Memórias póstumas

Gustavo Jitsuchaku
5 min readJun 22, 2019

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É possível escrever uma biografia sobre si mesmo, ainda que muito não aconteceu? Segundo uma amiga de trabalho, sim: "Fazemos isso todas as noites antes de dormir, quando permitimos nossa mente viajar e compor as histórias de como uma realidade poderia existir, e como agimos diante das possibilidades que inventamos".

As vezes quando faço isso, minhas histórias envolvem as conversas que teria num futuro com meus filhos(que acho que nem conheço a mãe deles ainda). Em como educa-los para que eles possam ser justos, honestos, empáticos e relevantes dentro de seus próprios limites. Afinal, eu é que não vou querer por uma pressão sobre quem eles devem agradar. Mas como posso ajuda-los a pensarem por si próprios e não se colocarem debaixo de um auto julgamento, coisa que descobri que tinha, numa sessão de terapia: eu não tive uma cobrança dos meus pais para ser alguém ou comparar-me com outra pessoa. Descobri que eu mesmo fui capaz de fazer isso ao longo da vida, ou seja, sou um bom sabotador de mim mesmo. O que claramente pode gerar um ansiedade desnecessária como você pode perceber.

Ansiedade não é um sentimento incentivado, mas combatido dentro cosmovisão de fé que sigo, (em outros termos é a famosa: "minha religião não permite"), que afirma que o sentimento é uma desconfiança ou afirmação de que Deus não é capaz ou não sabe o que está fazendo. Então ter medo de um futuro é supor que o que está por vir não é só imprevisto, mas também incerto. Criando esse desespero pra imaginar que o pior está para vir e apenas serve para o acaso e não um plano decidido. Polêmicas a parte entre religiosos e não-religiosos, inclusive entre os conflitos de dogmas, a dor aqui está que a ansiedade é o mal por trás de fazermos usar da imaginação pra construir novas narrativas pra nossas biografias, enquanto estamos deitado no escuro, em nossas camas.

Não que haja um mal em imaginar coisas diferentes, afinal é pra isso que existe a fantasia. No entanto, independente das convicções de fé ou não-fé, a ansiedade é uma mudança de foco no que se pode valorizar. Afinal, eu posso contar minha biografia ainda que eu não tenha vivido toda ela? Estou valorizando mais o final dessa história toda ou processo todo? A exemplo disso, tentei encontrar as razões do meu desejo de conhecimento, e acabei narrando o processo até aqui (e você pode ler sobre isso aqui), percebendo que existe um caminho que deve ser valorizado mais que o fim, afinal se o fim é algo certo para todos, o meio parece importar mais.

Com esse período todo de 3 décadas sendo desenvolvido, aprendendo, evoluindo, errando, tentando evitar erros, conhecendo, desconhecendo, parece a narrativa que gostaria que tivesse acontecido seria tão diferente apenas pelas razões de que eu só consegui desejar diferente exatamente por elas existirem. Ficou confuso eu sei. Como todo texto aqui que escrevo é uma divagação e não um discurso praticado, vou voltar e escrever de forma diferente: Eu errei em uma determinada situação, aprendi com o erro, e desejaria voltar e não errar. Mas se eu voltar para essa tal situação e não errar, como poderia eu ter aprendido que eu deveria mudar de escolha? Entende? Paradoxo da viagem no tempo. Não posso mudar o passado, mas se pudesse, eu mudaria a mim mesmo no presente.

Essa discussão sobre o passado e aprender com esse erros me faz pensar então sobre o futuro. E aí? Posso escrever a biografia daqui pra frente e usar como desculpa a palavra planejamento? Fácil, tudo que eu decidir eu acho que pode acontecer apenas com baixa previsão. A exemplo de dois amigos de alguns uns anos atrás que planejavam ingressar no curso de engenharia. Eles usaram o mesmo discurso(mesmo sem eles se conhecerem), apenas pelo mesmo perfil. "Ah, entro na faculdade com 19 anos, com 22 anos consigo meu estágio, saio da faculdade com 24 anos, já ganhando 3k, e em 2 anos de carreira já estou tirando meus 5k, fácil assim". Gosto desses alunos esperançosos que realmente acreditam na facilidade da vida adulta. Obviamente o plano deles não aconteceram no mesmo prazo que imaginaram pra eles, não na mesma facilidade que imaginaram. Conseguiram avançar, com os fracassos das escolhas e as alternativas que surgiam. E souberam que a existe sim uma diferença entre narrar a própria vida e planejar.

Eu consigo até planejar minha carreira, a exemplo, planejo aos 40 anos, daqui 10 anos no caso, estar numa área bem diferente da minha carreira atual. Já tenho algumas tarefas e objetivos traçados e estou buscando. No entanto não parece da esfera de planejamento outras áreas de vida que parecem depender mais do universo e das condições climáticas do que de mim mesmo. Até onde eu consigo estabelecer as regras do jogo sobre minha vida, sem parecer desesperado em acertar, sem parecer ansioso se não se cumprir os requisitos?
E quanto aos requisitos, eu posso estabelecer sem precisar me apegar tanto, que se o universo não permitir, eu não me frustraria?

Não sei se o que Brás Cubas pensava em sua memórias poderiam ser apenas devaneios, (como algo já marcado na literatura do Machado de Assis), pra poder recontar sua história da forma que soaria melhor, ou podem se considerar que sua percepção era confiável. Talvez, diferente de Bentinho, até podem ser aceitáveis, afinal, quem narra com imaginação, desgraças? Quem sonha com contra-tempos?

Espero que as memórias da minha biografia, de um futuro que ainda não aconteceu sejam apegadas uma realidade tangível e compatível com a quantidade de esforço e sacrifício que eu esteja disposto a aceitar. Do contrário, seriam uma forma de eu mesmo me permitir cair em ilusões, me sabotando. Mas se não for, se forem apenas fantasias, está tudo bem. Fantasias são permitidas, contanto que não te destrua.

Esse texto faz parte do um projeto do blog pessoal, onde intento construir um narrativa dos pensamentos e reflexões, além de logs do que ando aprendendo. Você pode curtir(claps no Medium), comentar e dar feedback.
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