INFELIZ PRIMEIRO DE JUNHO (2016–2023)
Por Guilherme Natividade
“Embora meu objetivo seja compreender o amor, e embora sofra por causa das pessoas a quem entreguei meu coração, vejo que aqueles que me tocaram a alma não conseguiram despertar meu corpo, e aqueles que tocaram meu corpo não conseguiram atingir minha alma”.
(Paulo Coelho, 2003)
Lembro que a palavra “comemorar”, apesar de um sinônimo, nem sempre significa celebrar, festejar o acontecimento de algo prazeroso e benéfico. A etimologia do verbo deriva do latim commemorare, que, na língua portuguesa, remete ao sentido de “coomemorar”, isto é, rememorar, trazer à memória, recordar algo coletivamente, em conjunto. E é nesta data, 1º de junho de 2023, a qual completa-se 7 anos de um dos dias mais traumáticos de minha triste vida, que venho relembrar publicamente um caso que, infelizmente, jamais esquecerei.
Jamais esquecerei do estopim que decorreu de uma dinâmica de adivinhações ridícula, a qual se originou de uma suspeita revelação de um sujeito um tanto amigável, despertando minha atenção aos cabelos lisos e sedosos, às charmosas botas de cano longo e ao casaco tão preto quanto o crepúsculo do anoitecer. Jamais esquecerei da primeira desconfiança, do descrédito inicial às mínimas possibilidades de veracidade. Do mesmo modo, jamais esquecerei das incipientes reflexões nas parcialmente gélidas e solitárias manhãs de março, bem como das constantes relutâncias contra uma crença infundada que me perseguia, gerando preocupações frívolas.
Entretanto, o pior nunca esteve no começo, mas no intermédio dos desdobramentos posteriores que resultaram em uma infinita impossibilidade de se ter um fim.
O que nunca irei esquecer deriva de uma beleza excepcional, de um jeito meigo e gracioso, de um estilo autêntico, atraente, cativante e, ao mesmo tempo, convencional, de uma timidez delicada e comedida o suficiente para não deixar-se invisibilizar por completo — como no meu caso — , de um tom de voz aveludado, de magníficos olhos esverdeados e, principalmente, de um sorriso tão esplêndido que, em comparação com todos que até então já tive o prazer de admirar, nenhum detém impacto razoavelmente capaz de alcançá-lo ou, muito menos, superá-lo.
Foi assim, através da lindeza, do charme, da delicadeza, do riso elegante e de demais qualidades tão perceptíveis e evidentes que, ao refletir quanto às probabilidades, constatei a imensa impossibilidade da ideia incompatível, tal como o abismo desproporcional que havia entre nós. A revelação que me fora apresentada naquele início de outono se assemelhava às costumeiras brincadeiras de mau gosto que tinham o intuito de me enganar, de me iludir, de me fazer crer no impossível, no surreal, no inédito e incompreensível sonho.
Até que incertos sinais também se revelaram.
Instigado por maus conselhos e pela incômoda curiosidade que me afligia, cedi a olhares que, por muito pouco, quase se encontraram com os dela, em rápidos desvios. Naquele instante, apostei e insisti na ocasionalidade e na coincidência, relutando cada vez mais contra o que vinha percebendo aos olhos e captando aos ouvidos. Pois da estranheza originou-se uma pulga atrás da orelha, o que fez com que, ao longo da estação, tudo o que tinha como ilusão parecesse real em meio às desconfianças de meus dias triviais.
A semente da dúvida estava plantada, a fim de colher frutos num futuro não tão distante, porém a longo e ininterrupto prazo. O fato passou a não parecer mais impossível, mas tão difícil que, ainda assim, beirava o improvável. E foi a partir de então que aquela fria manhã de fins de março de 2016 desencadeou a série de infortúnios que invariavelmente vivenciei (e ainda vivencio) durante esses infelizes 7 anos de azar.
Após aquele maldito dia, daquela maldosa revelação, meus pensamentos se dividiram entre a dúvida da verdade e a mentira. Atormentado e atordoado pelas insistências, pelas costumeiras ameaças do chamado de um testemunho que desse credibilidade à história e pelo receio de que uma possível inverdade se invertesse e acabasse sendo propagada publicamente, confundindo a realidade, passei a viver dividido entre o estado racional que invalidava a hipótese da atração dela por mim e os confusos sinais que incessantemente tentavam corroborá-la, fazendo parecer que havia um fundo de autenticidade no que me fora surpreendentemente proferido.
Apesar de não haver nenhum sinal suficientemente capaz de evidenciar a narrativa contada, determinados fatores me guiaram a uma falsa e arriscada esperança, criando demasiadas expectativas que fomentaram o cenário ilusório. Fosse no trabalho em grupo que gerou, em geral, uma sensação incômoda, em clima de intenso desconforto; fosse nos olhares dispersos, estranhos e desviantes em meio a uma sala de aula; fosse nas suspeitas que mantinha sobre o indivíduo que me revelara o caso; ou fosse no empurrão que, em determinado dia, quase encostou o corpo dela junto ao meu, todo e qualquer novo acontecimento, por mínimo que fosse, fazia minha mente girar em um turbilhão de questionamentos ambíguos e inquietantes.
Tantas dúvidas e excessivos mistérios fizeram com que eu passasse a me importar mais do que deveria, dedicando o máximo possível de tempo em minha rotina diária para investigar algo que, no fundo, jamais acreditei que fosse verídico. Uma história relativamente bem contada, sustentada por intermédio de eventos circunstanciais e bastante imprecisos, foi mais que o suficiente para despertar a intuição e a curiosidade de um questionador, observador e livre-pensador que orgulhosamente sou.
A partir de então, por meio de intensivas e constantes buscas virtuais, passei a vigiá-la, igualmente ao seu círculo familiar e de amizades, na esperança de captar sinais mais significativos e coletar evidências que corroborassem ou refutassem a hipótese tentadora. Dessa forma, além das descobertas que me foram gratificantemente oportunizadas, suspeito que minhas brilhantes e geniais táticas de stalker da época, posteriormente, me direcionaram ao ramo da investigação científica e da pesquisa social, proporcionando-me um caminho não planejado, mais próximo de um futuro recompensador e um pouco mais distante dos reveses passados.
