Volta à Série A é o resgate da geração paranista sofrida que prometia ser vitoriosa
Como diz no nosso hino, “Paraná já nasceste gigante”. A torcida paranista cresceu mal acostumada. Logo em sua primeira década, o time foi soberano em títulos no Estado e era regular na elite do futebol brasileiro. E a promessa era ser o “clube dos anos 2000”. A expectativa era enorme, mas logo essa geração que prometia ser ainda mais vitoriosa é a mais sofrida e o acesso à Série A, após dez anos, é uma tentativa de resgatar quem não viu o que o Tricolor já foi.
No dia 19 de dezembro de 1989, em uma fusão de Colorado (torcida) e Pinheiros (patrimônio), nascia o Paraná Clube. Era uma receita bem plausível de sucesso na época, juntando o futebol e o social. No primeiro ano, acesso da Série C para a B. Em 91, o primeiro título paranaense. No ano seguinte, o título da Série B. A partir de 1993, Série A e mais um título paranaense. E assim foi até 1997, na conquista do pentacampeonato estadual. Um período em que ganhar o “Ruralzão” era valorizado. De uns anos para cá, passaram a desvalorizá-lo, mas sabemos que é o único título plausível na agenda anual dos times paranaenses. Pode mudar, mas tem sido assim.
Paralelo a isso, o clube paranaense fazia boas campanhas no Campeonato Brasileiro e incomodava os grandes na Copa do Brasil, caindo nas quartas de final para Corinthians e Palmeiras, em 95 e 96, respectivamente. Em 95, aliás, em um sinal de ‘poder’, trouxe o técnico bicampeão brasileiro, Vanderlei Luxemburgo, pelo Palmeiras, para comandar a equipe no Brasileirão após passagem curta e sem brilho no Flamengo. Algo que fatalmente nenhum time de Curitiba teria condição de fazer nos dias atuais.
Continuando, após uma fórmula meio louca, de média de pontos de dois campeonatos (98–99), o Paraná acabou rebaixado em 1999. No ano seguinte, com muita confusão e reviravoltas nos bastidores, os clubes criaram a Copa João Havelange e o time paranaense acabou mesmo na segunda divisão, apesar de resgatarem equipes de outras divisões para a elite. Com Geninho no comando, a equipe foi campeã do Módulo Amarelo em cima do São Caetano e caiu nas quartas de final para o campeão Vasco da Gama de Romário — só não passou por ter sido muito prejudicada em São Januário. Normal na época.
Bicampeão da B e novamente na elite, após um ano fora e provando onde era o seu lugar, o Tricolor chegava no século novo e não imaginava o que iria acontecer. Na década que prometia ser ainda mais sua, por ser um clube teoricamente rico e organizado, o Paraná se perdeu. Um novo título só aconteceu em 2006, diante da Adap. No mesmo ano, uma histórica campanha na Série A, com o quinto lugar, e vaga para a Libertadores. Certamente o ano mais glorioso, que já foi relatado aqui em uma homenagem ao falecido e ídolo Caio Júnior. E também o último. No ano seguinte, perdeu o bicampeonato em casa para o Paranavaí e foi rebaixado no Brasileiro.
E aqui entra o exercício de cada um em sua mente. Particularmente, tenho lapsos e algumas memórias futebolísticas a partir dos meus 4 anos no estádio ou pela televisão. Mas, de fato e realmente, eu começo a recordar de algo específico com detalhes só a partir de 1994, quando eu tinha 7 anos. Ou seja, me lembro bem da campanha do Brasil na conquista do tetracampeonato mundial. Sei os lugares em que vi cada jogo, tenho memórias das sensações em lances específicos, como o desespero com a expulsão do Leonardo frente aos EUA e o gol do Branco, de falta, diante da Holanda. A final, na casa da minha tia Jucy, então, nem se fala. Toda família reunida, a exceção do meu pai, que viajava e escutou o tetra do rádio, parando o carro na rua e se ajoelhando no asfalto para agradecer a Deus pela quarta estrela. Eu era uma criança ainda, mas sabia o que aquilo significava e, mesmo sem saber como era bom comemorar isso tudo com uma cervejinha junto, vivi aquele momento.
Por ser um clube novo e nascendo pouco depois de mim, eu vi todos os títulos e alegrias do Tricolor. Lembro do gol do Ednelson ao lado do meu pai e tio Miguel, além da galera invadindo o gramado do Couto em 91. Me recordo do churrasco em casa para ver o gol do Saulo pela TV contra o Vitória em 92. No outro ano, os lapsos são do gol do Tico de cabeça por ter sido na curva atrás do gol, onde eu estava com meu pai, e da Vila lotada. Mas foi em 94, no bi na Vila Olímpica, que lembro de tudo no dia. Desde a ida de carro, a caminhada a pé, todo o andamento do jogo, até a carreata na Marechal com maior festa na rua. E continuou no tri, tetra, penta, bi nacional, a quebra de jejum de nove anos em 2006 e a boa campanha na Liberta.
Com essa contextualização acima, quero dizer que quem nasceu no final dos anos 90 e início de 2000 pouco se recorda do que era o Paraná nos tempos áureos. Ele imagina pelo o que a geração passada fala, pelos vídeos, fotos, mas não sabe o que é. Esse pessoal não teve o gosto de aproveitar aquele dia e contar detalhadamente a história para seus amigos. E isso é bom demais. Conversando com uma amiga paranista (oi Talita), que é dessa geração citada, quando o time encarava o Atlético-MG pelas oitavas da Copa do Brasil, ela me disse que o único “título” que ela viu foi da vergonhosa Divisão de Acesso do Paranaense, em 2012, no capítulo mais triste da história azul, vermelha e branca. Isso que me motivou a escrever esse texto, inclusive.
