PARA NÃO DIZER QUE NÃO FALEI DOS TERRORES
Por Guilherme Natividade
“[O Alcorão] é violento em seu cerne e antiocidental (…) Qualquer um pode ler as leis islâmicas referentes às mulheres, aos judeus, infiéis e descrentes. Podemos ler o que deve ser feito àqueles que abandonam a fé, cometem adultério. A violência está lá, bem explícita”.
(Ayaan Hirsi Ali*)
No dia 13 de setembro de 2022, no Irã, uma jovem foi presa pela polícia de moralidade e costumes de Teerã, capital da teocracia do Oriente Médio, acusada de fazer “mau uso” do hijab, véu islâmico obrigatório às mulheres daquela região, tendo exibido parte de seu cabelo publicamente. O nome da moça, que tinha apenas 22 anos de idade na época, era Mahsa Amini. Três dias após a prisão arbitrária, a jovem teve constatada uma morte cerebral, fruto das torturas que sofreu na reclusão e, principalmente, de um forte golpe proferido em seu crânio pela guarda iraniana que fiscaliza “crimes morais”¹.
Tanto a prisão quanto a condenação e a morte de Amini geraram revolta popular no Irã e em todo o planeta, comovendo a comunidade internacional através da repercussão do episódio pela mídia ocidental e eclodindo intensos protestos no país em que o caso ocorreu. Tal acontecimento fomentou um importante debate entre a opinião pública quanto à obrigatoriedade do uso do hijab pelas mulheres iranianas, em uma ditadura fundamentalista mundialmente conhecida por, inclusive, proibir o acesso de pessoas do gênero feminino às arenas e eventos esportivos², além de criminalizar relações homoafetivas em total perseguição à diversidade social.
No texto Não existe feminismo cristão!³, apontei, com base em diversos mandamentos e passagens bíblicas, razões que demonstram porque as mulheres não podem seguir o cristianismo, em especial quando integram o movimento e detém uma concepção de mundo feminista. A religião cristã, assim como diversas mitologias existentes no planeta, é por essência machista e misógina, sustentando o patriarcalismo e tratando a mulher como submissa e, assim sendo, inferior ao homem, o tido como “provedor” das relações opressivas que a fé religiosa institui e reproduz em diferentes estruturas patriarcais. Porém as religiões hegemônicas, isto é, aquelas que detém maior poder cultural, político e econômico, são as mais nocivas em relação a tudo que envolve papéis de gênero na estrutura da sociedade; sendo o islamismo, juntamente com o cristianismo e o judaísmo, elemento primordial desse sistema baseado em dominação e doutrinação religiosa.
Os cristãos costumam a acusar nós, livres pensadores ateístas do Ocidente, de blindarmos o islamismo em nossas críticas religiosas, destinando todos os embates e questionamentos ao cristianismo de forma exclusiva, o que é uma tremenda inverdade. Nos opusemos, criticamos e combatemos ferrenhamente a mitologia islâmica, bem como toda e qualquer concepção religiosa que, institucional e culturalmente, atente contra o princípio inviolável da laicidade do Estado e fira a existência da comunidade ateísta. A questão está na proporção, no cenário e no contexto do que vale e aonde cabe cada crítica e oposição.
Ora, na medida em que o cristianismo cultural é um problema estrutural do mundo ocidental, o seu concorrente oposto e coirmão ideológico — o islamismo cultural — é um grave problema sistêmico próprio do mundo oriental. No caso do Brasil, por exemplo, um país dominado por uma maioria cristã e corrompido pelo poderio das igrejas católicas e evangélicas, muçulmanos são meras minorias religiosas, tanto quanto judeus, umbandistas, candomblecistas, hinduístas, budistas, espíritas, ateus e agnósticos singulares. Ou seja, perante uma nação ocidental como a nossa, grupos islâmicos são insignificantes e inexpressivos, visto que não detém capital político, econômico e cultural, sendo igualmente vítimas da intolerância religiosa promovida pelos cristãos dominantes, aqueles que controlam o sistema e usurpam o poder nesta região do globo.