Fato é que, por meio do método adotado para testar a conjectura apresentada, pude obter mais indícios que corroboravam com minhas suspeitas do que o contrário. Ou seja, entre tudo o que tive condições de averiguar e que pude descobrir durante a busca investigativa, absolutamente nada era capaz de atestar que a revelação de fins de março consistia em verdade, quando apenas reforçava a ideia de se tratar de uma brincadeira de péssimo gosto, de um atentado aos meus impulsos mais íntimos e primitivos.
Tal infração, após cometida, foi, com o tempo, se amenizando, até que cessaram as persistências, as pressões e os demais estímulos da dúvida. Com o passar dos meses, após o esperado desgaste e o descontentamento inesgotável de ambas as partes, veio a factual revelação: tudo o que me fora dito desde o princípio não passava de um mero divertimento, de um entretenimento alheio para me enganar, me iludir, para zombar de mim e, conforme confessado, para “mexer comigo”. Contudo, para a época, já era tarde demais, e nada mais importava de fato. Emocionado e iludido, eu já sentia falta de ser enganado, das insistências incômodas, das situações desconfortáveis e dos falsos sinais que surgiam para me confundir cada vez mais, o que acabou virando o caso para um contexto distinto, mas, desta vez, real.
Se antes era mentira que ela estava gostando de mim, agora a verdade era que eu estava completamente apaixonado por ela.
As buscas obsessivas, a saudade de mirar ocasionalmente aqueles lindos olhos verdes, a excitação por aquele corpo esbelto que me fazia estimular manualmente o meu próprio prazer e o desejo incontrolável por aquele irresistível e impactante sorriso fizeram com que a paixão me pegasse de um jeito que, por mais que tentasse escapar com todas as minhas forças, não era humanamente capaz de controlar e resistir.
Pude perceber e constatar essa sensação na oportunidade em que, entregue aos instintos carnais e emocionais que me dominavam, consegui reprimir o nervosismo e a temível timidez, cedendo ao olhar fixo naquela que é, até hoje, a responsável involuntária por despertar e intensificar minhas constantes crises existenciais. Ao admirar sua irresistível beleza, seu maravilhoso sorriso e sua adorável dedicação de estudante secundarista em primeiro ano, nada mais passou a importar naquele momento, desde que eu estivesse próximo a ela, de maneira abstrata, mesmo sem de fato estar. De algum modo, no centro da consciência, eu a tinha em meio à curta distância dos olhos e sobre a calorosa proximidade dos sentidos, em meu coração abandonado.
Até que, na posição de um silencioso vigília e observador dedicado, acabei sendo notado, recebendo, reciprocamente, pela primeira e única vez, o lançar daquele tão almejado olhar, acompanhado pela ameaça perigosa da revelação daquele esplêndido e marcante sorriso. Foi naquele instante que, em meu peito, senti um estranho aperto que jamais voltou a se repetir neste septênio de memórias, lamentações e comemorações (no sentido etimológico) e que, até os dias de hoje, sou incapaz de explicar de maneira lógica. O êxtase e a aflição do momento, que me fizeram desviar o olhar e voltar a me render à posição retraída e defensiva, limitada ao meu introspecto, evidenciaram o que insistia em não querer aceitar: eu estava acometido pela paixão, sendo refém de um dos estágios mais irracionais da vida física e social da humanidade — o estágio sentimental.
Naquela ocasião, não era mais possível lutar contra o óbvio, resistir aos instintos e negar os fatos, pois se tratava de algo muito mais forte do que eu poderia imaginar. Por mais que tudo tivesse sido fruto de uma falsa revelação oriunda de um desgraçado agraciado a me trazer desgraças, como fator causador, o desencadeamento veio através das dúvidas que me levaram às investigações e que resultaram nos constantes pensamentos e sonhos que frequentemente tinha com ela. A culpa poderia, em um contexto geral, recair sobre o autor da farsa que me levou à ilusão, porém as responsabilidades, em um contexto específico, incidiram diretamente e exclusivamente sobre mim, o sujeito sofredor. E é com os sintomas dessas grandes responsabilidades que venho convivendo e lidando nestes 7 longos e dolorosos anos de profundo amargor e sofrimento.
Se o vírus da paixão queimava feito brasa em meu coração, na minha cabeça perturbada bastava controlar o fogo para que este não acarretasse em um incêndio que poderia me queimar gravemente. Em outras palavras, sem maiores analogias, aproveitando oportunamente a falta de coragem que tinha e esclarecendo para mim mesmo que tudo não passou de um conto do vigário para me ludibriar, bastaria me render à covardia e ignorar os sentimentos, tentando matá-los gradualmente, enquanto os mantivesse reservados, enclausurados em um segredo trancafiado a sete chaves. Como o estrago já estava feito, deixando meu estado emocional e psicológico abalado e bastante prejudicado, tudo o que restava era tentar amenizar os danos e seguir a vida carregando apenas os sonhos, em uma realidade alternativa de um jovem de 17 anos carente e obcecado, a qual consistia, em condicional, na concretização da possibilidade positiva de um caso desprovido de positividades.
Todavia, as coisas nem sempre funcionam como desejamos, da forma como desejamos. Privar os próprios sentimentos, na teoria, aparenta ser uma tarefa fácil, sem muitas complicações; já na prática efetiva da vida real, se constata ser uma missão quase que impossível, ainda mais quando a intensidade das emoções ultrapassam os limites do imaginário utópico. Mesmo tendo a ciência do mal que alimentar falsas expectativas me fazia, a ilusão e demais aspectos irracionais da paixão dominavam o ego e insistiam em me escravizar e torturar feito um condenado ao sofrimento perpétuo.
No entanto, as inquietações tendiam a se amenizar durante um indevido feriado prolongado de quinta-feira, 26 de maio, a segunda-feira, 30 do referido mês. Acreditei ser o período perfeito para estancar a dor e retomar o equilíbrio emocional, regressando ao estágio da razão, o qual cultivo como uma dádiva racionalista. Porém, para a triste manutenção do estado de engano, o que parecia ser um momento oportuno para reflexão e relaxamento acabou se transformando em um pesadelo que tornou este recesso escolar o pior dessa vida sofrida, vazia e destruída pelo romantismo contaminante.
