GRANDE ESTADO ATEÍSTA
Por Guilherme Natividade
De acordo com Newton Duarte (2015), a concepção de mundo, ou visão de mundo, “é constituída por conhecimentos e posicionamentos valorativos acerca da vida, da sociedade, da natureza, das pessoas (incluindo-se a autoimagem) e das relações entre todos esses aspectos” (p. 12). Na vida social, portanto, existem diversas concepções de mundo que, por vezes, se relacionam umas com as outras, formando a identidade do sujeito que se constitui através de suas percepções subjetivas sobre a realidade social e natural.
Dentre as mais diversas concepções de mundo, podemos elencar as perspectivas materialistas, espiritualistas, progressistas, conservadoras, revolucionárias, reacionárias, seculares e religiosas — esta última que, segundo Duarte (2015, p. 12), é pautada “no princípio da transcendência, isto é, na crença da existência de uma realidade não terrena (o além), [onde] incluem-se também as ideias sobre essa outra realidade”. Sendo simultaneamente individual e coletiva, uma concepção de mundo “possui características singulares que correspondem às singularidades da vida de cada indivíduo, sem nunca deixar de ser constituída coletivamente tanto em seus conteúdos como em suas formas” (DUARTE, 2015, p. 12).
Contudo, entre suas diferentes singularidades, pode-se afirmar que há uma concepção de mundo correntemente aceita e absorvida pela maioria absoluta dos indivíduos nas mais distintas sociedades, tanto no Oriente quanto no Ocidente. Por mais que as visões de mundo religiosas sejam habituais em toda a humanidade, perpassando por sequentes povos e gerações, estas variam de acordo com a identidade cultural da região onde os sujeitos estão inseridos e onde se relacionam mutuamente. Porém, a concepção de mundo teísta, isto é, a qual se fundamenta sobre a crença na existência de uma única divindade criadora, interventora e protetora do universo e dos seres vivos que nele habitam, a partir de valores religiosos/confessionais, é certamente a ideia mais usual e comum entre a espécie humana, abarcando um significativo conglomerado de tribos e civilizações desde os tempos pré-históricos.
Por conta dessa visão regularmente constituída pelos indivíduos, podemos assegurar tratar-se de uma concepção de mundo hegemônica. Ou seja, tendo poder de influência sócio-cultural, estruturando um sistema simbólico e consolidado de doutrinação e dominação, e detendo capital político e econômico por meio de suas esferas institucionais representativas, a concepção teísta da realidade social e natural está, sem dúvidas, posicionada em uma condição de hegemonia e monopólio frente a quaisquer outras visões de mundo que, conjuntamente com esta, podem se constituir, de maneira particularmente identitária, entre demais conhecimentos e posicionamentos valorativos sobre a existência e suas origens.
Entretanto, assim como os antagonismos ideológicos presentes nas dicotomias material-espiritual, progressismo-conservadorismo e secular-religioso, a concepção de mundo teísta também enfrenta uma oposição direta a partir de uma perspectiva distinta que rivaliza com sua ordem hegemônica estabelecida. A concepção de mundo ateísta, isto é, a qual se fundamenta sobre a descrença na existência — ou a crença na inexistência — de divindades, de modo geral, a partir de valores humanistas-seculares, é de fato a ideia que, além de melhor explicar a realidade social e natural, oferece um contraponto racional ao domínio macroestrutural do teísmo.
Essa filosofia de vida, também denominada de existencialismo ateísta — teoria cunhada pelo filósofo francês Jean-Paul Sartre, em oposição ao existencialismo hegemônico cristão — , estabelece que o ser humano é o único responsável por suas próprias ações e que deus é fruto de uma criação da mente humana, não havendo, na realidade natural, um agente místico que cria o homem e ordena-lhe a vida segundo um fim prévio. Conforme o pensamento de Sartre, só há um ser no qual a existência precede a essência: o homem; e a partir dele tudo proverá.
Porém, valendo-se de sua posição alternativa e antagônica, é natural que a visão de mundo existencialista ateia, a qual não possui poder de influência sócio-cultural e não detém capital político e econômico, esteja relegada ao ostracismo do livre-pensamento e da filosofia racionalista tão repudiada pelo monopólio da fé. Portanto, em contraposição à concepção de mundo hegemônica teísta que constitui uma visão irracional sobre a realidade a partir da teorização infundada de um deus invisível e imaginário — sem qualquer embasamento empírico que comprove sua origem e existência no universo físico —, digamos que a perspectiva de mundo ateísta, “sem deus”, é definitivamente uma forma de concepção contra-hegemônica e, por assim dizer, emancipatória.
