My Dying Bride, Paradise Lost e o desenvolvimento do Doom/Gothic Metal inglês

Ricardo Lavra
8 min readMar 28, 2021

--

My Dying Bride (à esquerda) e Paradise Lost (à direita)

Existe algo de diferente no Norte da Inglaterra, algo que a cena gótica comprova. O condado de Yorkshire já foi palco, por exemplo, da grandiosa obra que marca esse movimento na literatura, o Drácula de Bram Stoker (o protagonista desembarca, em dado momento da trama, na cidade de Whitby). Além disso, o local possui uma mistura interessante de paisagens naturais com pântanos, bosques e montanhas, ao lado de indústrias e cidades (Bradford foi durante muito tempo o centro industrial do ramo têxtil, sendo um epicentro importante da Revolução Industrial).

Bandas pioneiríssimas do rock gótico também nasceram na mesma região, como Sisters of Mercy e New Model Army (que faz uma fusão interessante com o punk rock), ambas da década de 1980. No ano de 1987 foi criado na cidade de Dewsbury, também em Yorkshire, o selo que agregou e ajudou na difusão do estilo musical que veio a ser conhecido como Death/Doom Metal: o estúdio Peaceville Records.

Na altura do final da década de 80 o cenário musical estava diante de uma verdadeira ebulição de subgêneros do rock e metal em desenvolvimento. Além das já mencionadas bandas góticas, o death metal de bandas norte-americanas como Death e Morbid Angel e o doom mais tradicional da sueca Candlemass, que evoca pesadas influências do álbum autointitulado da inglesa Black Sabbath conquistavam cada vez mais público, até mesmo do mainstream musical.

Assim, juntando todas essas influências, nasceu o Death/Doom Metal das bandas Paradise Lost (fundada em 1988 em Halifax, Yorkshire) e My Dying Bride (nascida em Bradford, Yorkshire, no ano de 1990), que mais tarde desembocaram no estilo do Gothic Metal, mas passando por várias etapas ao longo do processo. E de fato, as duas bandas possuem muito em comum, não só o estilo musical, a gravadora e a região de onde nasceram. Ambas tem forte influência da literatura romântica e gótica e também passaram por um caminho de experimentações até chegarem no som que as consagrou como duas das maiores bandas do metal extremo. Não atoa, por exemplo, bandas como Katatonia, Nightwish e Moonspell mencionam Paradise Lost e My Dying Bride em algum ponto como parte de suas influências musicais, seja no quesito lírico ou sonoro.

O Death/Doom Metal na sua origem

Juntando todas as influências musicais acima, especialmente a brutalidade do death metal com a cadência do doom (esse, mais uma vez, buscando inspiração nas afinações mais graves e no tratamento mais “sujo” das guitarras do Black Sabbath em seu início), surge o Death/Doom diretamente dos estúdios de gravação da Peaceville Records, combinando a agressividade vocal do death recheado com a cadência mais lenta do doom. Mas não foi somente na questão sonora que houve essa mistura entre os dois gêneros. Temas como a morte, a miséria da condição humana, o pessimismo e a depressão são abordados pelas bandas de forma mais intensa, mas ao mesmo tempo, recheada de lirismo e referências literárias.

Sobre isso, o vocalista do My Dying Bride, Aaron Stainthorpe comenta numa entrevista à Live 4 Metal que usa até mesmo a bíblia em suas composições “porque obviamente ela é rica de histórias e personagens incríveis”. Além disso, afirmou em outras ocasiões ser leitor ávido de autores românticos, como Percy Bysshe Shelley e Lord Byron. Também não é preciso entrar nesse mérito ao falar de Paradise Lost, visto que o nome da banda faz referência à John Milton, poeta e romancista do século XVII, famoso por suas obras de conteúdo religioso, cujo trabalho principal chama-se Paraíso Perdido (no inglês, voilá: Paradise Lost).

O resultado disso foram álbuns apresentando um interessantíssimo contraste entre o lirismo poético e a agressividade performática. Da parte do Paradise Lost, os três primeiros álbuns Lost Paradise (1990), Gothic (1991) e Shades of God(1992) combinam muito bem os guturais de Nick Holmes com a sonoridade mais lenta, atonal e suja das guitarras. A banda também mostrou um notável crescimento técnico ao longo destes três lançamentos, ao introduzir mais instrumentos ao fundo, como violinos, piano e violões, ao mesmo tempo em que os vocais de Nick foram se aprimorando e até mesmo mostrando vocais limpos em alguns trechos.

Lost Paradise (1990) e As the Flower Withers (1992), de autoria das bandas Paradise Lost e My Dying Bride respectivamente

O início do My Dying Bride também não foi muito diferente, seguindo a mesma pegada nos seus primeiros álbuns, As The Flower Withers (1992) e Turn Loose the Swans (1994), com a diferença que desde seu primeiro trabalho a banda já incorporava instrumentos clássicos em suas músicas, principalmente órgão e violino. Os dois primeiros álbuns da banda mostram vocais totalmente guturais e guitarras em tons graves, ritmos lentos e sonoridade “suja”.

Os experimentos de cada banda

Depois de seus lançamentos iniciais, o segundo ponto em comum entre as filhas da Peaceville Records tornou-se evidente: nenhuma das duas se manteria presa ao mesmo de som.