Entre as mais variadas pesquisas via plataformas digitais, noites em claro e desejos agonizantes, o descontrole me alçou a ideias imprudentes e planos mirabolantes. Nos pensamentos, entre beijos e amassos, fantasias das mais românticas às mais eróticas, até o redirecionamento à cruel realidade solitária presente na sobriedade. A ansiedade que, naquela ocasião, eclodia internamente em meu âmago, rapidamente me despertou a saudade, trazendo consigo a vontade e a inesperada coragem para tomar uma atitude definitiva antes que acabasse surtando e, por consequência, cometendo uma besteira ainda maior, suscetível aos impulsos e às ambições que o cenário me outorgava.
Após me render aos efeitos do estresse, da aflição e da angústia, decretei meu fracasso pessoal ao tentar resistir ao que sentia, concluindo que precisava exercer o direito de me expressar livremente, sem impedimentos e demais amarras internas. Avaliando, portanto, as possibilidades positivas e negativas de minha futura ação, percebi que as fortes chances nocivas eram superiores às baixas esperanças benéficas. Porém, mesmo assim, resolvi arriscar. Arrisquei pois tive a percepção de que a atual realidade não poderia ser transformada sem um fato novo que possibilitasse tal transformação. E se a indiferença e a recusa se apresentavam como o resultado de minhas ações, a dor do arrependimento por nunca sequer ter ao menos tentado, acarretando em uma dúvida eterna, aparentava ser mais prejudicial à minha saúde mental e emocional do que o risco de ter meus sentimentos novamente desprezados.
As probabilidades de decepção e desilusão eram enormes, mas eu decidi apostar minhas únicas fichas nas mínimas possibilidades otimistas, torcendo para que a tão provável fatalidade fosse menos traumática que as três experiências anteriores, as quais me tencionavam a desistir da impulsiva decisão e regressar às frustradas tentativas de resistência. No fundo eu sempre soube que seria trágico e decepcionante, já me era esperado por isso. Optei, portanto, por focar mais no alívio do pós-revelação e no contentamento pessoal do que na expectativa mínima de aceitação e reciprocidade. Se a realização de um sonho recente parecia distante, a finalização dessa lastimável adversidade podia ser enganosamente vislumbrada num breve momento, a partir de uma planejada confissão repleta de carinho e boas intenções.
Esse momento, conforme previamente planejado, ocorreria na manhã de terça-feira, 31 de maio, mas eu, sem o auxílio necessário e sozinho com meus pensamentos angustiantes, falhei, lamentavelmente. Comigo, quando há trabalho sob pressão e quando as coisas não decorrem conforme o planejamento prévio, tudo tende a dar errado, ainda mais quando envolve a dependência de terceiros que aparentam mais querer trazer complicações do que contribuir com as soluções para os problemas que os próprios invariavelmente causaram. É fato que alguns obstáculos impossibilitaram o progresso do plano, somando-se aos meus entraves particulares que ainda luto para vencer e avançar, mas a ausência de disposição em ajudar um adolescente apaixonado pesou mais do que qualquer outro percalço que pudesse encontrar durante esse trajeto tortuoso.
Contudo, na exposição da ideia de libertação — apesar da proposta de prolongar o sofrimento por mais três dias, alegando-se que “as coisas dão certo com o tempo” — , na hora do acerto de contas e da decisão final e definitiva, convenci-me de que não era mais possível suportar a dor por nem mais um minuto. Se não pôde ser no dia pretendido, havia de ser no posterior, em data subsequente ao que vislumbrava se tratar do “Dia D”, de definição.
A hora vinha chegando, o dia raiando, e eu precisava declarar a ela tudo o que sentia no fundo do meu coração.
Assim sendo, enfim chegou o “grande dia”, aquele em que meu coração seria, pela quarta vez na vida, ferido, partido e despedaçado. Apesar de tudo o que já vivi, do trio de decepções e desilusões que sofri em outras situações semelhantes e do meu aproveitamento de 0% em aceitação e reciprocidade, me deixei levar e parti em direção ao retrocesso; inocente, impaciente, iludido por mínimas possibilidades de um resultado distinto do habitual, do convencional para minha natureza medíocre. Naquela fria manhã de quarta-feira, infeliz primeiro de junho, por volta das 11 horas, ao ignorar os erros do passado e me recusar a aprender com eles, vi a história se repetir da forma até então mais cruel e dolorosa do que pude imaginar quando arquitetei a utopia em minha mente já corrompida pelo sentimento irracional da paixão.
Do que me vem à lembrança, nesta data tive a minha primeira crise de ansiedade perceptível fisicamente. Durante a angustiante espera até que os ajudantes intermediadores — que, aliás, foram mais excessivos e evasivos do que havia planejado contar — fizessem a “ponte” entre colegas, vivenciei o suor intenso, o frio na espinha, o formigamento nas mãos, a tremedeira do corpo, a dor no peito e a aceleração do coração, tudo no mesmo lugar e ao mesmo tempo. Tendo almejado um cenário confortável e favorável para ambos no momento da declaração, fui aos poucos percebendo, por detalhes, a situação escapando de meu controle, enquanto propositor e mentor do evento.
Na aflição, no receio e no nervosismo extremo, percebi a queda em minha pressão arterial, o que me fez pensar, por alguns breves segundos, em recuar e desistir, mas a atitude inicial já havia sido tomada, impossibilitando qualquer fuga da realidade em que, sem querer, acabei me colocando. Passei a ser, portanto, um mero coadjuvante no caso ao qual me candidatei como protagonista, aparentando fragilidade e estando suscetível às induções que me impuseram como se eu fosse um fantoche facilmente manipulável.