Enquanto livres pensadores ateístas, sabemos que o sistema religioso é nefasto e que a religião é, sem exageros, o mal da humanidade. Talvez seja exagerado e demasiadamente prepotente dizer que o mundo seria melhor se não existissem religiões, mas podemos afirmar que ele é muito pior por culpa direta delas. Óbvio que, sem a criação religiosa, o planeta não seria perfeito, como nada nem ninguém é — visto demais questões de natureza política, econômica e ideológica que interferem no bem-estar social — , mas certamente seria mais de 50% melhor do que a atual realidade.
Embora a fé religiosa venha perdendo forças nas últimas décadas, com cada vez mais pessoas se declarando “sem religião” e com o poder de influência dos líderes religiosos minimizando seus alcances — isso graças aos avanços científicos e tecnológicos que proporcionaram o acesso ao conhecimento, a formação intelectual, o senso crítico e os questionamentos lógicos e racionais às mitologias retrógradas — , ainda é cedo para afirmar que a estrutura religiosa sócio-cultural esteja próxima ao fim. Cremos — e esperamos — que um dia o declínio religioso, possibilitado pelo desenvolvimento social e educacional da nação, se efetivará em um futuro ainda distante, mas possível; onde a laicidade e os princípios-bases do humanismo e do secularismo triunfarão sobre os espectros de uma trajetória sombria da humanidade. E até lá, torceremos e lutaremos pela construção de um mundo mais justo, livre, laico, solidário, inclusivo e igualitário, sem genocídios, terrorismos, guerras santas e atentados a céu aberto, vislumbrando, na utopia, como seria um universo em que a fé religiosa jamais tivesse sido criada pelo homem — sendo esta uma de suas piores e mais nocivas invenções, conjuntamente com a inutilidade divina.
Temos ciência do quão fantasioso e ilusório é, na presente realidade, idealizar um mundo sem religião e integralmente secular. Mais irracional ainda é nos deixarmos cair na utopia plena ao sonharmos com a transformação de um planeta que não é sequer factualmente laico num universo propriamente ateísta. Não se pode perder o foco da luta emancipatória secularista com fantasias desconexas de uma realidade social onde o ateísmo, jamais consolidado e ainda posicionado na condição de contra-hegemonia subversiva, apresenta um índice populacional pífio de crescimento, em comparação com as concepções teístas e religiosas.
Quando, na década de 1920, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) idealizou a constituição de uma nação irreligiosa, onde a concepção de mundo ateísta, pela primeira e única vez na história da humanidade, triunfaria sobre a hegemonia teísta, todo o grande plano visionário comunista se limitou a meras experiências provisórias no período de menos de vinte anos. Por mais que o Estado ateu soviético tenha rompido com o domínio e a influência da Igreja Ortodoxa na Rússia, possibilitando um ensino disseminado do ateísmo nas escolas, sua propagação pública através da Liga dos Ateus Militantes (ou Sociedade dos Ateus) e, principalmente, um significativo desenvolvimento industrial, científico e tecnológico na Europa Oriental — o que contribuiu diretamente com as excursões espaciais socialistas durante a Guerra Fria — , seus esforços pela construção de uma sociedade ateia não foram efetivos e pragmáticos, visto que a população do leste europeu, de modo geral, não abdicou de suas crenças e convicções religiosas; enquanto os ortodoxos, por sua vez — já durante a Segunda Guerra Mundial, ainda sob governo de Stalin — , logo voltaram aos postos de influência e dominação em meio aos conflitos bélicos com a Alemanha Nazista — esta respaldada pelo cristianismo cultural desde seus primordios.