Enquanto Paradise Lost já havia deixado a gravadora quando lançou Shades of God, foi apenas com Icon em 1993 que a primeira variação no seu estilo ocorreu. Agora sob o selo da Music for Nations, a banda acabou abandonando os guturais, com Nick investindo mais na mescla entre a voz limpa e o drive rasgado. Em 1995 com o lançamento de Draconian Times, a banda alcançou um patamar interessantíssimo, não só musicalmente, mas também comercialmente.

Já My Dying Bride seguiu na Peaceville, mas também não deixou de experimentar novas ideias. Em 1995 a banda lançou seu primeiro álbum em que a ausência total de vocais distorcidos se fez notar, chamado The Angel and The Dark River. Logo no ano seguinte, saiu Like Gods of The Sun na mesma abordagem.

Mas isso ainda não havia sido o máximo de experimentação que os dois grupos realizariam no seu som. Em 1998, o My Dying Bride lançou um trabalho de nome curioso e sonoridade mais ainda: 34.788%…Complete levou a banda a experimentar alguns elementos eletrônicos nas suas músicas, algo que não foi muito bem recebido pelos fãs e foi abandonado logo após este trabalho. Já pelo lado do Paradise Lost, o momento em que houve a ruptura total com o som original da banda veio com o lançamento de One Second em 1997. Nesse trabalho, a sonoridade passava a soar como uma mistura interessante entre o synthpop do Depeche Mode com o já mencionado gótico mais tradicional do Sisters of Mercy e The Cult. O novo estilo foi motivo de crítica entre os fãs antigos do grupo, mas parte da crítica chegou até mesmo a aclamar os trabalhos da banda, com o mesmo One Second vindo a constar na lista dos melhores álbuns de metal do ano pela revista Metal Hammer. Essa fase do Paradise Lost gerou ainda os álbuns Host (1999), Believe in Nothing (2001) e Symbol of Life (2002).

O mergulho no Gothic Metal e o retorno às raízes

Após a crítica negativa acerca do álbum 34.788%…Complete por parte dos fãs, o My Dying Bride retomou um pouco de sua sonoridade original já no álbum de 1999, The Light at the End of the World. Mas algumas diferenças notáveis ocorreram, herdadas mesmo deste breve período experimental pelo qual a banda passou.

Os vocais guturais retornaram, mas dividindo a atenção com a voz limpa de Aaron. Além disso, as influências clássicas se tornaram ainda mais presentes, com músicas ainda mais cadenciadas e som se tornando cada vez mais limpo, assemelhando-se até mesmo em alguns pontos com o metal sinfônico de bandas como Therion e Nightwish. Apenas no álbum Feel the Misery (2015) e no recém lançado The Ghost of Orion (2020) é que os guturais voltaram a fazer parte importante das faixas, com eles antes sendo, em sua maioria, apenas acessórios para acompanhar em algumas faixas os vocais limpos de Aaron Stainthorpe.

capa de The Ghost of Orion, lançado em 2020

Já do lado Paradise Lost da força, a transição foi mais gradual e sutil. Após o lançamento de Symbol of Life em 2002 a banda passou três anos sem nenhum lançamento até a chegada de um álbum homônimo. Paradise Lost (2005) marcou o retorno do metal na musicalidade da banda, mas ainda contavam apenas com os vocais limpos de Nick Holmes. Somente em 2007 com o lançamento de In Requiem foi que a banda voltou a investir num som mais pesado e direto, com riffs mais rápidos, bateria mais presente e Holmes apresentando uma mistura de drives rasgados e vozes limpas. Em 2009 e 2012 foram lançados Faith Divides Us Death Unites Us e Tragic Idol respectivamente, nessa mesma pegada sonora.

Somente com o lançamento de The Plague Within em 2015 foi que os fãs de longa data puderam novamente ouvir os guturais característicos de seu início, mas diferente do que foi feito no My Dying Bride, no álbum de 2015 já se pôde notar que a distorção na voz de seu vocalista se tornou bem presente, com a voz limpa sendo utilizada apenas em alguns momentos específicos. Aqui, a preferência por um som mais direto se torna evidente, com músicas que se assemelham um pouco mais aos primeiros álbuns do grupo. Medusa, lançado em 2017 manteve o ritmo e o último lançamento, Obsidian, de 2020, aposta numa mescla maior entre a agressividade vocal dos dois discos anteriores com uma sonoridade muito comum no gothic metal de bandas como Draconian, evocando uma dinâmica mais bem trabalhada entre guturais, drives e a voz limpa de Nick Holmes, bem como a presença mais marcada de instrumentos clássicos como o piano e o violino, mas ainda sem abrir mão da objetividade característica do grupo, que no geral, costuma produzir músicas e álbuns de menor duração que sua banda irmã de Bradford.

capa de Obsidian, lançado em 2020

E aí, o que achou desse texto? Já conhecia o Death/Doom e o Gothic Metal ou uma das bandas apresentadas? Logo abaixo, coloquei clipes das duas bandas para conhecer com seus próprios ouvidos alguns detalhes apresentados ao longo do artigo.

--

--

Ricardo Lavra

Carioca, 27 anos, Graduado em Filosofia pela UNIRIO; escritor, professor e podcaster. Apaixonado por futebol, cinema e música, especialmente rock/metal.