De princípio veio a proposição do velho e ultrapassado método da carta. Todas as três experiências negativas anteriores, ainda que menos impactantes que o episódio aqui narrado, sinalizavam se tratar de uma péssima ideia, mas eu, sem o menor domínio do contexto em que estava inserido, cedi mais uma vez, ignorando os alertas que me direcionaram ao abismo. Assim, percebendo o cerco se fechar, passei a redigir o maldito bilhete manualmente — numa folha extraída de meu caderno — , expressando nele as mensagens mais básicas e diretas possíveis, como a referência ao meu alucinado encanto pelo sorriso, de maneira muito aquém da totalidade que pretendia declarar pessoalmente à minha querida e doce amada.
Em meio à constante pressão e ao desconforto devido à traição da revelação de um segredo particular, o que me deixou ainda mais tenso, finalizei a produção do manuscrito superficial, seco e sem detalhes significativos. O breve resumo introduzia o essencial, preparando o terreno para o espetáculo principal, como um esquenta para a grande atração do dia. Sem escolhas, o que me restou era o tudo ou nada para me livrar de um peso na consciência, vislumbrando o êxito final.
Foi então que o sentimento de vergonha alheia (o mesmo que tende a me acometer com esta produção expositiva), instigado pelo medo da humilhação pública, me atingiu por completo. Entre a incerteza de observar e ir além do âmbito ao qual estava recluso, resolvi progredir, a fim de averiguar o andamento do caso, mas hesitei ao perceber que havia sido notado pelos curiosos espectadores que se divertiam com a situação. Dali em diante, apenas persistiu a longa espera pelo fim daquele tormento, recluindo-me à fossa originária que me era destinada.
No retorno, portanto, como consequência de minhas primeiras ações, fui instigado a tomar a iniciativa e, assim, resolver tudo em definitivo. Antes, uma notória ressalva mentirosa ainda me alertara que algo muito ruim estava por vir, mas novamente ignorei os indícios entranhados no momento de impulsão. Dessa forma, eu, perplexo e bastante confuso, respirei fundo ao sentir que já era tarde demais para desistir, partindo para exercer um dos maiores e mais significativos atos de coragem de toda a minha breve existência.
Após o atordoante vai e vem dos sujeitos “colaboradores”, lá fui eu, definitivamente, trajado por um belo e aconchegante moletom azul. No curto percurso, a pé, lhes indiquei fisionomicamente a ocorrência de umas 212 razões para, simultaneamente, avançar e recuar ao processo. Já no tão aguardado encontro, ainda que demasiadamente nervoso e aflito, contemplei o rosto, o olhar e os breves e acanhados sorrisos dela durante o tempo máximo em que minha ansiedade e timidez pudessem suportar. Inseguro e sem a mínima confiança devido aos desdobramentos da incômoda situação, aceitei passivamente que minha tímida e última declaração ocorreria ali, naquele pátio vazio e areado, sob a mira de observações indesejadas, naquela fria e infeliz manhã de 1º de junho de 2016.
De imediato, em meio ao clima nada propício ao que se avizinhava, não fui notado nem sequer no educado cumprimento inicial, o qual passou despercebido, devido ao baixo tom de voz com que fora proferido. Então, entre a insegurança, a ansiedade e a angústia, sem forças para maiores insistências e ainda bastante trêmulo, confessei a ela o que já deveria ter dito a algum tempo. Sem fidelidade ao planejamento, sem conseguir expressar o que realmente deveria, em detalhes, da forma como deveria, revelei o básico, sem pedido algum, sem perspectiva alguma de uma boa resposta, sem esperanças de um resquício de empatia e reciprocidade.
Na insuportável tentativa de avistar o brilho luminoso daqueles belos olhos esverdeados e desvendar os sinais daquele sorriso fascinante e hipnotizador, gaguejando, declarei-me com a inoportuna frieza que o momento me oportunizou.
— L****, eu gosto de ti… De você.
Em meio à agonizante espera por uma reação de desprezo, indiferença e aversão, uma surpresa que incorporava novos rastros de ilusão e falsas esperanças. A resposta improvisada reforçou a ressalva mentirosa que, previamente planejada, já preparava o terreno para provocar o meu previsível afastamento, devido ao alto grau de introspecção a que sou refém. Assim, com o coração sentindo-se fragilizado, com uma nova incógnita em mente e com o momentâneo alívio na tensão, apesar da tentativa de prosseguir com aquele breve (e estranho) diálogo, a vi se distanciar para longe dali, para longe de mim, para todo o sempre.
Nesta sumária declaração, na impossibilidade emocional de me atentar a aspectos relevantes de meus sentimentos indignos de compaixão, me resumi estritamente ao substancial, sem apelar para solicitações supérfluas. Tive a oportunidade de dizer a ela o que sentia, porém não na intensidade em que sentia, da forma como me sentia e as razões que me levaram a sentir. Na carta, porém, já citara a adoração ao sorriso e o impacto que ele tinha sobre mim, mas isso já não bastava para que a realidade fosse finalmente transformada.
Esta foi definitivamente a quarta e última declaração de minha vida, tendo sido tão fracassada e mais frustrada do que as outras três anteriores que, da mesma forma, ainda permanecem vivas na memória.
Passei, portanto, horas afinco absorvendo o ocorrido naquela manhã inicial de junho de 2016. Ao refletir sobre as breves palavras dela, em consonância com as constantes buscas que fazia a seu nome de usuário, pude perceber que, em torno da mentira que servira como rota de escape do constrangimento, havia o simbolismo da rejeição indireta, subentendida e implícita. E apesar da mínima e sugestiva referência a mim, em dada postagem, dando notoriedade ao insignificante impacto que tive em sua vida — e, particularmente, na parte matutina de seu dia — , notei que nada mais importava, por nada mais ser suficiente, sendo o momento crucial de desistir e, assim, evitar o pior.
Embora estivesse loucamente apaixonado, não diria que o sorriso dela, ainda que magnífico, fosse o “meu mar” (o que parece brega demais, até para mim). Mandei carta — contra a minha vontade, é verdade — , entretanto os deboches me fizeram perceber que havia mais virado motivo de chacota do que conseguido instigar algum efeito recíproco e despertar algum sentimento que não fosse o de mera pena. Não obstante, averiguar os indícios mais detalhadamente evidenciou que a farsa de um suposto término recente de relacionamento tinha o intuito de provocar o afastamento, ao contrário da aproximação por mim tão desejada; afinal, “reclamar de não ter boy” não era condizente com a falácia proferida. E como minha mãe bem me lembrava e aconselhava, “quando um não quer, dois não fazem”.