Apesar da nobre e reconhecida iniciativa por parte do ateísmo de Estado na URSS — uma das raras ações de valor a se resguardar, com saudosismo, da sanguinária ditadura stalinista —, a fase experimental ateia também foi muito controversa ao ativismo ateísta mundial. As experiências irreligiosas do Bloco do Leste, como na Albânia socialista, ao utilizarem o poder e a força do Estado totalitário para impor o ateísmo e extinguir a religiosidade “na marra”, proibindo práticas religiosas garantidas pela laicidade por meio de uma política irreligiosa restritiva, difundindo a concepção de mundo ateia amplamente e fechando e destruindo centros religiosos, como igrejas — além de perseguir e criminalizar seus adeptos e lideranças — , contribuiu mais para a formulação de narrativas ocidentais anti-ateístas, as quais alegam que governos autocráticos de comunistas ateus, como Stalin, mataram e cometeram atrocidades em nome (também) do ateísmo; algo que não é minimamente verídico. Houveram, sim, erros, assassinatos, ataques às liberdades democráticas, torturas e censuras em prol de uma ideia de manutenção do poder, de um caráter exclusivamente autoritário dos líderes tiranos e de concepções político-ideológicas que em nada se assemelham sequer com a real filosofia marxista e materialista histórico-dialética, quem dirá com o ateísmo humanista e sua visão de mundo independente e libertária. O existencialismo ateísta, propriamente, jamais pregou qualquer mandamento de culto à morte ou à personalidade em “escrituras sagradas”, assim como nunca teve relação direta com a imposição de regimes opressores igual a religião teve e ainda tem, historicamente, praticando crueldades em nome de um deus, da fé e em prol da manutenção de seu poder hegemônico.
É importante reconhecer as falhas e aprender com elas para que possamos definir os objetivos comuns e planejar os caminhos centrais de uma militância ateísta e secularista que não se deixe cair na utopia do fim da fé, nem se espelhe nas tentativas frustradas do passado de impor o ateísmo por meio da força, da repressão e do poderio estatal. A concepção de mundo ateísta nunca foi aceita e absorvida por meios impositivos, nem a perspectiva teísta perdeu sua hegemonia por meios proibitivos. Se nossa luta coletiva se define pela defesa do Estado laico factual e da visibilidade e representatividade ateia, bem como pelo combate à ateofobia e ao sistema religioso doutrinador e dominante, nossos princípios devem se pautar pela liberdade, igualdade e fraternidade, com base no racionalismo herdado do pensamento iluminista, e nossos valores éticos e morais devem se sustentar por intermédio do humanismo-secular que abarca as correntes e vertentes ideológicas introjetadas no movimento de livre-pensamento.
A questão central que fica, portanto, é: como construir uma nova sociedade e um novo homem por meio do livre-pensamento?
Se o uso soviético da força estatal não obteve resultados práticos, o mecanismo ideal é focar na perspectiva secularista não como uma finalidade factual, mas como um meio para se construir algo maior e mais efetivo, abrindo caminhos para a institucionalização de uma agenda progressista que, a nível global, transforme e subverta os valores éticos e morais da humanidade como um todo uniforme.
Em termos nacionalistas e republicanos, necessitamos de dispositivos legais e jurídicos que efetivem a laicidade no âmbito institucional e que, acima de tudo, promovam uma alteração cultural no âmbito social. A implementação do fundamental Projeto Nacional de Secularização que alcance todos os limites territoriais do país irá — além de regulamentar os princípios-bases da laicidade contidos na Constituição Federal, efetivando-os na prática institucional — fazer com que o Estado, na condição de factualmente laico, possibilite a proliferação de uma cultura secular entre a sociedade, visando a superação do pensamento e da concepção de mundo teísta/religiosa por uma nova ordem que revolucione o atual sistema de caráter confessional.
Com a separação total e radical entre Igreja e Estado, a secularização dos órgãos públicos, a garantia da liberdade de crença, descrença e culto e o afastamento integral das instituições religiosas da vida pública, concentrando-as em campos específicos de foro exclusivamente privado, a laicidade constitucional será definitivamente garantida e efetivada. Em consonância com os reais intuitos do PNS, conforme prévio planejamento centralizador do poder estatal, o embate cultural a ser feito entre a sociedade contra o fundamentalismo, o cristianismo e as demais mitologias religiosas abrirá espaços para que a concepção de mundo ateísta penetre gradualmente nas instâncias individuais, sem a necessidade da imposição da força ou de normas de autoridade aos moldes soviéticos.
