Como tratar a questão jurídica na DAO?

Henrique Giron
5 min readSep 28, 2017

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Organização Autônoma Descentralizada, DAO, em inglês, ou, como alguns fazem questão de destacar, DCO, em que poderia haver duas significações: Organização Colaborativa Descentralizada, em que parte-se do princípio de que ela não é totalmente autônoma, uma vez que foi necessário pessoas para construí-la; e, Organização Colaborativa Distribuída, em que se levanta a questão de que não é algo totalmente descentralizado e sim distribuído.

Independentemente da nomenclatura dada, tem-se que ter em mente o significado de uma DAO: um contrato inteligente que lida com as tarefas do cotidiano de uma empresa de forma autônoma. Isso quer dizer que um algorítimo executará todas as rotinas, ou seja, ela estará isenta de falhas…será?

A experiência mais marcante que teve-se de uma DAO no universo de criptos foi a construída na rede Ethereum. Não deu certo, hackearam o projeto e muitos investidores foram lesados com a perda de dinheiro. Isso tudo acabou resultando em decisões controvérsias que acarretaram no fork da rede e no surgimento do Ethereum Classic como rede paralela à Ethereum original.

Não é minha pretensão analisar o caso e as decisões tomadas pela comunidade da moeda, minha proposta aqui é levantar a discussão acerca do tema jurídico.

Como resolver o tema de lesa financeiro do investidor sendo que a empresa era “autônoma”?

Independentemente se você está sendo processado ou processando por causa de uma DAO, você tem que ter em mente que a DAO simplesmente não está relacionada a nenhuma lei, a princípio. Uma entidade assim não precisa registrar CNPJ, por exemplo, ela simplesmente existe na rede que a suporta. Assim sendo, baseado em que lei você conseguiria mover o processo?

Algumas soluções vêem à mente, como, por exemplo, processar o time de desenvolvedores na jurisdição do país em que eles residem; processar em seu país, afinal os tribunais hão de buscar a justiça para um cidadão injustiçado!; ou, em casos mais extremos, poderíamos apelar para um tribunal internacional, uma vez que como não existe um país em si como base para a plataforma, poderíamos pensar em se usar desse artifício que é o direito internacional.

Nenhuma das alternativas aqui pensadas são satisfatórias como um todo. Nenhuma delas protege 100% o investidor e o desenvolvedor, quando há brechas jurídicas em um contrato, não nos esqueçamos que a DAO é um contrato, o projeto não estará resguardado.

Mas então qual seria a saída mais adequada para isso?

Arbitragem.

Para avançarmos sobre o tema precisamos entender o conceito e como isto seria a solução ou, pelo menos, parte dela.

Arbitragem funciona da seguinte forma: as partes envolvidas assinam em contrato por escrito que se houver algum litígio ele se resolverá no tribunal indicado e seguindo as condições pré determinadas. É uma corte para disputas de resoluções privadas, resumindo.

Esta “ferramenta” é muito usada por empresas transnacionais como Uber, Airbnb e Spotify, uma vez que elas estão presentes em diversos países e depender de legislações locais para resolver disputas pode se tornar algo extremamente custoso e demorado.

Mas por que isso é bom e diferente de se usar o sistema tradicional de justiça?

Primeiramente temos que, a partir do momento em que decide-se qual modelo adotar, você deixa as regras do jogo claras. Então, por exemplo, posso determinar por contrato que se houver algum problema, ele será resolvido no tribunal pré-indicado (veja os termos do Spotify na imagem abaixo), seguindo a jurisdição de determinado país e/ou estado, com um juiz que tenha experiência na área de criptos ou até mesmo uma duração total para o litígio, e qualquer outra característica, desde que sejam estabelecidas em contrato e aceita por todas as partes.

E isso é bom porque deixa as regras do jogo transparentes. O investidor se sente seguro de que se houver algum problema ele saberá como proceder. E também para os desenvolvedores, que saberão que haverá um processo jurídico legal que pode sim afetá-lo.

Spotify escolhe quais tribunais serão usados para as questões jurídicas.

Mas tudo isso pode ser inútil se você pensar que essas empresas possuem estruturas gigantescas e todo um aparato jurídico que as deixam confortáveis para lidar com processos de arbitragem, diferentemente de você. Ou seja, há um claro desiquilíbrio entre as partes envolvidas e em uma DAO isso poderia vir a acontecer também, uma vez que esta seria uma empresa de alguns milhões de dólares.

Então como criar um ambiente em que além de se fornecer segurança jurídica também consiga diminuir uma possível interferência econômica entre as partes?

Pensando nisto, Pamela Morgan da Third Key Solutions criou a DAMN, Rede de Mediação e Arbitragem Descentralizada. E no que consiste essa iniciativa?

Fornecer um ambiente em que pessoas e empresas consigam resolver seus problemas jurídicos da maneira mais equilibrada possível.

Porém, como você deve ter reparado, eles não atuam somente no âmbito da arbitragem, mas sim, também, no da mediação, e isso é ótimo.

Primeiro vamos entender o que é mediação: é um terceiro, idôneo, que tenta aproximar as partes envolvidas para conversar e tentarem resolver o problema de forma pacífica entre eles sem a intervenção de um juiz.

Porém, essa dinâmica, mediação/arbitragem, é muito específica, o que acaba dificultando a escalabilidade comercial de uma plataforma, principalmente pois se não houver acordo na mediação a arbitragem terá que levar em conta o não acordo anterior, especificando ainda mais o caso.

Diante disto e de um mercado ainda engatinhando, o de DAO’s, criou-se uma solução: fazer arbitragens em quantidade suficiente para que possa existir modelos de acordos para oferecer às partes, quando num litígio posterior, na fase de mediação.

Com isto resolve-se dois problemas: o comercial, agora é possível escalar o negócio; e o prático, é menos custoso e mais rápido tentar um acordo por meio de uma mediação a ter que levar a um tribunal, por mais que seja o arbitrário.

Conseguimos resolver, portanto, todas questões que envolvem DAO’s, certo?

Não. Se você é um investidor de uma DAO, a participação que você possui na empresa se deu por meio de compra de tokens, ou seja, sua identidade, muito provavelmente, estava, está e você pode desejar que continue anônima. Como então resolver este problema?

O texto foi baseado na Decred Assembly Ep. 14 que recebeu a Pamela Morgan, idealizadora do DAMN.

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