Por estas terras, felizmente não há uma bancada fundamentalista islâmica legislando com base em preceitos sagrados do Alcorão no Congresso Nacional, bem como não há partidos políticos islâmicos lançando seus líderes religiosos na disputa a cargos públicos e/ou financiando e apoiando candidaturas à política institucional brasileira. Da mesma forma, não há feriados islâmicos oficializados no calendário nacional, símbolo da lua crescente com a estrela sendo exposto em órgãos públicos da República, frase “Alá seja louvado” estampada na moeda nacional, isenções tributárias e benefícios fiscais concedidos a mesquitas ou pregações em nome de Maomé sendo veiculadas em meios de comunicação concedidos pelo Poder Público a setores da sociedade civil orquestrados por muçulmanos. Portanto o islamismo, enquanto um problema sócio-cultural, não se institui enquanto uma realidade social que contenha considerável proximidade no Ocidente da maneira como se constitui no Oriente.
Desse modo, ao contrário do que os incomodados cristãos proferem, os ateus não “passam pano” para as atrocidades do islamismo, temendo qualquer tipo de retaliação desse grupo minoritário e distante. Aliás, não há nada que a comunidade ateia não sofra ou já não tenha sofrido do cristianismo na história que nos faça temer, aqui no mundo ocidental, a intolerância e o extremismo fundamentalista dos lunáticos alienados lá do Oriente Médio. É importante frisar que, a partir da realidade que vivenciamos e do contexto em que estamos inseridos, o islamismo cultural não é um problema que nos atinge diretamente, sendo irrelevante toda e qualquer mobilização ativista que tenha, como foco central, a destruição e superação do islã por aqui, de forma semelhante como visamos a emancipação do cristianismo por meio de um embate cultural com esta mitologia detentora do poder estatal. E lembro ainda, em tempo, que nada do que os extremistas islâmicos realizam atualmente no mundo todo se difere, dadas as devidas proporções e contextualizações específicas, ao que os extremistas cristãos fizeram no passado igualmente teocrático de sua religião. Digamos que o período da Santa Inquisição, na era medieval européia, tenha servido de inspiração às práticas terroristas hoje promovidas pelos novos “inquisidores” da era contemporânea árabe, os quais utilizam métodos de tortura similares aos seus irmãos abraâmicos.
Enfim, não há medo, receio, privilégio ou respaldo na crítica ateísta às mitologias religiosas, sejam elas quais forem. Há foco, diretrizes, metas, alvos específicos conforme demandas, necessidades, contextos e cenários. A realidade em que estamos inseridos tem demonstrado cada vez mais a importância da formação de um sólido ativismo ateísta e secularista que defenda o Estado laico, combata a ateofobia, promova a visibilidade e representatividade da comunidade ateia e enfrente, ostensivamente, o cristianismo cultural de forma intensa e direta. A fé cristã, por seu domínio e influência no mundo ocidental, deve ser o nosso principal alvo na disputa pelo controle social e pelo poder hegemônico. Porém isso não ignora nem anula a necessidade de nos solidarizarmos com a causa anti-islâmica tão essencial nos tempos atuais, promovendo sérias críticas ao islamismo, combatendo o império de teocracias fundamentalistas que violam o princípio-base da laicidade no Oriente Médio e apoiando veementemente os movimentos de enfrentamento ao terrorismo praticado pelos muçulmanos em diversas regiões do planeta.
Os inúmeros atentados terroristas promovidos por “homens-bomba” em ataques suicidas realizados em locais públicos pelo mundo, especialmente o episódio ocorrido contra o World Trade Center nos Estados Unidos no dia 11 de setembro de 2001, evidenciam que a mitologia islâmica é uma ideologia essencialmente terrorista e que seu grupo de seguidores sistematicamente doutrinados, de modo geral, são extremistas fundamentalistas que desprezam a pluralidade, atentam contra o princípio da laicidade e, consequentemente, rejeitam a democracia. Sejam os ataques contra as Torres Gêmeas organizados pela Al-Qaeda no início do século XXI em Nova Iorque — a partir de planejamento estratégico do líder terrorista Osama Bin Laden — , sejam outras tantas ações praticadas pelo Estado Islâmico em diversas regiões da Europa ocidental ou pelo Talibã no Afeganistão, todos os exemplos notórios demonstram o caráter ditatorial, violento, intolerante, tradicionalista, fundamentalista religioso, ultraconservador e até mesmo neofascista a que se vincula diretamente o islamismo cultural que corrompe e domina o Oriente.