Após ultrapassar os limites da insegurança e da timidez, passei a compreender o que de fato o dia 1º de junho representava para a minha pessoa. Até o presente momento, não se trata do que aquele dia foi no passado, mas dos impactos que ainda perduram na atualidade. Aquela data passou a representar, além da última e mais dolorosa rejeição que sofri na vida, o decreto da desistência, o fim das preocupações frívolas e o casamento eterno com a solidão que me apavora. A partir dali, passei a aceitar que nasci para ficar sozinho, a lidar e me acostumar com a vida solitária, até que um dia, quem sabe, preze pela manutenção desse estilo involuntário de vida, do mesmo modo como anteriormente havia cobiçado a garota dos meus sonhos. Se nem ela nem ninguém me quer, em sentido recíproco, o que me resta é beber para fugir da realidade e lamentar a condição que, infelizmente, me foi socialmente imposta durante a vivência em sociedade e em meio às relações sociais nela estabelecidas.
Ao contrário do que esperava enquanto sofria por antecedência nos instantes às vésperas do inesquecível dia, em nenhum momento fui humilhado, ofendido e ridicularizado por ela, igual fora nas três infelizes oportunidades anteriores. Diferentemente do veneno das outras, aquela menina havia sido legal, respeitosa e compreensível comigo, optando por uma rejeição indireta que, ainda que invariavelmente conservasse em minha mente uma ilusória esperança de ficarmos juntos, me colocaria em posição estratégica de recuo, considerando o notável alcance de meu teto expositivo. E eu, sem o mínimo direito de importuná-la, constrangê-la, intimidá-la ou, pior, assediá-la, o que lhe despertaria a raiva e o rancor sobre mim, tive o dever de respeitar sua sábia e compreensível decisão (levando em consideração que ela era demais para mim), que lhe era de garantia, repelindo meus anseios, minhas emoções e meus sentidos mais eriçados.
Dali por diante, só ladeira abaixo. Arrasado, na falta de reciprocidade, me restou apenas a ausência de felicidade. Com o coração machucado e assustado com a dor, me contive invisibilizado na escuridão, fechado emocional e sentimentalmente no fundo do poço, largado às traças e ao companheirismo exclusivo da solidão. Sempre foi assim nestes 7 anos; 84 meses; 2.556 dias; e assim será por toda a eternidade.
Contudo, até hoje não entendo o porquê da rejeição. Não sei se a recusa se deve à minha evidente feiura fisionômica incompatível e desproporcional com a beleza exuberante dela (um fator notório sem equivalência que extrapola o ridículo até para o imaginário mais absurdo), à minha exorbitante timidez — que justifica o feitio bastante retraído e reservado que exponho publicamente — , ou ao meu ateísmo convicto, orgulhoso e explícito — o que desconfio, neste caso, se tratar de uma forma evidente de preconceito da parte dela contra um descrente. Ou pode ser uma mistura de vários desses significados com outras diversas razões que, apesar de jamais ter conhecimento, respeito e acato tranquilamente, visto ser o que me resta.
Ora, eu não tenho culpa de ter nascido assim, feio e nada atraente!
Fato é que não havia mais sentido nem possibilidades de insistir desagradavelmente em um caso que terminou antes mesmo de ter realmente começado e que já tinha perdido desde quando tomei a corajosa iniciativa de expor meus sentimentos, fazendo o máximo que me era possível e atingindo o meu limite de sociabilidade. Se não era plausível tê-la, namorá-la, alcançá-la, havia de me recluir à clássica insignificância.
Tendo definido pela desistência, me enclausurei ainda mais em uma bolha que inflava desde a incômoda situação de exclusão social que me era compulsoriamente imposta por uma turma de sujeitos. Vivenciei, durante o decorrer do restante daquele trágico ano (o pior da minha vida até então), a terrível sensação de ter de lutar contra os meus sentimentos, evitando ao máximo demonstrá-los, até que um dia pudesse matar de vez todos os vestígios de paixão que me conduziam à dor, às lágrimas, ao porto solidão de tristezas onde, na dureza, afoguei sorrisos.
Foi difícil e intenso demais, uma missão quase impossível de cumprir. Naquele fatídico primeiro de junho, meu coração foi estraçalhado, deixado em pedaços, pedindo socorro; porém o carinho, os desejos carnais e emocionais, os instintos sentimentais e um resquício de ilusão se mantiveram vivos e acentuados, de uma forma demasiadamente dura de se controlar. Não é porque não é demonstrado externamente que não é sentido internamente. Eu senti, e senti muito, tendo carregado tudo isso guardado em meu ego por dias, semanas, meses e até anos, feito uma cicatriz que até os dias atuais serve como lembrete do meu sofrimento, deixando meu coração preparado para jamais ser ferido novamente.
Costumam dizer, inclusive, que o tempo cura todas as feridas. Entretanto, quanto maior é a perda, mais profundo é o corte e, consequentemente, a dor, sendo cada vez mais difícil o processo para tudo se reestruturar e ficar inteiro novamente. Apesar da passagem do tempo, da longa distância, das pessoas que já conheci, dos aprendizados que tive o prazer de obter e das experiências, positivas e negativas, que vivenciei nestes duradouros 7 anos rejeitado por ela, as cicatrizes não me permitem seguir em frente, suportar as tempestades, superar o meu passado sombrio e bloquear as memórias que me fazem lembrar constantemente tudo o que eu já perdi nessa vida. As lembranças ainda me mantêm aprisionado àquele dia infeliz, daquele terrível mês, do mais trágico ano.
