Covid-19: vulnerabilidades dos domicílios dos alunos de uma instituição de ensino do norte de Minas Gerais

Hélder Seixas Lima
6 min readMar 31, 2020

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O mundo está em alerta diante da pandemia provocada pela Covid-19. A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomendou restrições de contato social como uma das medidas para evitar a rápida proliferação do coronavírus. No entanto, o Presidente da República Jair Bolsonaro, em recente pronunciamento na TV, sugeriu que o país deva adotar medidas menos restritivas ao contato social para evitar danos à economia. Após essa fala do presidente o país passou a debater diferentes estratégias para o enfrentamento da pandemia.

É importante destacar que a maioria dos óbitos provocados pela Covid-19 envolve um grupo de risco bem definido: idosos ou pessoas portadoras de enfermidades como doença cardiovascular, diabetes, doença respiratória crônica, hipertensão e câncer. O termo isolamento vertical tem sido empregado para definir política de isolar apenas as pessoas que se enquadram no grupo de risco. Já o termo isolamento horizontal tem sido adotado para definir restrição mais rigorosa de contato social, prevendo suspensão de aulas e atividades econômicas não essenciais. Entende-se como atividades econômicas essenciais os serviços médicos, polícia, bombeiros, supermercados, farmácias, postos de gasolina entre outros.

Proponho neste texto uma análise da vulnerabilidade dos domicílios dos alunos de uma instituição de ensino à Covid-19. Neste estudo, considera-se que um domicílio é vulnerável à Covid-19 quando possui algum morador do grupo de risco e está exposto a algum vetor de transmissão da doença.

Os vetores de transmissão considerados nesta análise são estudantes, trabalhadores de serviços essenciais e trabalhadores informais. Os estudantes são um tipo clássico de vetor de doenças contagiosas, principalmente por frequentarem ambientes aglomerados como salas de aula. Os trabalhadores dos serviços essenciais, mesmo em uma situação de isolamento horizontal, precisarão continuar trabalhando e circulando pela cidade, o que os caracterizam como um potencial vetor de transmissão. Por sua vez, os trabalhadores informais e autônomos, por não possuírem direitos trabalhistas assegurados e nem garantia de renda, consistem em um público que sofre mais pressão para continuar trabalhando durante o surto de uma doença.

Três cenários foram analisados: (i) isolamento vertical, (ii) isolamento horizontal sem ajuda financeira aos trabalhadores informais e (iii) isolamento horizontal com ajuda financeira aos trabalhadores informais. O objetivo deste trabalho é contribuir com os gestores públicos, em especial os gestores educacionais, sobre quais estratégias mais adequadas para reduzir a vulnerabilidade dos domicílios dos estudantes.

Nas seções seguintes são apresentados estudo de caso, amostra de dados, análise da vulnerabilidade dos domicílios nos 3 cenários estudados, limitações deste estudo e, por fim, as considerações finais.

Estudo de caso

O Instituto Federal de Educação do Norte de Minas Gerais (IFNMG) é o estudo de caso considerado neste trabalho. Trata-se de uma instituição de ensino de nível técnico e superior com campi em diversas cidades do norte de Minas Gerais. O IFNMG possui cerca de 10 mil alunos matriculados em cursos presenciais.

Amostra de dados

Os dados considerados neste estudo foram fornecidos voluntariamente por 677 alunos do IFNMG por meio de questionário on-line que solicitava informações sobre os moradores de seus domicílios. Informações sobre faixa etária dos moradores, doenças preexistentes dos moradores, número de estudantes, número de trabalhadores de serviços essenciais e número de trabalhadores informais que vivem no domicílio foram levantadas. Antes de qualquer análise os dados passaram por processo de limpeza removendo respostas duplicadas e inconsistentes. O período da coleta foi de 26 à 28 de março de 2020.

Em síntese, os domicílios são formados em média por 4,40 moradores, sendo que 75% dos domicílios possuem até 5 pessoas. Alguns domicílios possuem um número excessivo de moradores, chegando até 25 pessoas em um único domicílio, pois, há estudantes que moram em alojamentos, pensionatos e repúblicas.

Um total 143 domicílios possuem moradores idosos (pessoas com 60 ou mais anos) e 308 domicílios possuem moradores portadores de enfermidades de risco à Covid-19. No total 51% dos domicílios possuem algum morador do grupo de risco da doença.

