Paraná e a venda da sede da Kennedy: erros do passado e a sobrevivência para o futuro

Guilherme Moreira ⚽️
8 min readOct 30, 2015

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Um dia histórico, que muda o rumo do Paraná, aconteceu na noite desta quinta-feira. Após passar pelo Conselho Consultivo na terça-feira, a maioria dos conselheiros do Deliberativo aprovou a venda da sede da Kennedy, símbolo do social paranista. O foco, agora, passa a ser exclusivamente no futebol.

Cena como essa fica na memória: clube acabou com o social na Kennedy. Foto: Divulgação/Paraná

A ideia não é de hoje. A venda deste patrimônio já era defendida pela organizada Fúria Independente, cada vez com mais vivência no dia a dia e dentro da diretoria, desde o ano passado. Em setembro, escrevi no portal Terra que, internamente, o clube paranaense já admitia negociar o local e via essa solução como sobrevivência. E antes de explicar o futuro, vou contextualizar o passado.

Nada mudou de um mês e meio para cá, apenas se tornou público e oficial. É um marco na história tricolor, já que o social chegou a ter 35 mil sócios (muitos deles atleticanos e coxas, rivais em Curitiba) e injetava muito dinheiro no futebol. O resultado foi a hegemonia nos anos 90, sendo pentacampeão paranaense e conseguindo jogar a Série A quatro anos após a fusão entre Colorado e Pinheiros. Era uma potência, na época, com o caixa bombando e o maior patrimônio de clubes do Brasil. Tudo para dar certo, em um projeto ousado e ambicioso.

Mas as más administrações resultaram no que é o Paraná nos dias atuais. E aqui cabe uma crítica a todos os presidentes que passaram e não olharam para frente. Queriam só títulos, taças e fotos oficiais junto ao elenco campeão para pendurar o quadro em alguma parede. Torraram dinheiro, dando bicho em dólar e contratando nomes badalados (Vanderlei Luxemburgo, no auge do Palmeiras, por exemplo, em 1995), e não projetaram o futuro. Poucos sabem, mas o elenco do penta, há 18 anos, levantou o caneco com três meses de salários atrasados. Sim, já naquela época.

O resultado está aí, com a terceira sede saindo das mãos do clube. Antes, o estádio do Britânia foi vendido a uma rede de hipermercado, ainda em 1997, por um valor irrisório, e a sub-sede do Tarumã foi a leilão em 2013, com a promessa de dar vida ao Paraná e, no fim, apenas R$ 5 milhões dos R$ 30 milhões entraram nos cofres.

Essa polêmica de vender outro patrimônio fez surgir pessoas ligadas ao clube no passado. Ex-diretores, presidentes, conselheiros e afins. Esses, que criticam a venda e falam que é o começo do fim, esquecem do que (não) fizeram na fase de bonança. Surgem agora querendo dar pitaco e falando para buscarem soluções viáveis que não seja a perda de um local, depois de terem a caneta na mão e nada terem feito. É um oportunismo puro e lamentável.

Portanto, é bom lembrar destes nomes presidenciáveis: Aramis Tissot, Darci Piana, Ocimar Bolicenho, Ernani Buchmann, Dilso Rossi, Enio Ribeiro, na época de ouro, pararam no tempo e se preocuparam apenas com o presente. José Carlos de Miranda, Aurival Correia, Aquilino Romani e Rubens Bohlen, já com dificuldades pelas gestões passadas, também possuem parcela de culpa por terem aumentado as dívidas. Todos, sem exceção, são culpados pelo retrato atual do “clube dos anos 2000”.

Apenas um terço da Kennedy continuará funcionando devido ao arrendamento para o Espaço Torres, firmado em 2012. Foto: Divulgação/Paraná

Desde 2008 na Série B, o time tricolor é a equipe que está há mais tempo na Segundona. E só lutou pela volta à elite do futebol brasileiro em 2013, perdendo para si. Os salários atrasados, recorrentes há oito anos, impediram o acesso que estava na mão. Clube, torcida, imprensa e rivais davam como certo. Mas o amadorismo, palavra que define as gestões tricolores desde sua fundação, predominou e machucou a torcida esperançosa que chegou a patrocinar a camisa no Campeonato Brasileiro. Esses torcedores que, a cada ano, estão mais cansados e distantes pelo sofrimento.

E agora?

Tudo isso relatado, agora, é parte da história. A venda da Kennedy, em dois terços de sua área, deixa uma mensagem clara. O “clube” no nome oficial é deixado de lado, com o Paraná passando a viver apenas de futebol. Tirando os salões sociais, que ficam no acordo de arrendamento por 20 anos — firmado em 2012 — com o Espaço Torres, o Tricolor volta seu foco ao time profissional e de categorias de base.

Apenas bailes e formaturas continuam no dia a dia da sede social paranista. Foto: Divulgação/Paraná

O que muitos sócios e torcedores devem estar pensando é: “Tá, e agora? Como que fica?”. Após a confirmação da aprovação da venda ontem, recebi inúmeros questionamentos do que será feito com o dinheiro. Seja no Twitter, no Facebook ou no Whatsapp. Então, resolvi vir aqui explicar, com base nas informações que escrevi em setembro e depois de algumas conversas nessas últimas horas com pessoas envolvidas no processo.

A prioridade, no momento, é aderir ao Profut — programa de refinanciamento das dívidas fiscais do Governo para ajudar aos clubes, sancionada em agosto. Na nova lei, o débito pode ser parcelados em até 240 meses, mas que, além dos benefícios, também possui contrapartidas, como salários em dia e rebaixamento no Campeonato Brasileiro em caso de descumprimento das condições propostas.