Não obstante, sem a interferência e influência de instituições e lideranças religiosas no Poder Público, ao expropriar seu capital político e econômico, o sistema sócio-cultural da fé tenderia a se definhar paulatinamente, em processo expansional. Neste momento, aproveita-se as oportunas brechas institucionais para avançarmos com a agenda política progressista e as demandas sociais que de fato contribuam com o bem-estar do povo em suas identidades e representatividades, prezando pela diversidade social e pela democracia participativa.
Afastando radicalmente a religião da esfera pública e limitando-a ao âmbito da vida particular absolutamente restritiva, propiciaríamos uma série de proposições de caráter social que caracterizariam o formato laicista atribuído ao Estado através do plano nacional a ser adotado. Na prática efetiva, portanto, perceberemos os efeitos e as consequências da consolidação da laicidade em medidas de cidadania e participação popular que agreguem a pluralidade consistente na sociedade civil brasileira. Dentre estas medidas, destacam-se:
- A garantia e proteção de liberdades individuais, coletivas, sexuais e reprodutivas às mulheres, fornecendo e consolidando direitos igualitários trabalhistas, contraceptivos, ao divórcio e ao aborto legal, seguro e gratuito;
- A garantia e proteção dos direitos da comunidade LGBTQIA+, como o casamento civil, a união estável, a doação de sangue e órgãos e a adoção de menores de idade por casais homoafetivos;
- A garantia e proteção de uma cultura e educação pública, laica, inclusiva e emancipadora que fomente o senso crítico e o livre-pensamento, promovendo o ensino historiográfico do ateísmo, a abordagem aprofundada da teoria evolucionista e a inclusão do debate sobre gênero e sexualidade no currículo das escolas, combatendo o negacionismo histórico-científico, o preconceito e a discriminação social;
- A equiparação da ateofobia aos crimes de intolerância religiosa, racismo e LGBTfobia, assemelhando as penas e medidas de combate;
- A conscientização sobre questões de abuso e assédio sexual, bem como violência de gênero e segregação racial, no debate público;
- A legalização da cannabis para uso medicinal e recreativo, bem como da eutanásia — mediante solicitação expressa da pessoa em estado terminal — , garantindo respeito ao princípio da liberdade individual;
- O incentivo ao uso de células-tronco embrionárias em pesquisas científicas;
- A democratização dos meios de comunicação e das mídias sociais, regulamentando suas ações para fins de manutenção da ordem laicista e do controle da propagação do fundamentalismo religioso e do conservadorismo social;
- E a criação de um partido humanista-secular dos trabalhadores brasileiros — de caráter progressista e socialista democrático, abarcando princípios do liberalismo clássico — , o qual lideraria o movimento de livre-pensamento nacional e definiria suas diretrizes político-ideológicas, bem como de uma nova associação de viés exclusivamente ateísta e antirreligiosa.
Com tantos avanços sociais, culturais, educacionais, medicinais, científicos e tecnológicos, fazendo com que a religião deixe de ter um valor histórico e cultural para o país e para a formação da sociedade, aproximaríamos a nação de países desenvolvidos, ricos e pacíficos — os quais, sendo verdadeiramente laicos, possuem os maiores IDHs do planeta e os maiores percentuais populacionais de ateus e pessoas sem religião — , bem como, em contrapartida, nos afastaríamos de países subdesenvolvidos, pobres e violentos — os quais, sendo, em geral, teocracias ou Estados confessionais ou com forte influência religiosa, como o Brasil atual, possuem os maiores percentuais populacionais de teístas e religiosos do planeta. Teríamos, portanto, medidas e leis progressistas e liberais, no âmbito social, as quais nos deixariam mais próximos de exemplos prósperos, como a Suécia, terra ateia, e mais distantes de modelos conceituais retrógrados, como a Arábia Saudita, terra teísta.
Tratar-se-ia de uma via de mão dupla, que fornece e recebe. O progresso e o desenvolvimento de uma nação que investiria em educação e saúde públicas de qualidade para seu povo afastaria cada vez mais a população da religião, acelerando, assim, o fenômeno irreligioso que temos presenciado nas últimas décadas ao redor do mundo. A nova formação intelectual e o contato direto com um ensino científico, emancipador e secular, proporcionado pelo completo afastamento religioso da vida pública, seria primordial para que as futuras gerações fossem voluntariamente se distanciando da religião ao questionar suas alegações, rejeitando a moral e a ética religiosa e tendendo a cada vez mais se aproximarem da concepção de mundo ateísta; atingindo, desse modo, o estágio superior da evolução social provida pelo livre pensar de viés existencialista ateu.