No raro momento irresponsável de insistência, em meio à indiferença, à constante esnobação e às persistentes ignoradas, reparei no desconforto que nela causava, constatando ainda mais o meu fracasso pessoal. Percebi que não havia a mínima condição de haver sucesso em um amor platônico que só existia em minha cabeça e em meus sonhos emocionados. Desse modo, compreendendo se tratar de uma mera ilusão surreal, resolvi, ao contrário da ideia inicial de bloquear meus sentimentos, mantê-los reclusos aos pensamentos e às atividades mais íntimas da vida privada. Resistindo à tentação e agindo com extrema frieza, me rendi ao que me coube: negar as aparências, disfarçar as evidências. E para o contentamento mais ingênuo e simplório, pude, felizmente, manter meu orgulho intacto, o que no fundo é o que realmente me importa.
Sem a realidade dos beijos, dos abraços, das carícias, do corpo dela junto ao meu e de seu aroma entre meu núcleo vital, o coração insistia em queimar e cedia ao aperto, posicionando-se à beira da morte. Aquela paixão veio, me nocauteou e não quis ir embora, deixando a vontade de lhe tocar a pele, o desejo de lhe saborear os lábios e o pranto que deslizava por meu rosto ao provar, a cada dia, o gosto amargo da derrota, do insucesso, da perda. Assim subsisti nos derradeiros dias daquele período de tremenda infelicidade.
E o que restou de 2016?
Das lembranças, as marcas; das marcas, os traumas que carrego comigo por quase uma década. Desde aquela época, não houve um dia sequer em que eu não tenha lembrado, por ao menos um segundo, daquela menina bonita, daquela história sinistra, da quarta e pior rejeição que sofri na vida. Pode parecer ridículo, vitimista, dramático, vergonhoso e banal, mas a origem da condição traumática deriva da forma como eu particularmente lido com o acúmulo de desprezos, somado à escassez de reciprocidade e ao estado de carência extrema que cultivo cotidianamente.
Do princípio de depressão eclodido em fins de junho de 2016 ao diagnóstico de ansiedade generalizada obtido em fevereiro de 2023, crises de choro contínuos e intensos, noites de insônias perturbadoras e bloqueios emocionais que, ao mesmo tempo em que me fecharam sentimentalmente, me prejudicam constantemente nas relações interpessoais que estabeleço na vida cotidiana. Em cada gota de álcool ingerida, uma tentativa de esvaziar a mente e escapar da triste realidade que me assombra, enquanto a cada moda sofrida por mim ouvida, um retorno ao passado obscuro que insiste em me perseguir. Diferentemente das três primeiras péssimas experiências, as quais resultaram no trio inicial de rejeições amorosas que sofri, esta quarta trouxe sérias complicações à minha saúde emocional e psicológica, o que até então não fazia parte da minha vivência, mas que passou a compor meu convívio diário.
Na ingestão de calmantes para o alívio e controle do estado ansioso, encontrei uma maneira de frear os impulsos e repelir os sintomas. Sóbrio, não conseguia esquecê-la; bêbado, a lembrava costumeiramente, acometido pelas lágrimas que escorriam do interior do meu coração partido e, misturadas à dose, me faziam revelar as confidências íntimas desse passado distópico, em atos impulsivos e um tanto inoportunos. De certo modo, o fato passou a ser meu ponto fraco, fazendo, nesse período de metade de ano, minha autoestima despencar e minha condição emocional ficar ainda mais sensível e debilitada
Das incessantes e rotineiras perseguições e stalkeadas obsessivas nos mais variados perfis, bem como das mensagens subliminares, dos sinais abstratos e das alucinadas tentativas de contato indireto por intermédio de meus “cavalos de Troia” alocados estrategicamente nas contas privadas, o aprofundamento da mágoa, o sabor amargo do ciúme, o advento da inveja e o tremendo desgosto ao vê-la nos braços de outro cara, beijando a boca de um outro alguém um tanto próximo que não fosse eu e que, ainda por cima, a havia roubado de mim. Tal descoberta foi um “gatilho” que agravou as frustrações, os traumas, os receios, as recaídas e a insegurança, detonando minhas já baixas perspectivas de uma ótima virada de ano, na solidão do lar. Contudo, em meio à torcida pela ruína, pelo término, pela desgraça da felicidade alheia, veio, enfim, o alívio irrisório (e tardio) do qual, por um curto espaço de tempo, me serviu de consolo e mínimo contentamento.
De resto, apenas mais combustíveis para as lembranças, os quais acarretaram em uma série de munições às lamentações. Entre fotos, vídeos, stories, recados, desenhos, pinturas e demais trabalhos artísticos brilhantes que, com enorme prazer e adoração, passei a admirar secretamente, elogiar de forma oculta e torcer por cada vez mais sucesso, como um fã romântico (e anônimo), a falsa contentação com a realidade fictícia que me conformei a viver, a partir de um personagem comprometido com tentativas de proximidade mais insanas do que uma repentina e mal realizada declaração poderia apresentar. Já entre encontros inesperados e nocivos ao equilíbrio mental pelas escadarias da vida — estas repletas de cultura e arte por toda a parte, trilhando novas idealizações e conquistas pelo caminho — , artigos e ilustrações adicionais que se dispersam pelos campos tão distantes de um grande porto não muito alegre.
Enfim, é importante frisar que, apesar de nunca ter sido uma realidade, na prática efetiva, uma trama (ou um drama) só acaba quando estiverem extintos os sonhos, as memórias, os traumas, as marcas de que um dia algo de certa forma aconteceu. Esses anos todos, apesar da inexistência de uma relação amorosa, tudo pareceu tão real em minha cabeça, como se hoje estivesse completando 7 anos de um relacionamento sério, ao invés de uma séria desilusão. Aliás, frequentemente penso e me questiono como teria sido a minha vida se tudo tivesse sido diferente, se naquela manhã de junho de 2016 eu tivesse sido aceito e correspondido de forma recíproca, ao invés de rejeitado mais uma vez. Mas se nem o fim do inverno, as madrugadas frias sem conseguir dormir, os momentos de embriaguez, a passagem do tempo e a imensa distância foram suficientes para curar a dor e apagar a cicatriz, então nada nem ninguém será capaz de corrigir as imperfeições de um pretérito tenebroso.
Portanto, ratifico, para registro histórico, que esquecer eu não esqueço nada. Nunca esqueci, nunca esquecerei.
