Quadra é a comprovação de que o Sepultura está revivendo o seu ápice criativo

henrique salmaso
3 min readFeb 16, 2020

Felizmente, o Sepultura lança álbuns com uma frequência agradabilíssima. Depois do ótimo Machine Messiah, de 2017, a banda está de volta com Quadra. Enquanto os fãs, as “viúvas” dos irmãos Cavalera e a imprensa seguem batendo na tecla de uma reunião da formação clássica do Sepultura — ora, a atual formação já é mais que clássica, para mim — ou fomentando a rivalidade entre os Cavalera e o grupo, a banda segue lançando um álbum melhor que o outro.

Não sou de vestir uma camisa nessa briguinha idiota. Tenho ressalvas e elogios aos caminhos trilhados pelos Cavalera e pela banda atualmente liderada por Andreas Kisser. O Cavalera Conspiracy, por exemplo, nunca me animou; enquanto o Soulfly tem traçado rumos interessantíssimos. O álbum Ritual, de 2018, é um dos melhores registros da carreira de Max, e o Enslaved, de 2012, é uma destruição que deixa qualquer metaleiro boquiaberto.

Sobre Andreas Kisser? Bom… para começar, a sua postura extrema me incomoda bastante. Porque aqui estou falando de um extremo “tudo tá bom”. Um extremo “não vou dar opinião sobre bosta nenhuma porque não quero perder fãs”. Andreas Kisser já gravou sons como Dictatorshit, Refuse/Resist e Territory. É óbvio que ele não compactua com essa onda neofascista do Brasil, porém, sabendo que o público de metal é bem conservador, não se manifesta de jeito nenhum — inclusive, quando ele discursa nos shows antes de Refuse/Resist, falando sobre lutar contra injustiças, se unir e essa coisa toda, ele não está criticando a Dilma nem o Che Guevara, viu, metaleiro reaça?

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Dito isso, Kisser tem levado o Sepultura a um rumo magnífico. O grupo poderia muito bem viver do que fez nos anos 1990, fazer turnês tocando aqueles álbuns na íntegra, lançar sons novos que imitam aquela fórmula… pelo contrário. O Sepultura tem se desafiado, andado pelo caminho mais difícil e acertado em cheio.

A banda já vinha numa constante evolução desde o ótimo Kairos, de 2011, porém ouso dizer que o Sepultura alcançou seu ápice na era Derrick Green com a dupla Machine Messiah (2017) e Quadra (2020). O baterista Eloy Casagrande já se consolidou como um dos melhores do mundo e o americano está cantando como nunca.

O que mais chama a atenção em Quadra é a perceptível divisão do álbum em quatro partes, com três faixas cada. Nas três primeiras, o grupo pisa fundo no acelerador, com Eloy esmurrando a bateria, Derrick berrando como nunca e Andreas fazendo solos destruidores. Os primeiros segundos de Isolation vão te levar à intro de Arise, enquanto o refrão da já conhecida Last Time é um dos pontos altos do álbum.

A outra trinca é claramente mais percussiva, com Capital Enslavement conversando com alguns momentos do clássico Roots e até se arriscando em alguns trechos eletrônicos. Raging Void é uma evidência de que a banda segue atualizada a respeito das inovações do metal, chegando a lembrar o Mastodon no seu refrão psicodélico.

A terceira parte flerta com um som mais progressivo e é a mais tocante do disco. Guardians of Earth é uma viagem num dedilhado acústico, seguido de um coro e que termina com um solo devastador de Andreas Kisser. A instrumental The Pentagram é mais uma prova de como o quarteto está em perfeita sintonia.

A última fração do álbum é cadenciada, melosa e mostra um Sepultura explorando terras desconhecidas. A faixa-título é um pequeno instrumental que introduz a melhor faixa do álbum. Agony of Defeat é palatável, emocionante e densa, que te convida a imergir no universo experimental da banda por seis minutos. O encerramento vem com Fear; Pain; Chaos; Suffering, que conta com a participação de Emmily Barreto, vocalista do Far From Alaska. O contraste das vozes, o refrão e toda a pegada melódica são ingredientes ideais para encerrar o álbum.

Quadra é a comprovação de que o Sepultura está na sua melhor fase desde a chegada de Derrick Green — e nem dá mais para falar sobre “fase Derrick”, uma vez que o cara está na banda há mais de 20 anos. O álbum é criativo, pesado, inovador e mostra a banda se levando a sério. Enquanto as pessoas preferem reviver polêmicas do século passado, o Sepultura dá uma aula de como se reinventar.

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