Figura 1: Proporção de domicílios de alunos do IFNMG com moradores idosos
Figura 2: Proporção de domicílios de alunos do IFNMG com moradores portadores de enfermidade de risco à Covid-19
Figura 3: Proporção de domicílios de alunos do IFNMG com moradores que pertencem ao grupo de risco da Covid-19

Obviamente, por se tratar de um contexto educacional, todos os domicílios possuem estudantes. Em relação aos demais potenciais vetores de transmissão do coronavírus, 32% dos domicílios possuem trabalhador de serviço essencial e 44% dos domicílios possuem trabalhador informal.

Figura 4: Proporção de domicílios de alunos do IFNMG com potenciais vetores de transmissão da Covid-19 (Os potenciais vetores de transmissão considerados são estudantes, trabalhadores de serviço essencial e trabalhadores informais)

Análise da vulnerabilidade dos domicílios à Covid-19

Após verificar os domicílios com moradores do grupo de risco e domicílios com moradores que são potenciais vetores de transmissão da doença, é possível analisar a proporção de domicílios vulneráveis em diferentes cenários.

Cenário 1: isolamento vertical

Em um primeiro cenário, onde seria realizado isolamento vertical, todos os domicílios dos estudantes que possuem moradores no grupo de risco estariam vulneráveis, pois, como não haveria suspensão das aulas os estudantes seriam potenciais vetores de transmissão da doença.

Cenário 2: isolamento horizontal sem apoio financeiro aos trabalhadores informais

Neste cenário haveria suspensão das aulas e medidas mais rígidas para controlar o contato social das pessoas, mas, sem apoio financeiro por parte do governo aos trabalhadores informais presume-se que essas pessoas seriam pressionadas a continuar suas atividades profissionais a fim de garantir recursos para sua subsistência. Isso implicaria que 35% dos domicílios dos estudantes continuariam vulneráveis.

Cenário 3: isolamento horizontal com apoio financeiro aos trabalhadores informais

Este cenário teria o mesmo rigor de controle social que no Cenário 2, entretanto, considera que o governo daria apoio financeiro aos trabalhadores informais. Com isso, os dois principais vetores de contaminação seriam isolados: estudantes e trabalhadores informais. O resultado é que apenas 16% dos domicílios estariam vulneráveis.

Figura 5: Domicílios de alunos do IFNMG vulneráveis à Covid-19 considerando 3 cenários diferentes

Limitações

Neste estudo os dados foram autodeclarados pelos estudantes do IFNMG e não houve conferência documental das informações prestadas. As respostas foram colhidas por meio on-line, o que pode implicar viés para os alunos que possuem acesso à Internet. Também pode haver informações duplicadas de um mesmo domicílio, dado que pode haver estudantes que residem em um mesmo domicílio.

Considerações finais

Caso seja considerado cenário com isolamento vertical, observa-se que 51% dos domicílios dos estudantes do IFNMG estariam vulneráveis à vetores de transmissão da Covid-19 à pessoas que compõem o grupo de risco da doença. A medida de suspensão das aulas restringe parte considerável dos potenciais transmissores da doença, entretanto, as pessoas do grupo de risco ainda estariam expostas a outro vetor de transmissão que seria os trabalhadores informais e autônomos que precisariam continuar trabalhando para obter renda. Adotando política de suspensão das aulas e apoio financeiro aos trabalhadores informais é possível reduzir em 68% os domicílios vulneráveis, isso comparado à política de isolamento vertical. Não é possível zerar o número de domicílios vulneráveis, pois, mesmo no cenário mais rigoroso de restrição do contato social, 16% dos domicílios contam com trabalhadores de serviços essenciais que não podem parar.

Espera-se que os resultados obtidos neste estudo contribuam para o debate sobre estratégias para enfrentamento da pandemia. No âmbito do IFNMG, a suspensão das aulas e uma política de apoio financeiro aos trabalhadores informais por parte do governo se mostram significativas para redução da exposição das pessoas do grupo de risco à Covid-19. Os resultados podem variar para outras instituições de ensino, devido as características de cada região e perfil das famílias dos estudantes. Entretanto, a metodologia aqui apresentada pode ser aplicada amplamente.

Este texto apresenta resultados preliminares de uma pesquisa em andamento. Qualquer crítica e sugestão são bem vindas.

Downloads

Para baixar a base de dados e scripts R utilizados nesta publicação, clique aqui.

Agradecimentos

Agradeço a todos as pessoas que responderam ao questionário e contribuíram imensamente para realização deste estudo. Também agradeço a todos os colegas que ajudaram na divulgação, o que nos permitiu alcançarmos o maior número possível de alunos. Por fim, agradeço especialmente ao Petrônio Silva pelas dicas sempre pertinentes. :)

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