Chatbots vs. Nudgebots

Guilherme Lichand
7 min readAug 8, 2018

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Chatbots são simuladores de conversação. Um “robozinho” capaz de dialogar com o usuário de forma tão natural quanto possível, seja para permitir que ele faça pedidos de comida entregue em casa (como o iFood), seja para que ele possa tirar dúvidas sobre um tratamento prescrito pela médica, simulando uma conversa com a próprio doutora (como a TaNaHora).

Seus usos têm se multiplicado entre as grandes empresas — mesmo entre aquelas tipicamente lentas em adotar inovações, como as gigantes de telefonia — , guiadas por uma lógica econômica clara: de um lado, a promessa de eliminar tempo de espera e melhorar a experiência do usuário, e de outro, de cortar custos de serviços de call center e de pessoal antes responsável pelo atendimento.

Dois elementos estão por trás do bom funcionamento dos chatbots. O primeiro: aprendizagem de máquina. Quando o usuário diz ou pergunta algo, o algoritmo (o “robozinho”) precisa interpretar o que ele está querendo dizer. Existe toda uma área de estudo chamada de Processamento de Linguagem Natural que lida com essa classe de problemas.

O segundo: inteligência artificial (embora isso não seja estritamente necessário, os bots mais humanos funcionam assim). Conforme o algoritmo atribui uma distribuição de probabilidade ao que o usuário disse ou perguntou, o bot responde de acordo com regras associadas a essa distribuição. Tipicamente funciona assim: se com probabilidade suficientemente alta o algoritmo classifica a mensagem enviada pelo usuário como uma categoria pré-definida (“Me vê uma meia mussarela meia portuguesa = QUERO 1 PIZZA”) , responda como se o usuário definitivamente tenha dito ou perguntado aquilo; caso contrário, diga ou pergunte algo que ajude a esclarecer o que o usuário queria dizer (“Não entendi o que você falou… será que poderia repetir, por favor?”).

Um dos meus exemplos preferidos é esse urso de pelúcia criado para interagir com crianças com câncer. Veja você mesmo:

No Governo — talvez a mais lenta das organizações a adotar inovação, pelo menos no Brasil — , Chatbots poderiam ser utilizados para uma infinidade de aplicações. Uma das mais claras é atendimento ao cliente. Imagine se o cidadão pudesse marcar uma consulta médica na Únidade Básica de Saúde mais próxima da sua casa, simplesmente interagindo com um bot? Nem precisaria ser um muito sofisticado. Bastaria ser capaz de identificar a demanda do paciente, triar emergência de especialidade e conseguir oferecer as melhores opções em termos de distância e tempo de espera.

Antes que você pense que estou louco (já que estamos falando de usuários de serviços públicos), Chatbot não precisa ser só um app para smartphone… Unidades de Resposta Audível que reconhecem o que você quer perguntar já são utilizadas por bancos e outras organizações (embora a qualidade desse serviço ainda não chegue perto do que poderia).

Um exemplo de sucesso de aplicação de Chatbots no Governo foi o Poupinha, que fez mais de 50 mil agendamentos para serviços do Poupatempo apenas no primeiro mês. [Em tempo, o serviço foi descontinuidado por dificuldades jurídicas ligadas ao processo licitatório de contratação do serviço… uma história para um outro post sobre o tema de inovação no Governo.]

Esses exemplos deixam claro que, para um Chatbot, duas características são essenciais: ser sensível e responsivo. Sensível para entender o que o usuário diz ou pergunta. Responsivo para que suas respostas às reações do usuário sejam rápidas e na linguagem e no tom adequados.

Em última instância, quanto menos o usuário fosse capaz de perceber que está falando com um robô (e não com um humano), melhor o Chatbot.

A última milha

Nem todas as dores de comunicação entre organizações e usuários que podem ser resolvidas por um “robozinho”, contudo, têm a ver com necessidade do usuário de perguntar ou dizer algo.

Um dos problemas mais complexos para adoção de serviços ou tecnologias tem a ver com a chamada ‘última milha’: a tomada de decisão. E, diferente do que você talvez imagine, a inação tipicamente não é fruto de uma decisão racional de não adotar o serviço ou tecnologia:

You sign up for a free flu-shot but forget to schedule the appointment. A qualified high school student is accepted to college but gets tripped up applying for financial aid and doesn’t enroll. The government creates a great program to help low income families fund their children’s education, but only a handful of people sign up.

Some of society’s stickiest problems aren’t a failure of intention, importance, or value. They’re the result of a failure to understand human behavior at the last mile — the final stage where desires and plans must turn into action.

