O Teatro dos Sonhos se curva perante Lucas Moura

agosto de 2018

HDL
3 min readApr 30, 2019

Publicado originalmente no ESPN FC

A falta de contratações para a temporada dos Spurs era um fantasma. Não por pouco, já que alguns nomes importantes pareciam estar de saída e o ataque não tinha muita profundidade. Alderweireld e Dembélé, principalmente, foram mantidos — o primeiro temor estava resolvido. E para ajudar Harry Kane? O galã Llorente pouco colaborava, bem como o emprestável Janssen. Outro jogador de frente, Heung-Min Son, tem perseguido a sua liberdade nos Jogos Asiáticos.

Em meio a essa enxurrada de tópicos, um homem trabalhava em silêncio. Muitos viram-no crescer e, depois, sucumbir. Poucos, porém, acompanharam seu esforço para mostrar, mais uma vez, do que é capaz. E ele vem comprovando que deve, sim, ser tratado como um dos grandes nomes da equipe no ano.

Buscando ressurgir no cenário mundial, Lucas Moura está no norte de Londres desde janeiro de 2018. Pouco tempo depois de sua chegada, firma-se como uma peça fundamental no time, mostrando que suas ambições jamais foram somente devaneios. O atacante brilhou e, em meio a dribles e corridas incansáveis, marcou os dois gols que sacramentaram a goleada dos Spurs diante do Manchester United, por 3x0.

Há oito meses, Lucas estava escanteado no PSG — e ele escolheu o melhor cenário possível para provar que isso foi um enorme erro. No Teatro dos Sonhos, poucos momentos serão tão quiméricos quanto o que vimos nesta segunda.

Maurício Pochettino alterou o esquema para a partida na noite de segunda e tornou-se um grande protagonista do resultado. Com um 4–1–3–2, reforçou o meio de campo com a entrada de Dembélé e apostou numa linha de quatro composta, surpreendentemente, pelo quase esquecido Danny Rose, na esquerda. O losango no meio deu consistência ao setor, mas enfraqueceu o time ofensivamente, que pouco criou na primeira etapa. Nas chances que teve, faltou frieza: Dele Alli demorou para finalizar e viu a melhor oportunidade do tempo ser afastada por Smalling. Depois, o mesmo Dele optou por uma finalização mesmo tendo Lucas livre na pequena área. Para o segundo tempo, a postura não poderia ser a mesma.

O setor de ataque, formado por Kane e Lucas, foi o único não modificado por Pochettino para a partida. Os dois foram importantíssimos na segunda etapa e, bem como no último jogo, contra o Fulham, participaram diretamente do resultado. Nada daquela previsível derrota por 1x0, em que o time de Mourinho marca um gol num lance isolado e fecha-se para garantir o placar: depois do primeiro gol, em cabeçada de Kane, bastaram 133 segundos para Lucas ampliar a vantagem. Os Spurs encontraram sua dupla de ataque, e a equipe comandada pelo desdenhoso português é somente a segunda vítima.

Por vezes, Kane tem recuado para participar da construção ofensiva, com Lucas explorando — e desestabilizando — as costas da defesa adversária. A movimentação é parecida com a exercida pela Inglaterra durante a Copa do Mundo, só que, na Rússia, a dupla de Kane era Sterling — e o baixinho inglês é incrivelmente inofensivo na frente do gol. O brasileiro, ainda que acostumado em atuar na ponta direita, mostrou-se adaptado ao seu novo papel em campo. Os números provam a eficiência: nos últimos dois jogos, foram cinco gols da dupla. Engana-se quem pensa que o ganho é somente na fase ofensiva. Lucas é incansável, e usa de sua velocidade para pressionar a saída de bola do adversário, ocasionando, além de balões, muitas retomadas de posse.

Os dois gols marcados por Lucas Moura evidenciam padrões no Tottenham. O primeiro surgiu de uma troca de passes, pela direita, entre Trippier e Eriksen, com Moura finalizando na entrada da área — parecido com o gol do brasileiro contra o Fulham. No segundo, a movimentação à la Southgate apareceu: Kane saiu da referência para receber a bola, abrindo espaço para Lucas destroçar Smalling e chutar com força, no canto. Impecável na velocidade e no drible, Lucas complementa o que Kane, por mais completo que seja, não tem. Agora, os adversários pensarão duas vezes ao se abrirem visando ao ataque.

Silenciar o Old Trafford não é para qualquer um. E golear um time de Mourinho em casa? É, literalmente, para só um: o Tottenham foi o único na história a ganhar por três ou mais gols nessas condições. Nem o Barcelona de Pep Guardiola, nem o Milan de Carlo Ancelotti. E isso só ocorreu por causa de um brasileiro.

Há quem diga que Lucas Moura só corre. Eu tenho pena destes: ele vai muito além. Lucas briga, dribla, passa e finaliza. Mais que isso, Lucas reacende a esperança de título nos Spurs.

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