A campanha útil (ou “Sobre Bolsonaro”)

Guilherme Lichand
5 min readAug 12, 2018

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Convencionou-se chamar de “voto útil” a definição do candidato nas urnas não de forma “sincera”, mas estratégica, respondendo às regras eleitorais. Em pleitos que envolvem dois turnos, sob certas condições, pode ser perfeitamente racional votar no candidato que não é de sua preferência no primeiro turno. No nosso sistema eleitoral, essa situação acontece quando:

  • Espera-se que nenhum candidato tenha mais de 50% dos votos;
  • Um candidato já está garantido no segundo turno, e há um empate entre dois ou mais candidatos pelo segundo lugar (nenhum deles seu candidato favorito);
  • Espera-se que, no segundo turno, o candidato líder nas pesquisas ganhe de apenas um dos que estão empatados em segundo lugar;
  • Seu voto poderia desempatar a disputa pelo segundo lugar.

Nessas condições, você deveria votar não no seu candidato favorito (o voto sincero), mas sim no candidato que venceria o líder (caso você queira evitar sua vitória) ou que perderia dele (caso você queira garantir sua vitória) no segundo turno.

De um lado, a combinação exata das condições listadas acima é bastante improvável; em particular, a probabilidade de que um único indivíduo seja capaz de decidir o resultado de uma eleição nacional é basicamente zero. De outro lado, certas hipóteses sobre comportamento de grupos e comparecimento seletivo às urnas tornam esse comportamento racional em alguns cenários.

Na atual eleição, o segundo turno parece inevitável. Se supusermos que Bolsonaro está garantido no segundo turno, caso às vesperas do pleito as pesquisas apontarem empate técnico entre dois candidatos, pode ser perfeitamente razoável mudar o seu voto para garantir que o concorrente dele tenha mais chances de vencê-lo.

Dito isto, neste artigo gostaria de propor um novo conceito: a campanha útil. Mais do que escolher o adversário de Bolsonaro no segundo turno, minha proposta pode permitir eliminá-lo por completo da disputa.

Diante do que aconteceu na última eleição americana, acredito que tomar como dada a presença um candidato autoritário (segundo a tipologia de Steven Levitsky e Daniel Ziblatt em How Democracies Die, que recentemente computaram a pontuação do candidato no Litmus test) no segundo turno é um risco alto demais a ser tomado pela democracia brasileira.

Vamos ao conceito. Sob certas condições, pode ser racional fazer campanha para um candidato diferente daquele de sua preferência, por questões estratégicas. Isso acontece quando fazê-lo pode alterar o resultado da eleição.

Por mais que isso soe bastante parecido com as condições para o voto útil, é muito mais provável que essas condições se verifiquem na prática para a campanha útil, por dois motivos:

  1. Cada indivíduo tem apenas um voto (daí o resultado de que a probabilidade de que ele decida uma eleição de grandes números tende a zero). Mas o voto é apenas o último ato do processo eleitoral. Ao longo da campanha, certos indivíduos podem comandar influência relevante. Em redes sociais (online ou offline), indivíduos influenciados por sua vez influenciam outros. Assim, o fator de influência de indivíduos “centrais” (com muitas conexões, em muitos casos com outros indivíduos também com muitas conexões) pode, sim, definir o resultado de eleições com probabilidade positiva.
  2. Para níveis relevantes de influência, há mais cenários em que pode ser racional comunicar uma mensagem estratégica (ao invés de sincera): a influência pode não apenas desempatar a disputa pelo segundo lugar, mas também promover candidatos que a princípio não teriam chances de chegar à última fase da disputa e/ou remover dela o candidato a princípio garantido no segundo turno.

Influência

Para tirar Bolsonaro do segundo turno, será necessário convencer seus eleitores a votar em outro candidato. Até aqui, a esquerda progressista — na qual me incluo — vem cometendo dois erros, segundo a perspectiva da campanha útil que introduzi acima.

O primeiro e mais óbvio: desqualificar os eleitores do atual líder das pesquisas, abdicando da possibilidade de exercer influência, ou acreditando que seus ataques pessoais levariam esses eleitores a, automaticamente, buscar outra alternativa.

O segundo, praticado por aqueles que tentam se engajar na persuasão desses eleitores: a tentativa de convencê-los a votar em um candidato da esquerda progressista.

É preciso entender as razões pelas quais aqueles que expressam seu desejo de votar em Bolsonaro o fazem. Esse vídeo ilustra bem o que pensam esses eleitores. Está clara sua repulsa pelos políticos tradicionais, o desejo de políticas liberais na economia, mas repressivas na segurança pública.

Alguém que pensa assim jamais vai votar em Ciro ou Marina, que batem na tecla de igualdade de oportunidades ao invés de uma mensagem liberal. Também dificilmente vai votar em Alckmin, um político tradicional sob o qual pesam acusações de corrupção, mesmo com promessas de repressão firme à criminalidade.

Para exercer influência sobre esses eleitores, seria necessário propor alternativa que preenchesse as mesmas caixinhas. No cenário que se desenha, teríamos duas possibilidades: Cabo Daciolo (Patriotas) ou João Amoedo (Partido Novo).

Se a influência for suficiente apenas para dividir os votos de Bolsonaro, impedindo que ele chegue ao segundo turno sem levar a ele nenhuma das alternativas, então tanto faz quem herdaria seus votos — a campanha útil ótima focaria na alternativa com mais capacidade de retirar as chances do primeiro.

Se, alternativamente, houver risco de que a influência leve a alternativa ao segundo turno, então a campanha útil ideal deveria focar na alternativa sem perfil autoritário.

A esquerda precisa se mobilizar por João Amoedo

Começo esta última parte deixando claro que não vou votar em João Amoedo. Mas, diante da necessidade de mobilização para minimizar as chances de que Bolsonaro (ou outro candidato autoritário) chegue ao segundo turno e ameace a nossa democracia, farei campanha útil para Amoedo sempre que dialogar com algum eleitor que quer votar em Bolsonaro.

Amoedo é um outsider (como Bolsonaro é percebido, mesmo estando na política há mais de 20 anos). É bastante liberal nas propostas de política econômica. E, ainda que até aqui tenha falado pouco sobre segurança pública, poderia perfeitamente comunicar-se na mesma linha de Alckmin sem desviar-se dos princípios de seu programa.

Hoje, as intenções de voto do candidato são tão baixas que sua chance de ir ao segundo turno são ínfimas. Isso faz com que ele nem venha participando de alguns debates de projeção nacional, como aquele realizado pela TV Bandeirantes no dia 09 de Agosto.

A esquerda precisa se mobilizar para que João Amoedo participe dos debates. Essa é nossa melhor chance de reduzir as chances de que candidatos autoritários cheguem ao segundo turno neste eleição.

Você pode seguir tentando persuadir outras pessoas a votar no seu candidato preferido. Mas precisamos passar a tentar persuadir eleitores de Bolsonaro com alternativas razoáveis, de preferência não autoritárias. E, para que essa influência tenha reais chances de se consolidar, Amoedo precisa ter espaço no debate nacional — independente de sua atual intenção de voto nas pesquisas.

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Guilherme Lichand

One of the top under-35 Brazilian innovators, according to MIT Technology Review, and social innovation specialist at the WEF Expert Network.