Durante as eleições, a chapa de situação chegou a dizer que entrar seria temerário na atual condição financeira, mas a informação de setembro se confirmou e o Conselho também aprovou a adesão nesta semana. O prazo para entregar toda a papelada já é agora em novembro. Uma luta contra o tempo. A ideia, após os trâmites, é de pagar tudo de uma vez só e à vista.

Outra atitude é também entrar no Ato Trabalhista. Aqui, o Paraná centraliza em uma conta judicial os pagamentos para diversos credores. Com essas duas responsabilidades, a diretoria conta com a liberação do dinheiro do antigo patrocinador: Caixa Econômica Federal (CEF), da qual recebeu apenas R$ 900 mil dos R$ 2 milhões previstos no contrato. Assim, já quitaria a dívida com o INSS e FGTS. Existe dinheiro da TV, detentora das direitos, bloqueado e também seria liberado, entre outros valores “menores”.

É claro que, todo esse projeto alinhado pela direção, passa pelo valor que a Kennedy será vendida de fato. A expectativa da diretoria é receber entre R$ 90 e R$ 100 milhões com a venda da principal sede social. Apesar de ninguém confirmar oficialmente e despistar, existe um comprador há um mês e que ainda não teve o nome revelado. Até porque a urgência da venda é grande e o time paranaense esperar concluir a negociação antes do fim de 2015. Por isso está planejando essa ação há algum tempo e parte desse projeto, inclusive, foi apresentado aos conselheiros para obter a aprovação para vender, com dor, mais um patrimônio.

A torcida, em sua maioria, conseguiu o queria: foco apenas no futebol. Foto: Divulgação/Paraná

Com esse montante, a cúpula espera utilizar R$ 50 milhões para aliviar o problema financeiro atual e fazer o clube girar com certa tranquilidade: R$ 15 milhões para dívidas trabalhistas, R$ 5 milhões de dívidas cíveis e R$ 30 milhões em dívidas tributárias. Deixar, dessa forma, o Paraná viável para ser tocado a partir de 2016.

Uma comissão independente, sem participação de integrantes da diretoria, será formada para administrar os recursos obtidos com a venda da Kennedy. Tudo que sair para pagamento passa pela aprovação do Conselho para depois ser utilizada no interesse proposto. Além disso, assim como prometido na campanha, a cúpula vai abrir aos sócios toda a situação. A primeira apresentação de transparência acontece no dia 9 de novembro, às 19h30.

Tendo o débito negociado, o clube paranaense quer centralizar todo o futebol no Centro de Treinamento em Quatro Barras, no Ninho da Gralha, gastando aproximadamente R$ 2 milhões com hotel e reforma na infraestrutura. O investidor é Carlos Werner, empresário que é o atual superintendente das categorias de base e já injeta dinheiro desde 2014. No momento, o futebol profissional treina no CT Racco, no Caiuá, e essa parceria — inclusive com o nome da empresa — será transferida para o Ninho.

Já a sede social do Boqueirão também tem um destino pronto. O Paraná tem um investidor apalavrado para arrendar a parte da frente, colocando uma cancha de futebol de salão e outra de futebol de areia — ao lado da Vila Olímpica. O arrendamento seria usado depois das 18h por terceiros nos próximos dois anos, com pagamento de aluguel. Antes deste horário, os locais serão usados por escolinhas e categoria de base. Atualmente, o local está abandonado e sequer o mato por toda a sede é aparado.

Sobre o atual elenco e seu futuro, sei que algumas pessoas já estão trabalhando para negociar renovações e contratações. Vavá, mais uma vez, será o principal responsável pela montagem — o que aqui já considero um erro. Já é novembro e sequer técnico tem, com nomes preferidos empregados e lutando pelo acesso. É preciso ter muito cuidado na promessa para o ano que vem, pois falar em título paranaense e acesso para depois montar três times em 11 meses é um absurdo. Que o planejamento seja adequado, até por não poder mais brincar com gastos. Obviamente, o dinheiro da venda também será destinado ao grupo que será formado para as disputas das competições.

Recado final

A torcida é a esperança do Paraná ainda ter um futuro. Foto: Giuliano Gomes/PR PRess

É claro que perder um patrimônio é um sinal triste e nenhum torcedor considera isso positivo. Entretanto, dentro das circunstâncias atuais, é o que precisa ser feito. O imóvel ia a leilão, bem provavelmente ainda em 2015, com o valor podendo cair para 30% no arremate.

Conhecendo os bastidores do Paraná, digo com total certeza de que, se essa venda não fosse aprovada, a torcida tricolor teria que procurar outro time para torcer em um futuro muito próximo. Em um ou dois anos. Ou buscar outro esporte para se apaixonar, já que ninguém torceria para alguém da dupla AtleTiba, acredito eu.

Vender a Kennedy é questão de sobrevivência, por mais duro seja para você, paranista, ler isso. Cabe ao presidente eleito, Leonardo Oliveira, sua diretoria, seus Conselhos e os sócios olharem para esse momento como ressurgimento de um clube que já foi forte. E, principalmente, que sejam competentes e profissionais acima de tudo, porque com amor de torcedor não se brinca. Não mais que todos que passaram já brincaram com eles. Boa sorte e vida longa, Paraná!

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Guilherme Moreira ⚽️

Jornalista | Sócio da PGTM Comunicação | Repórter GloboEsporte.com | Passagens por Lance!, Terra, Tribuna do PR e Gazeta do Povo| Respeita minha história