiente para evitar o mal e com ele acabar. Porém o mal segue existindo e deus não o elimina. Logo, deus não é onibenevolente e justo.
  2. Deus é onibenevolente e onipotente: o mito divino possui poder para eliminar o mal e, por sua bondade extrema, o extinguiria do mundo que ele próprio criou. Porém o mal persiste pois deus não tem ciência deste mal e não presencia onde, como e quando ele ocorre. Logo, deus não é onisciente e onipresente.
  3. Deus é onisciente, onipresente e onibenevolente: o mito divino tem ciência da existência do mal, presencia o mal ocorrer e, por sua bondade extrema, tem o desejo de eliminar esse mal. Porém deus não tem capacidade de acabar com o mal, que permanece existindo. Logo, deus não é onipotente.

Conclusão: em todos os cenários, deus não seria um ser omni, isto é, de máxima grandeza. E para existir da forma como alegam que ele se caracteriza, com potencial grandioso capaz de criar um universo, a natureza e os seres vivos, esse mito necessariamente precisaria ser um ser de grandeza unânime a absoluta, sem limites e restrições, o que também justificaria sua adoração. Não sendo um ser absoluto, não haveria possibilidade e coerência em deus existir. Somando esse dado à falta de evidências e indícios de sua existência, mais os raciocínios lógicos sobre uma realidade em que o tal mito não é percebido e alcançado pelos sentidos humanos, conclui-se que deus não é real.

A proposta deste artigo é abordar esses questionamentos e raciocínios lógicos quanto à ontologia divina que nós, livres pensadores ateístas, fazemos e que exatamente por isso nos emancipamos da fé, por intermédio do uso da razão. A religião, além de não dar respostas e impedir perguntas, inibe o senso crítico no indivíduo para que ela não seja questionada racionalmente e contraposta empiricamente. Quando confrontamos esse sistema vicioso que só prega mas que nada prova ou apresenta embasamentos para suas alegações, tendemos a nos libertar da prisão mental instituída pela fé por meio de doutrinação sócio-cultural. Dessa forma, evoluímos social e psicologicamente, rompendo com a bolha mitológica que enclausura os pensamentos e os limita a essas fantasias irracionais sem lógica.

Não faz sentido existir um ser da forma como é caracterizado pelo teísmo e, ainda assim, haver tanta maldade e tantas injustiças num mundo tão desigual e imperfeito. Se existisse de fato esse deus tão grandioso e perfeito, o mundo que supostamente ele mesmo criou seria um lugar bom de se viver, justo e perfeito, sem desigualdade, tragédias e demais infortúnios. As contradições e incoerências posicionadas entre a crença e a realidade mostram que não há razão desse deus existir e que há uma improbabilidade enorme do tal mito supremo ser real. E com isso, detendo o racionalismo, a ideologia ateísta e essa concepção de mundo cética impera acima das demais posições místicas e espirituais que não absorvem o empirismo e a racionalidade.

Contudo, ressalto que nós, ateus, não odiamos um ser que não acreditamos na existência e que é logicamente improvável de existir. Particularmente, avaliando um cenário bem hipotético em que os teístas estariam certos e que fosse comprovada empiricamente e apresentada aos nossos olhos a existência divina, a) eu seria indiferente em relação a um deus que em nada contribui para mudar a realidade como ela é atualmente e o ignoraria, ou b) eu detestaria um deus que, percebendo e presenciando o mal em seu mundo, não teria poder suficiente para modificar a realidade ou nada faria por não se tratar de um ser de fato bondoso, justo e generoso. Na verdade, nós ateístas não devemos nos preocupar com uma possível existência divina, mas evitar perder tempo com argumentações óbvias sobre um assunto que não mudaria em nada a realidade em que vivemos. Os teístas que devem provar suas afirmações a partir do ônus da prova que lhes é de responsabilidade, caso contrário, é inútil sustentar um velho e cansativo debate que no fundo se resume a uma pura e simples vontade e/ou necessidade de crer, em torno de um ciclo vicioso que em nada nos acrescenta. Devemos sim direcionar nossos esforços a um ativismo ateísta que agregue valor e revolucione o sistema, enfrentando a ordem sócio-cultural religiosa, defendendo um Estado verdadeiramente laico e lutando por inclusão, visibilidade e representatividade ateia na sociedade, bem como combatendo a ateofobia e reforçando a reivindicação por respeito e reconhecimento à nossa existência factual enquanto cidadãos. A crença na existência de um deus em si é o que menos deve nos importar.

Como a realidade não é o mundo paralelo de fantasias e contos de fadas que os religiosos alienados vivem, o fato é que deus é mero fruto da imaginação humana. Não foi um suposto deus que criou o ser humano, mas o próprio ser humano que criou o mito em sua cabeça, desde os primórdios da humanidade, lá na origem da fala, a fim de dar uma explicação irracional ao que até então era inexplicável. A mente humana, em seu estágio primitivo de total irracionalidade, produziu um deus surreal, impossível de existir da forma como foi constituído no universo em que vivemos. No mundo real, não há deuses aqui ou acolá, mas apenas nós, seres humanos, os únicos capazes de intervir na realidade e modificá-la, para melhor ou pior, e essa exposição reforça e consolida os argumentos pró-ateísmo e nossa concepção de mundo humanista, materialista, secular e racionalista.

Viva a vida e seja livre. Ame, evolua, cresça, reproduza, se divirta, aproveite a sua própria existência como se no mundo não houvesse um deus (que de fato não há). Siga a razão e não se prenda e se limite aos preceitos da fé, pois se há uma semelhança entre o crente e o ateu é que nenhum de nós enxerga esse tal deus. E a partir de tudo o que vemos e percebemos no mundo físico, natural e material, conclui-se uma obviedade da realidade:

Deus não existe!

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G. da Natividade Mac.

★ Estudante de Ciências Sociais na UFRGS, escritor, torcedor do Grêmio FBPA, social-democrata e ateu militante. • Porto Alegre/RS