Não esqueço a revelação enganosa, os momentos de dúvidas, a percepção do acometimento da paixão, os pensamentos ambíguos, as ideias de solução, a definição por uma iniciativa, a declaração frustrada, a rejeição sentida e, muito menos, os frutos que involuntariamente colhi desde o último ato. Não esqueço, aliás, as ocasiões em que, inesperadamente, visualizei o lindo rosto dela em Caitlin Gerard — no filme Smiley: A Face da Morte (2012) — , identifiquei um simulacro um tanto semelhante ao seu esplêndido sorriso em Antonija Belazelkoska — no filme Uma Amizade Tóxica (2021) — e notei determinadas feições de seu semblante em Maika Monroe — no filme Observador (2022) — , aos moldes de acadêmicos que realizam um intercâmbio pelo vasto continente europeu. Em suma, não esqueço nada do que me marca, do que me afaga, do que me atinge, do que me traumatiza, do que insisti em me machucar.
Apesar da sofrência e do vazio existencial que me aflige, neste caso, não guardo rancor e muito menos ódio por algo ou alguém. Posso armazenar e preservar mágoas, sofrer, chorar, lamentar, mas me limito a essas temidas emoções. Ninguém é obrigado a corresponder aos sentimentos de outra pessoa sem conter a mínima vontade recíproca, e isso sempre deve ser transparentemente estabelecido e frisado. Se nunca fui correspondido e, de maneira adversa, sempre tive de lidar com algum tipo de “fora” ou mesmo com uma dolorida rejeição amorosa, como é o caso, é porque talvez este seja o meu “destino”, digamos assim, por mais que sequer acredite em causalidades de efeito predestinadas. Acredito sim em probabilidades, em possíveis consequências com base em experiências obtidas, as quais todas que vivenciei até hoje indicam resultados ruins e corroboram com a minha teoria de isolamento eterno — a qual é pontualmente confirmada a cada ano que passa, por mais que muitos familiares e simpatizantes, ainda que preocupados, neguem e incomodamente me pressionem com exaustivas cobranças, munidas de boas intenções, pelo contrário. Na verdade, felizmente não faço o tipo errado de homem que não sabe ouvir um “não” de uma mulher e que não compreende o seu real significado. Porém, infelizmente, faço o tipo certo, do jeito errado, que só sabe e só conheceu, até hoje, a palavra “não”; tanto direta, quanto indiretamente.
Da mesma forma que não conservo ojeriza por alguém que, sem intenção, me causou dor e sofrimento, também não a culpabilizo, embora a responsabilize pela correlação de causa e efeito. Por mais que a causa tenha sido espontânea e compreensível, por meio do exercício de um livre direito de escolha e resposta, se não fosse por conta dela, não teria obtido efeitos tão nocivos que, além de me torturarem por longos anos, me fizeram perceber a minha condição social e aonde os erros estavam sendo aplicados, bem como a forma como estes eram aplicados. Os fenômenos estranhamente se relacionam assim, chocando-se contra a injusta realidade de um mundo imperfeito e excessivamente desigual, onde uns nascem para sofrer, enquanto outros riem.
Curiosamente, se não fosse por uma quarta rejeição, proferida por uma menina magrinha de 1,61m de altura, na época com 15 anos de idade, talvez até hoje eu não teria percebido que estou condenado a viver sozinho, sem aceitação recíproca, me iludindo e buscando algo que, por princípios, não tende a acontecer jamais. Mas felizmente, graças a este mal que veio para o bem, aprendi com as experiências, me conformei com a condição socialmente imposta e desisti de qualquer futura tentativa frustrada, evitando, por medo, uma quinta paixão e, muito provavelmente, uma rejeição ainda mais grave e mais nociva à minha saúde e minha vida. Afinal, se nunca mais me apaixonar e, mesmo que involuntariamente ocorra, declarar o que sinto à pessoa vítima e alvo de meus desejos, não haverá chances de ser desprezado novamente e de correr o risco de sentir o que senti no passado, revivendo todos os males que tive de suportar em meados de 2016.
Por outro lado, assim como não me cabe o esquecimento, também não sou passivo de arrependimentos. Não me arrependo dos planos, das tentativas, das buscas, de ter tomado uma atitude decisiva na ocasião necessária. Penso que, apesar dos ferimentos causados pelas ações praticadas, fiz o que deveria e precisava ser feito. Hoje posso me arrepender de ter acreditado no que não era passível de se acreditar, de ter criado expectativas fúteis e inúteis, de ter me deixado iludir, de ter sido fraco, de ter cedido minha posição racionalista aos artifícios irracionais da paixão e dos sentimentos que dela derivam, ou mesmo de não ter conseguido pedir perdão pelo meu ato naquela maldita data — assim como agradecer pela compaixão que ela tivera comigo ao optar por uma solução indireta e menos humilhante ao entrave que a tinha colocado — , mas jamais de ter ao menos me dedicado, de ter feito algo para mudar, para me aliviar da angústia e para expor o que guardava a sete chaves em meu âmago. Creio que tenha sido melhor conviver por anos com as consequências já esperadas de minhas ações, em comparação com a culpa e o peso na consciência de sequer ter tentado e me fornecido uma mínima oportunidade de saber a resposta e seus posteriores desdobramentos.
Em síntese, talvez não haja operação junina suficientemente capaz de revisar e reparar a história, consertando o passado e reconstruindo o presente e o futuro arruinados pelas heranças que deixam sintomas e sequelas por toda uma vida. Contudo, para o bem maior e a manutenção do estado de autossuficiência como um estilo de vida que cultivo, no fundo se fazem benéficas as graças das lembranças. Ou seja, não quero e não irei jamais esquecer tudo o que me trouxe até aqui, tudo o que me fez ser quem sou hoje e a idealizar o que idealizo. O esquecimento dos erros, das experiências e dos malefícios históricos é a representação de que o futuro é capaz de repetir o passado. Por essa razão, não pretendo esquecer, para que nunca mais aconteça, para que jamais se repitam os mesmos sentimentos, as mesmas ilusões, as mesmas atitudes e, como consequência, os mesmos percalços. As cicatrizes e marcas de 2016 servem de alerta para que sonhos, ambições, crenças, paixões e rejeições não tenham mais espaço numa vida recheada de duros obstáculos a se enfrentar e combater.
