Análise do filme A Conquista de Constantinopla (2012), dir. Faruk Aksoy

história com chá
4 min readOct 4, 2019

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Como evidencia o título, o filme narra o processo de dominação de Constantinopla pelos turcos otomanos, mostrando os esforços de guerra alcançados pelos últimos para quebrar paredes que cercavam a capital do Império que viria a ser chamado de Bizantino. Sendo uma produção turca, o ponto de vista do povo conquistador é realçado por diversas escolhas de narrativa. Por causa disso, sua estreia causou polêmica e obteve uma recepção dividida.

A queda de Constantinopla enquanto evento histórico é cheia de simbolismos. Como ressalta o produtor e diretor Faruk Aksoy, foi um acontecimento que não só impactou a Turquia como também o mundo inteiro, marcando a passagem da idade medieval para a idade moderna.

É importante atentar para o contexto político dessa produção. Fiachra (2012) ressalta que grande parte da audiência atraída é apoiadora do então primeiro ministro Recep Tayyip Erdogan, considerado adepto do chamado neo otomanismo. Principalmente seus críticos afirmam que ele se assemelha a um sultão em sua maneira de governar.

Segundo o Boston Review, Erdogan teria afirmado ser a identidade turca “essencialmente otomana” além de sua política seguir a ideia de que seria dever da Turquia de assistir muçulmanos em territórios posteriormente otomanos.

O filme, assim como as políticas de Erdogan, buscam resgatar a “nostalgia otomana”. Não é a toa que sua estreia gerou debates, sendo visto por muitos críticos como pura propaganda política. É importante ressaltar que as escolhas feitas na produção de qualquer mídia podem evidenciar um intento por trás da mesma, estando seu criador ciente disso ou não. Principalmente em se tratando da história, nenhuma obra deve ser considerada como a “verdade absoluta” sem um julgamento crítico das intenções em volta da mesma. Sendo assim, A Conquista de Constantinopla (2012) é uma uma produção que deve ser entendida como produto de seu tempo e espaço.

Uma das primeiras cenas do filme é bastante reveladora de suas intenções: mostra o profeta Muhammad afirmando que Constantinopla viria a ser conquistada eventualmente, já ressaltando a ligação entre religião e política e também resgatando uma tradição. O filme trabalha com a figura humanizada de Mehmet II, ressaltando sua determinação em conquistar Constantinopla como legado de seu falecido pai. Sua própria motivação é continuar o trabalho começado pelo pai, ao ponto que isso o mantém firme em suas convicções mesmo quando todas as suas empreitadas parecem fracassar e seus conselheiros pedem que reconsidere suas decisões.

Pode-se dizer que isso é ressaltado até pelo paralelo relação entre a relação de Mehmett II com seu pai e com seu próprio filho, a narrativa reforça o desenvolvimento do sultão e também seu lado humano. Ao receber a morte do pai, Mehmet II diz que apesar de não ter recebido muito afeto, era de seu desejo conquistar as terras que o pai almejara conquistar. O filho de Mehmet II é introduzido no filme como uma criança que venera o imperador, mas que também busca o carinho do pai. Dessa maneira, Mehmet II se torna o que o próprio pai fora para ele — e também passa a dividir de suas ambições. A passagem do poder de um sultão para outro é usada no filme para evidenciar esse lado humano do líder.

Uma cena bastante criticada foi em que sapadores gritam Allahu Akbar antes de explodirem o túnel em que estavam, em sacrifício da causa empreendida pelo Império. Uma cena difícil de ter tomado parte na realidade, uma vez que a maioria dos sapadores e mineiros do Império Otomano eram cristãos (ÁGOSTON, 2005, p. 40–42) e, no entanto, reveladora do intento de resgatar uma tradição por meio de uma produção cinematográfica.

Um aspecto interessante do filme é a abordagem dos conflitos religiosos entre a Igreja Católica ocidental e oriental, e principalmente a insatisfação dos adeptos do cristianismo ortodoxo com a interferência da igreja ocidental. Essa hostilidade é fundamentada principalmente em um ressentimento por parte dos bizantinos, originado dos saques que atingiram a cidade na Quarta Cruzada em 1204.

Apesar dos elementos propagandísticos, é uma interessante exposição movimentos mais gerais da guerra, as estratégias e tratados envolvidos no processo da conquista de Constantinopla.

Constantinopla pós conquista

No filme, após o término do conflito militar, ao ver os soldados bizantinos em volta do corpo de Constantino XI, Mehmed II permite que o imperador bizantino seja enterrado de acordo com as tradições de sua própria religião. É outra cena difícil de ter acontecido na realidade, uma vez que o corpo do imperador nunca foi encontrado, apesar dos esforços do sultão em certificar-se que havia realmente aniquilado seu inimigo (BROWNWORTH, 2010, p. 299) . Ainda assim, é outra cena reveladora das intenções de romantizar a figura do imperador por meio de atos nobres.

A ultima cena do filme mostra o Mehmed II se encaminhando para a Hagia Sophia, aonde, ao encontrar uma assustada multidão, os reassegura de que terão a liberdade de ter sua própria crença. O filme se encerra, assim, mais uma vez evidenciando atos nobres do sultão e dando a impressão de que a conquista de Constantinopla não significou necessariamente uma perda para seu povo, mas apenas um novo começo.

Após a conquista, Constantinopla foi renomeada para Istambul, e a Hagia Sophia, transformada em mesquita. O Império Turco Otomano deixaria de existir apenas em 1922, e a Turquia se tornaria uma república no ano seguinte.

Fontes

ÁGOSTON, Gábor. Guns for the Sultan: Military Power and the Weapons Industry in the Ottoman Empire. Cambridge University Press, 2005.

BROWNWORTH, Lars. Lost to the West: The Forgotten Byzantine Empire That Rescued Western Civilization. Crown Publishers, 2010.

FERNANDES, Cláudio. Cerco de Constantinopla de 1204. Brasil Escola. Disponível em: <https://guerras.brasilescola.uol.com.br/idade-media/cerco-constantinopla-1204.htm>

FERREIRA, Gonçalo. Queda de Constantinopla. Knoow. 08 de ago de 2016. Disponível em: <https://knoow.net/historia/historiamundial/queda-de-constantinopla/>

GIBBONS, Fiachra. Turkish delight in epic film Fetih 1453. The Guardian, 12 de abr de 2012. Disponível em: <https://www.theguardian.com/world/2012/apr/12/turkish-fetih-1453>*

INALCIK, Halil. Mehmed II. Encyclopædia Britannica. Encyclopædia Britannica, inc. 05 de set 2019. Disponível em: <https://www.britannica.com/biography/Mehmed-II-Ottoman-sultan>

YAVUZ, M. Hakan. Erdogan’s Ottomania. Boston Review. Disponível em: <http://bostonreview.net/politics/m-hakan-yavuz-erdogan-ottomanophilia>

*Existe uma versão traduzida desse texto. Disponível em <https://imperiobizantino.com.br/2012/06/03/delicia-turca-no-filme-epico-fetih-1453/>

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