Sendo a religião com mais adeptos no planeta, e a mais perigosa e hegemônica das últimas décadas, o islã soube implementar seu controle e poder no Oriente Médio de forma assustadora. Em países como Afeganistão, Irã, Iraque, Líbia, Líbano, Nigéria e Síria não há liberdade de expressão e pensamento, desenvolvimento social, prosperidade e qualidade de vida como em nações onde a maior parte da população se declara como sem religião, secular e até mesmo ateia (as quais, “coincidentemente”, também possuem os melhores índices de desenvolvimento humano no planeta). Nestas teocracias fundamentalistas que os muçulmanos implementaram no Oriente, dominando a região, a perseguição e a intolerância religiosa é explícita e minorias sociais são duramente segregadas, torturadas e mortas, não havendo garantia de direitos humanos fundamentais, nem respeito às liberdades individuais e coletivas da população oprimida por tiranos que massacram seu povo em guerras santas contra um inimigo invisível, em nome de um amigo imaginário fantasioso e com base em fábulas mitológicas que proíbem o consumo de carne suína, por exemplo.
A partir de interpretações extremamente radicais da Sharia, o sistema jurídico (“tribunal santo”) islâmico, relações homoafetivas são criminalizadas com a pena máxima de morte, a comunidade LGBTQIA+ é completamente desprezada e perseguida publicamente, “heresia” e “blasfêmia” são crimes hediondos punidos com apedrejamento, mulheres são forçadas a utilizar burcas ou véus que cubram seus rostos e corpos — sendo estabelecidas em sociedade como submissas e servas dos homens, sem direitos enquanto cidadãs — e grupos ateístas, agnósticos e religiosos adeptos de outras crenças contrárias ao islã são duramente discriminados e assassinados por seus posicionamentos e opiniões. Com base em uma política retrógrada e reacionária de moral e costumes, algo já ultrapassado em civilizações mais avançadas, mulheres têm suas genitálias mutiladas desde muito novas, a imprensa é censurada, jornalistas e opositores são presos e a tortura é uma prática institucionalizada nas legislações locais. Enquanto isso, casamentos infantis e uniões poligâmicas (permitidas apenas para homens) são práticas naturalizadas pelos conservadores e moralistas da fé.
Por “deus, pátria e família”, as maiores atrocidades cometidas na história da humanidade contam sempre com a participação direta do islamismo e/ou do cristianismo. Seja em nome de uma divindade mística invisível ou de uma crendice irracional, a religião, o câncer da humanidade que se declara como a base moral da sociedade e detentora da paz e do amor, é a principal responsável pelo caos social que vivenciamos no planeta. Basicamente, se a fé realmente pregasse a paz e o amor como diz, os extremistas religiosos seriam extremamente pacíficos e amorosos, em realidade completamente distinta do que se observa na prática efetiva desses grupos fundamentalistas que impõem compulsoriamente suas ideias abjetas pelo mundo.
O filósofo, escritor e neurocientista estadunidense Sam Harris tem críticas muito pertinentes e pontuais ao islamismo, as quais aprecio e compartilho com semelhante vigor, apesar das calúnias proferidas contra ele por agentes ditos “progressistas” que evitam melidrar a mitologia do horror, resguardando-a de qualquer questionamento contrário aos teocratas inimigos da laicidade. Mas talvez a mais simbólica representação da luta anti-islâmica que se vincula diretamente com o ativismo ateísta e secularista venha oportunamente de uma mulher negra e feminista que viveu de perto e sofreu na pele as atrocidades muçulmanas.
