4 🦀 Caetés, Tabajaras e Potiguares

Henrique
4 min readNov 5, 2019

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Um caeté foi capturado pelo inimigo potiguar enquanto seu grupo assaltava a aldeia do porto da Paraíba. Parte do bando que conseguiu escapar retornou sem sucesso para sua aldeia, próxima ao Paraná Mirim. Aquele irmão caeté que lá ficou, seria explorado de acordo com as vontades da aldeia potiguar para depois, muito provavelmente, ser morto. Mais um dia na vida do Brasil do século 15.

Recorte de “Dança dos Tapuias”, do holandês Albert Eckhout

Dança Social

O lugar do agito tupi

Definitivamente, a região entre a Ilha de Itamaracá (PE) e a Baía da Traição (PB) era o lugar para se estar se você fosse um guerreiro buscando conquistas para sua nação. A região compreendia os limites entre os territórios caetés, potiguares e tabajaras. Duas grandes nações, caeté e portiguar, em colisão com os tabajaras no meio. Não havia sossego. Era uma região muito povoada e em pé de guerra.

A medida que vou lendo mais relatos da época, vou descobrindo ainda outras comunidades. Para citar algumas:

  • Na Baía da Traição havia uma aldeia, onde nasceram familiares do famoso heroi pernambucano Felipe Camarão;
  • Em torno da atual cidade de Igarassu havia inúmeras ocupações caetés, que entraram em conflito com portugueses na presença do soldado alemão Hans Staden, quem relatou os conflitos;
  • Alguns outros descrevem que o Alto da Sé em Olinda seria o pátio da maior aldeia do litoral pernambucano;
  • Uma aldeia no Parnamirim foi contemporânea ao tempo dos holandeses em Pernambuco, de acordo com um dos mapas da época.

Política Nativa

Essas comunidades mantinham entre si uma relação estranha aos olhos europeus cristãos. Era uma relação onde a guerra e a captura de indivíduos de comunidades rivais, mesmo sendo da mesma nação, era natural. Assim, as comunidades do litoral paraibano e pernambucano executavam uma dança social entre suas aldeias.

Para discutir a política entre os povos de 1500, precisamos ter em mente que as descrições destes foram iniciadas e predominantemente realizadas por homens brancos. É esperado, então, que confusões nas nomenclaturas e definições de territórios existam: sempre se manifestará a necessidade de enquadrar um povo cuja voz não é ouvida dentro dos moldes daqueles que contam a história.

Um destaque no meio dessa falta de consenso é o povo tabajara.

Recorte de “Iracema”, óleo sobre tela de José Maria de Medeiros (1881)

Os Tabajaras

Desde os primeiros contatos europeus, discute-se a definição dos territórios caetés e potiguares. Seus limites e suas extensões foram bem descritas. Mas não há um consenso entre os acadêmicos sobre o território tabajara. Não por acaso, o geógrafo Curt Nimuendajú registrou comunidades dessa nação próximos aos atuais grandes centros urbanos do litoral central: João Pessoa, Goiania, Igarassu, Olinda e Recife.

Segundo o professor Ricardo Pinto de Medeiros*, os tabajaras pouco eram mencionados nas crônicas anteriores ao século 18, contudo, a história europeia de contato com os nativos em Pernambuco é registrada desde o século 16. Há uma possível explicação para a tardia caracterização dos tabajaras… e ela vem da Europa.

Uma nação iluminada

No século 18, as ideias iluministas nascentes, que dariam contexto às diversas formas de liberdade política e econômica na Europa, também influenciavam as formas de observar o Brasil nativo. Frei Antônio de Santa Maria Jaboatão, um religioso que viveu no Recife no século 18, reverbera nas suas obras, em certo grau, essa tendência do ocidente (que eclodiria na revolução industrial e na francesa no fim do século). Nessa época, o porto do Recife era constantemente visitado por nações europeias que apresentavam à cidade esses ideais que ferviam aquele outro continente. Em descrição dessa época, o frei alça os tabajara à condição de etnia mais importante na conquista do território pelos portugueses. A romantização desses povos os torna grandes herois dentro da mitologia portuguesa da época, quando se buscava resgatar as histórias únicas da natureza e do passado dos povos, característica embriã do romantismo europeu.

Foi assim que o frei transcreveu (e adaptou) o mito da origem dos povos tupis na costa do Brasil e sua ancestralidade tabajara (ver “História dos Tabajaras”).

Estátua de Iracema em Fortaleza, fotografia de Evaldo HS Nascimento. Iracema é uma personagem tabajara, mas das comunidades do oeste cearense. A obra literária “Iracema” do escritor também cearense José de Alencar, tornou-se um ícone daquele estado e é uma das mais famosas manifestações do romantismo literário brasileiro. A obra foi escrita 100 anos depois das descrições já românticas dos tabajaras pelo frei Santa Maria Jaboatão.

Menção Necessária

Para completar o quadro de nações em torno do Recife, juntam-se os tapuias. “Tapuia” quer dizer “de fora” em tupi. Essa palavra não designa uma nação específica, mas todas aquelas do interior que não falam tupi. Diz-se que os tapuias eram vistos como inimigos por aqueles que habitavam o litoral.

Recorte de “Homem Tarairiú”, pintura do holandês Albert Eckhout. Os tarairiús eram povos tapuias.

No Recife, os tapuias também serão personagens presentes que se diluirão entre os povos. A imagem que abre esse texto retrata uma cena tapuia, ou seja, de pessoas não falantes do tupi.

Recomendações e Referências

Entender a política, a distribuição desses povos e saber um pouco quem é quem, nos facilitará compreender como aconteceu a invasão europeia e os vieses por trás dessas descrições. Portanto, deixo duas sugestões de conteúdo para mais infos:

*Citado nesse texto

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