A tendência, torcedor, por mais que você esteja feliz agora, é que o Tricolor lute contra o rebaixamento e se manter é um troféu. Das 48 equipes que subiram da série B pra série A entre 2003 e 2016, na era dos pontos corridos, apenas 12 clubes superaram os três anos consecutivos de permanência. Desses, quatro são considerados médios: Bahia, Coritiba, Atlético-PR e Sport. Os outros sete são os grandes do futebol. A única fora da curva é a Chapecoense que, para quem me conhece, sabe que eu falo que é o Paraná da década de 90. Há muita semelhança: domina o Estado, faz times com os pés no chão e mais fica no meio da tabela do que luta contra a queda. E ainda dificulta para os clubes maiores, até com goleadas em casa.
Os desafios, a partir de agora, são enormes. O gigante trabalho do marketing neste ano precisa ser ainda melhor no ano que vem, tentando fidelizar essa média de 10 mil torcedores desta Série B. A diretoria, agora com mais poder financeiro, diante de um salto de cota de televisão no Brasileiro de R$ 5,2 milhões para R$ 23 milhões, não pode se deslumbrar e tem que montar um elenco coeso a nível de Série A, como fez em 2017 na B e cansou de fazer antigamente até sua última queda. Mesmo que caia, um ano na elite é melhor que um na segunda divisão. Por outro lado, o mínimo que se espera é voltar a entrar forte na busca de um título estadual. É inadmissível não chegar sequer a uma final em 10 anos — jogou a semifinal deste ano após oito anos. É dar um gosto para a torcida voltar a se acostumar com grandes jogos. É chegar em 2019, se voltar para a Série B, e lutar pela ponta da tabela de novo. E, quando subir mais uma vez, trabalhar e trabalhar até conseguir se manter. É planejar o clube a médio e longo prazo. Profissionalizar o máximo possível. Tem que aproveitar esse momento. É saber qual o tamanho do clube agora e não tem demérito nenhum admitir que os rivais estão num patamar acima — e a direção atual parece finalmente entender isso. Assim, as aparições na elite serão mais frequentes e não esporádicas.
Essa volta à Série A, após dez anos sofridos, sem protagonismo sequer no Estadual, já que não chega à uma final desde 2007, é uma luz para esses torcedores que não tiveram a oportunidade de ver a grandeza paranista. A torcida que colocou mais de 50 mil pessoas na final da Copa Sul frente ao Grêmio, em 99, no Pinheirão, local que também recebeu grandes jogos e públicos até 2006. A mesma que tinha ótimas presenças no Couto. Essa que colocou 39.414 mil pessoas e bateu o recorde de público da Arena da Baixada contra o Inter e o recorde do Couto Pereira após a reforma, com mais de 37 mil torcedores diante do Boa Esporte, ambos pela Série B deste ano.
É claro que é a menor das três na capital, mas o torcedor estava aí. Em algum lugar, com o orgulho ferido por tanto descaso das direções que, lá atrás, no tempo de glória, não visualizaram de fato o “clube dos anos 2000”. Esses se contentaram com os títulos, tomaram decisões estratégicas erradas e afundaram um Paraná próspero, que não conseguia se reerguer com outras diretorias também pífias.
Essa geração sofrida merece ver o que o Paraná já foi. Ela tem que ir para um clássico já sabendo da vitória, seja onde for, apenas para saber de quanto será. Esse pessoal precisa saber o que é brincar com os amigos adversários e falar que os rivais de verdade eram os times fora daqui, porque no Estado era soberano. Essa juventude merece ver novos Saulos, Ricardinhos, Adoílsons, Régis, Ageus, Claudinhos, Hélcios, Serginhos, Lúcios, Marcos, etc surgindo e virando ídolos deles. Não só conhecendo as referências antigas vindo jogar aqui em final de carreira com a camisa azul, vermelha e branca. Eles precisam conhecer o que era o Tricolor quando “deixavam chegar”. Que aquele gol no último minuto que tanto aconteceu nos anos anteriores era de alegria e não de tristeza — até nas derrotas, como o gol de cabeça do Fernando Miguel no finalzinho contra o Coxa no Couto, em 2002. Que aquele golaço do Renatinho no último minuto contra o Londrina na Vila lotada é o Paraná Clube. Ali subimos.
Essa geração merece ser feliz e chata como fomos. E a geração antiga clama pelo fim do sofrimento. Ela quer tudo isso de novo. A torcida, que antes de todos os dirigentes, entendeu que o passado glorioso não vai acontecer da noite para o dia, mas ela precisava ver a semente plantada ali. Ter esperança no futuro.
Neste 18 de novembro, as duas gerações se encontraram, se abraçaram e choraram juntas a volta à Série A após uma década. E como se abraçaram. E como choraram. Só nós sabemos o quanto esperamos para cantar de novo: “Ô, ô, ô SEGUNDA É O CARALHO!”. E como foi gostoso ficar sem voz no outro dia de tanto berrar.
Um retorno abençoado por Caio Júnior que, lá do céu após um ano de sua morte, também tinha o desejo de ver esse clube tão grande na Série A de novo. O pedido dele e de todos os paranistas foi atendido. O Paraná, finalmente, voltou!