Fonte: http://thepsychreport.com/business-org/how-do-we-solve-the-last-mile/

Os últimos anos assistiram à rápida popularização da Economia Comportamental, liderada por Richard Thaler, vencedor do Prêmio Nobel de Economia em 2017. Seu livro Nudge, em co-autoria com Cass Sunstein, foi o primeiro à trazer para o grande público o conceito de que empurrõezinhos poderiam mudar comportamento, ajudando o usuário a tomar decisões que racionalmente o beneficiariam, enquanto preservando sua liberdade de escolha — uma abordagem que ficou conhecida como paternalismo libertário.

Cada vez mais, evidências apontam que comportamento pode efetivamente ser mudado com lembretes e nudges. Por exemplo: mudar a opção padrão (default) de um contrato tende a mudar completamente a decisão da maioria. Dan Ariely mostra como isso é verdade para doação de órgãos em diferentes países:

Outros exemplos:

Nudges têm o papel de tornar certas decisões top-of-mind. Mesmo que o usuário nunca diga ou pergunte nada.

Será que bots ainda podem ajudar frente a esse desafio?

Nudgebots

A minha resposta é sim — mas não através de Chatbots. Conforme a discussão anteiror, “robozinhos” para mudar comportamento não precisam ser necessariamente sensíveis nem responsivos, mas sim insistentes — formando hábito mesmo entre aqueles que jamais reagem.

Para ilustrar a diferença, vamos falar do Poupe+, Nudgebot da MGov para formação de hábitos financeiros mais saudáveis. Por que isso importa? Bem… cerca de 63 milhões de brasileiros estão inadimplentes, segundo dados do SPC Brasil. Isso significa 1 de cada 2 adultos do país. Ainda, o uso de serviços financeiros é muito baixo, sobretudo entre a população mais pobre, apenas recentemente bancarizada.

O Poupe+ envia duas mensagens por semana, seguindo uma estrutura de comunicação para formação de hábito validada pela MGov. Começa com um fato motivador, seguido por sugestões de atividade simples para o participante fazer sozinho ou junto com sua família. Interatividade e reforço são combinados para maximizar o potencial de formação de hábito. A cada 2 semanas, o Poupe+ trata de um novo tema.

Como o Poupe+ é um Nudgebot, ele envia essas mensagens regularmente, toda semana, mesmo se o usuário nunca disser nada. Dona Vera, por exemplo, no início não respondeu a uma única mensagem. Ainda assim, o Poupe+ seguiu enviando mensagens ao longo de 20 semanas.

Insistência é a característica-chave para a efetividade de um Nudgebot.

Ao final do ciclo, Dona Vera reconheceu os benefícios do programa.

Tecnologia certa

A MGov é a primeira startup de Nudgebots do Brasil. Lá fora, existem alguns exemplos (ver aqui e aqui).

A diferença da MGov é a utilização dos canais para mudar comportamento daqueles que mais importam. Em muitos casos, ainda precisam ser os anti-aplicativos: mensagens de texto (SMS) ou de voz, que já vem instaladas em qualquer celular, não podem ser desinstaladas, e para as quais não é possível desligar push notifications.

A penetração de smartphones no Brasil ainda não chega a 50% dos domicílios, segundo dados da TIC de 2018. Mais do que isso, o plano de dados mais barato no país custa o equivalente à conta de água de um domicílio pobre.

Diante disso, não é surpresa que os participantes interajam pouco. Contatada pelo time de UX da MGov ao longo da implementação, Dona Vera disse que não respondia por medo de ser cobrada pelo SMS enviado (embora a MGov tenha um sistema de cobrança invertida que garante que toda interação é gratuita para os participantes).

Nesse contexto, Nudgebots — e não Chatbots — são a solução certa para mudar comportamento e gerar impacto social.

IA para Nudgebots

Por fim, inteligência artificial também pode ser útil no contexto de Nudgebots. Nesse caso, também para gerar uma bot mais responsivo —só que, no contexto de Nudgebots, isso tem um significado diferente: ser mais efetivo para mudar comportamento.

A questão é que nem todo participante se beneficia da mesma abordagem para formação de hábito. O Poupe+ usa aprendizagem de máquina para prever que variação de cada sequência de mensagens tem maior impacto para cada perfil de usuário — com base em suas características e em todo o seu histórico de interações na plataforma da MGov. Com base nessas previsões, a cada interação o Poupe+ atualiza a distribuição de probabilidades de enviar diferentes variações de cada sequência para cada participante.

É claro que não é facil… mas para mudar o mundo de verdade (para além da missão e da visão), precisamos dos nossos melhores cérebros pensando nossos problemas mais difíceis.

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Guilherme Lichand

One of the top under-35 Brazilian innovators, according to MIT Technology Review, and social innovation specialist at the WEF Expert Network.