Por outro lado, com uma cultura secular enraizada entre a sociedade civil, gerando o afastamento da religiosidade e a proximidade com os valores humanistas-seculares e racionalistas, o Estado-nação, de maneira ampla e abrangente, tenderia a se desenvolver cada vez mais, possibilitando ainda mais avanços, investimentos públicos e, enfim, a factual prosperidade social e humanitária. As comunidades viveriam em plena tranquilidade com a garantia de direitos, acessos e oportunidades perante um Estado provedor e acolhedor que investiria na formação intelectual do cidadão. Sem conflitos com ideais de cunho religioso ou a ameaça da utilização de livros supostamente “sagrados” como base e fundamento para a criação e o cumprimento da lei e da ordem, uma perspectiva de futuro renovada em princípios humanistas e secularistas possibilitaria uma real transformação e concretizaria as condições e os esforços necessários por uma almejada revolução. O sistema de doutrinação sócio-cultural seria definitivamente exterminado e o ateísmo, portanto, proveria a prosperidade a todos.
Seria esse um exemplo para o mundo a ser seguido, adaptado e/ou internacionalizado? A humanidade finalmente perceberia os males da religião e, por conta própria, a eliminaria de suas raízes culturais e ideológicas, construindo uma sociedade secular e, posteriormente, ateia? O novo homem humanista poderia constituir uma nação ateísta natural e liberta, fundada pelo existencialismo ateu, sem a necessidade da imposição da força do Estado, igual fizeram os soviéticos?
E se todos os países do mundo fossem ateus? Imagine, a religião se definhando, os valores humanistas-seculares ganhando espaço, o livre-pensamento ampliando horizontes, a humanidade evoluindo socialmente e a paz prosperando; sem guerras santas e doutrinação sócio-cultural. Seria, talvez, a instauração do regime globalista de união pela descrença, até que o próprio conceito de ateísmo deixe de fazer sentido e desapareça da identidade do corpo coletivo, não havendo mais necessidade de existir?
O ateu, ex-Beatle e cantor inglês John Lennon, em sua canção Imagine, idealizou esse mundo de ordem, progresso e paz. “Imagine que não há países. Não é difícil de fazer. Nada para matar ou morrer. E nenhuma religião também”, propõe um trecho traduzido da célebre música lançada em 1971. Pode ser sonho, fantasia ou utopia, confesso; e não podemos, de jeito maneira, nos deixar seduzir pelas idealizações fantásticas, mas nos centrarmos na realidade material e objetiva, como bons materialistas que devemos ser, por coerência ideológica com nossa trajetória.
O mundo, em pleno século XXI, relativamente é laico, quem dirá ateu. Nosso foco central, enquanto militantes da causa ateísta, deve ser a efetividade da verdadeira laicidade constitucional, por meio de valores humanistas-seculares. O resto é consequência, fruto das conjunturas e dos aspectos particulares dados no processo de secularização. Os devaneios utópicos — caso mantidos, porém não alimentados — ficam na retaguarda, incluídos no cerne do movimento, esperando a que os desdobramentos da luta secularista e laicista — fundamentada como uma finalidade objetiva e um meio a se oportunizar — possam abrir brechas oportunas e favoráveis à construção de novos intuitos visionários e mesmo revolucionários.
A concepção de mundo contra-hegemônica ateísta deve encontrar seu espaço entre a sociedade a ser culturalmente secularizada, a partir de um projeto que consiste em duas finalidades: uma de jure, outra de facto. E talvez essa seja uma oportunidade para nossa filosofia de vida se colocar como uma alternativa válida e reconhecida frente a todas as outras. Ou então podemos assumir de vez o controle, absorver a hegemonia e fundar o Grande Estado Ateísta.
BIBLIOGRAFIA
DUARTE, Newton. A importância da concepção de mundo para a educação escolar: porque a pedagogia histórico-crítica não endossa o silêncio de Wittgenstein. Germinal: Marxismo e Educação em Debate, Salvador, v. 7, n. 1, p. 8–25, jun. 2015.
Conheça o Projeto Nacional de Secularização (PNS):
NATIVIDADE, Guilherme. Projeto Nacional de Secularização. Medium, 2023.