Por que gostei de Golda

Heloisa Pait
3 min readSep 8, 2023

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Resenha do filme Golda, de Guy Nattiv, o primeiro filme de guerra que vi.

Golda mistura filmagens de época com cenas de estúdio de um modo claro e honesto e ao mesmo tempo “seamless”. (Li que não é tão claro assim, mas enfim, seamless no mínimo.)

Anwar Sadat with Golda Meir and Shimon Peres in the Knesset. (Ya’acov Sa’ar/GPO) via The Times of Israel
Anwar Sadat with Golda Meir and Shimon Peres in the Knesset. (Ya’acov Sa’ar/GPO) via The Times of Israel

O filme não idolatra a líder, nem achincalha. Não aumenta nem diminui. Às vezes serena, às vezes nervosa, humana ou fria, como todos nós, com altos e baixos, entre o dever e a dor pessoal. O nariz não caiu mal. Acho que o problema de nariz é quando o ator é ruim e o protético é pior. Não é o caso. Um rostinho mais bonitinho não teria convencido, era preciso envelhecê-la mesmo.

O filme mostra a complexidade das decisões de guerra, o hubris dos generais, num país tão, tão jovem ainda. Em 1973, eram apenas 25 anos de existência. Let that sink in.

Pra mim, foi o primeiro filme de guerra que vi. Os outros eram um monte de gritos e explosões incompreensíveis. Esse, da sala de guerra, uma espécie de bunker no meio de Tel Aviv (acho), dá a visão geral, vai mostrando mapas, ligações telefônicas do front, então dá pra entender o que está acontecendo belicamente e também emocionalmente. A voz do soldado ao longe é mais impactante que uma explosão de história em quadrinhos toda trabalhada no efeito especial. Isso é o principal. Você se sente como espectador de dentro do comando de guerra, tendo visões fragmentadas mas que fazem sentido, inclusive porque os generais explicam para a primeira ministra.

Nos outros filmes ditos de guerra se assume que você tem alguma idéia do que está acontecendo e onde, ou não se importa com isso. Todo mundo é onisciente, nem os soldados nem os generais precisam de explicação, só machamente urram palavrões. Queria desver esses filmes todos. Incluindo Apocalipse Now.

Sobre aquele outro filme de um líder no fim de uma guerra, que vi recentemente, teve o fim que mereceu, com uma cena ridícula servindo de meme em looping. Espero que apenas o cableman tenha tido uma boa carreira depois do que nunca deveria ter sido filmado, quanto mais daquele modo adulador.

One last comment: Golda realmente encurralou todo mundo, como meu irmão comentou outro dia, Kissinger e os russos, e quem entendeu foi o Sadat. Por quem ao final temos simpatia. Uma pena o seu assassinato, em 1981, e o filme acaba sendo também, ao menos para mim, uma homenagem à sua humanidade, ao seu hubris, mas também à sua inteligência e reflexão diante de um quadro complexo e indefinido.

One very last comment (está parecendo Monty Python): Num momento em que nos perguntamos por que lutar tanto, por que não entregar os pontos e amar o Grande Irmão como todo mundo faz, Golda aparece nos dizendo que há batalhas ganhas e perdidas, pequenas e grandes, e que com serenidade é preciso se manter no prumo, pois não é verdade que não valham a pena. Valem, ainda que nem sempre tenham sucesso.

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Heloisa Pait

Professora de sociologia, pesquisa o papel dos meios de comunicação na construção da esfera pública. Publicou contos em revistas brasileiras e americanas.