Nascida na Somália no dia 13 de novembro de 1969 e submetida a um agressivo processo de mutilação do clitóris na infância, a ativista política e ateia Ayaan Hirsi Ali fugiu da teocracia islâmica e de um casamento arranjado pelo próprio pai quando ainda era jovem, tendo se refugiado em diversos países ao longo da vida até, em 1992, conseguir asilo político na Holanda. Em suas obras mais famosas — Infidel: My Life (Infiel: Minha Vida), de 2006, e Heretic: Why Islam Needs a Reformation Now (Herege: Por que o Islã precisa de uma reforma imediata), de 2015 — , Hirsi Ali conta sua história de vida como vítima do islamismo cultural, expõe críticas pessoais ao islã, defende amplos direitos às mulheres árabes do Oriente Médio e combate perversidades como a mutilação genital feminina, os casamentos forçados/infantis e os crimes de “honra” e contra a “moral e os bons costumes”, propondo uma reforma radical da mitologia terrorista. A admirável coragem da militante ao expressar publicamente sua posição ateísta e denunciar as intransigências islâmicas em seus registros de memórias, enfrentando o sistema da Sharia sem medo da perseguição e da opressão fundamentalista, permitiu que, em 2007, ela fundasse a AHA Foundation, organização sem fins lucrativos sediada em Nova Iorque, nos EUA, que visa a defesa dos direitos das mulheres, a garantia da igualdade de gênero e a promoção do feminismo liberal.
Que, em memória de inocentes como Mahsa Amini, lutas como a da ateia Hirsi Ali inspirem e contribuam com a resistência anti-islâmica no mundo todo, intensificando o combate ao islamismo cultural e a defesa da laicidade como um princípio inconciliável. O ativismo ateísta e secularista, a partir de ateus e ateias militantes de todo o planeta, deve unificar forças em prol de um objetivo comum compartilhado pela civilização ocidental: restaurar a liberdade e a democracia no Oriente Médio dominado por teocracias fundamentalistas controladas pelo Estado Islâmico sob o desprezível sistema jurídico da Sharia. Desse modo, o ateísmo levará prosperidade ao Oriente, eliminando o Alcorão como preceito constitucional, extinguindo as penas de morte por apedrejamento, libertando crianças e adolescentes de casamentos forçados com adultos, emancipando as mulheres de burcas e véus — preservando seus direitos sexuais e reprodutivos — e rompendo com o conservadorismo e qualquer outra perspectiva reacionária de moralidade e costumes, por meio do avanço de uma agenda progressista global.
Para não dizer que não falei dos terrores, aqui está, de um livre-pensador ateísta para o mundo, uma crítica aberta e direta à religião do horror. Perante o enfrentamento de humanistas e secularistas de todo o planeta, em prol da instauração de um laicismo cultural que altere os valores e as estruturas religiosas da sociedade, o terrorismo não deve seguir prosperando. Portanto, que um projeto internacional de secularização seja urgentemente elaborado, rompendo fronteiras e, assim, instaurando a revolução social que irá salvar o Oriente da intolerável dominação islã.
REFERÊNCIAS
*Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0311200712.htm
¹ HEIN, Shabnam von. Morte de iraniana que não usava véu causa indignação. DW, 2022. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/morte-de-iraniana-que-n%C3%A3o-usava-v%C3%A9u-causa-indigna%C3%A7%C3%A3o/a-63184959. Acesso em: 21 jul. 2023.
² PORTELA, Maria Eduarda. Irã volta a proibir entrada de mulheres em jogos de futebol. Metrópoles, 2022. Disponível em: https://www.metropoles.com/mundo/ira-volta-a-proibir-entrada-de-mulheres-em-jogos-de-futebol. Acesso em: 21 jul. 2023.
³ Ver em: https://guilhermenatividade.medium.com/n%C3%A3o-existe-feminismo-crist%C3%A3o-1075f872435e
AHA Foundation - Founded by Ayaan Hirsi Ali. Homepage. Disponível em: theahafoundation.org. Acesso em: 23 jul. 2023.
RUSSEL, Ricardo. Quem é Ayaan Hirsi Ali?. YouTube, 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=OJ-21Eb7sA4 . Acesso em: 23 jul. 2023.