Entretanto, embora conserve as lembranças e lute para que o passado não seja esquecido, lamento não conseguir superar o trauma e seguir a vida sem ainda ter de sentir os efeitos dessa mancha em minha trajetória. Se já lamentei o fato de morrer sozinho, de não ter podido abraçá-la e beijá-la, lamento não poder esquecê-la, no sentido personalístico, no intuito central de superá-la. Ao mesmo tempo em que valorizo não me deixar cair no esquecimento, deploro-me pela impossibilidade de não ter alcançado a superação dessa perniciosidade, mesmo após passados 7 anos, permitindo, involuntariamente, que as referidas feridas ainda tenham um forte impacto sobre a minha atual realidade, seja ela qual e como for.
Sinceramente, me dói perceber que, na contramão do mundo, o tempo parece não ter passado para mim, da forma como, pelo que tenho reparado, passou considerável e favoravelmente para ela. Não importa mais o que eu vivencie, quem eu conheça, o que experimente, as coisas boas que desfrute, no fundo ainda me sinto preso naquele dia e naquele ano, feito uma paixão mal resolvida e mal acabada que, felizmente, acabou. Sim, acabou.
A paixão que me pegou de uma forma que, apesar de minhas inúmeras tentativas de escapatória, não consegui me desvencilhar, caindo na armadilha, teve seu fim não graças aos meus próprios esforços, mas ao tempo transcorrido e à distância estipulada pelos caminhos históricos de duas vidas e dois corações separados, divididos, que não nasceram para serem unidos. O afastamento, as mudanças, os cenários, tudo me fez concluir que os sentimentos ficaram no passado, a partir de uma ideia abstrata que criei sobre uma pessoa que sequer conhecia e estabelecia intimidade, alguém que jamais tive qualquer tipo de relacionamento. Havia me apaixonado pelas possibilidades, pelas ilusões, pelas falsas revelações que me foram indevidamente contadas, pelo pouco que sabia, pelas relativas virtudes que percebia, pelo imaginário que inventei dela e sobre ela, mas nunca por um fato real, por quem ela era de verdade, visto nunca tê-la conhecido factualmente.
Se da luta vem a vitória, meu trunfo particular, fruto da tragédia pessoal que me vitimou, deriva do calvário que me fez aceitar definitivamente o simples e lamentável fato de não ser aceito. Desse ponto de vista, aparenta ser resultado de meu amadurecimento e de minha forte personalidade a conclusão por uma existência vazia de sentimentos e, simultaneamente, repleta de significados. Pois se nada dá certo, o correto é desistir e seguir a vida almejando evoluir e se adaptando às mudanças introjetadas, coibindo que os restos de ontem afetem o amanhecer do amanhã, corrompendo a tão esperada chegada da primavera.
O tempo passou e eu sofri calado. Hoje já não resta mais nada; nem a paixão, nem aquela mesma pessoa que conheci há mais de 7 anos atrás. Só me resta lamentar, beber, chorar, sofrer e, no fim do dia, voltar a viver como se nada tivesse acontecido. Enquanto isso, os monitoramentos permanecem, apesar de bem menos rotineiros (limitados ao quarto dia do mês de janeiro, em razão de felicitações, e, por óbvio, ao primeiro do mês de junho, mantendo vivas as velhas marcas); porém as pessoas já não são mais as mesmas do passado, embora eu não seja tão diferente, no presente, do que fui na referida época.
E o que restou de 2016, além de más lembranças e amargos ressentimentos, é almejar uma possível superação do trauma num futuro ainda um tanto distante, por mais que salvaguardadas as devidas recordações. Pois amar, jamais amei; nem ela, nem ninguém.
Este registro histórico, além de uma expressão póstuma de um estado emocional e psicológico saudável e equilibrado, representa a materialização de minhas mais dolorosas memórias, numa coletânea de simbolismos repleta de referências, a fim de introduzir noções quanto a um grave abalo sentimental e servir, de certo modo, como uma “terapia” particular que me ajude a lidar com o trauma e vencer a dor. A escrita é uma ferramenta que possibilita o meu encontro com as ideias — sendo capaz de desenvolvê-las com maior clareza — , bem como com o meu próprio interior. Por intermédio da melhor forma de expressão por mim já alcançada, os textos explicitam os conceitos, as perspectivas, as definições e os cenários de um jeito que, transcendendo a subjetividade, atingem a mais completa objetividade, possibilitando uma adequada compreensão da realidade vivenciada. E nada melhor do que uma bela redação, contemplada pelo ápice de minha inspiração, para elucidar os fatos e cumprir com o que aqui me proponho: comemorar o septenário da quarta, última e pior rejeição que sofri na vida.
Talvez estas notas representem, na contemporaneidade, a segunda carta declaratória que comecei a produzir, por indução indevida, há 7 anos atrás, no dia 02 de junho, posteriormente ao doloroso desprezo obtido, quando restavam apenas as minhas cinzas. Teria sido a minuciosa e detalhista mensagem, o comunicado ideal que expressaria, com clareza absoluta, a intensidade de meus sentimentos mais confidenciais e profundos, aos moldes como esta produção agora se apresenta. Mas, enfim, como já fora esclarecido, desisti assim que percebi que não valia mais a pena e que não teria mais chances de alterar o resultado final.
Portanto, entre lamentações e comemorações, assim sigo a vida, conforme a etimologia das palavras, trazendo os acontecimentos, sejam eles bons ou ruins, à memória individual e ao imaginário coletivo. Por mais 10, 20, 30 anos, por toda a eternidade, seguirei sofrendo em silêncio, enquanto resisto ao esquecimento e anseio pela tão sonhada superação. E claro, mantendo-me fiel à tradição, sempre ao primeiro dia do mês de junho.
Se não pude viver contigo,
Lamento ter de morrer sozinho.
Se só pude contigo sonhar,
Lamento não poder te abraçar.
Se a paixão ainda queima em meu peito,
Lamento não sentir o gosto do seu beijo.
Se na distância o coração ceder,
Lamento não poder te esquecer.
Inf. Prim. Jun. #1616