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Como pagar 6% de impostos dentro da lei desenvolvendo software?

Heliton Nordt
8 min readAug 8, 2018

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Atualizado 10/09/2018: adicionada explicação detalhada sobre como calcular IRPF e INSS.

Disclaimer: não sou contador, apenas um pesquisador, e apesar de ter validado as informações, recomendo que você revalide com seu contador de confiança.
Não me responsabilizo por qualquer erro contábil que você cometer, conforme dito, essas informações devem ser revalidadas com um contador de sua confiança.

Talvez eu não tenha entendido ainda que a responsabilidade de um contador é apenas gerenciar a contabilidade, e não fazer estudo tributário. É um pouco difícil entender isso, porque mesmo como programador frontend, estudei design, devops e backend. Então consigo instruir corretamente meus clientes, mesmo que esteja fora do escopo do meu trabalho.

Acabo esperando que todos os profissinais que trabalho sejam assim também. Mas não é. 🙃

Passei o último ano trabalhando fora, e recentemente voltei a morar no Brasil, então preciso pagar meus impostos aqui novamente. Precisamos reverter a cultura que pagar imposto é algo ruim. Sem impostos um país não consegue prover infraestrutura adequada. O que podemos, sim, é brigar por uma carga de impostos justa e um bom aproveitamento desse dinheiro.

Atualização em 06/06/2020: minha visão sobre pagar impostos mudou. Hoje tenho uma visão mais liberal, e acho que impostos e o Estado são nocivos. Isso não quer dizer que você não deve pagar impostos. Podemos lutar por mudanças, sempre cumprindo as leis em vigor.

Devido a alta carga tributária, não faz sentido trabalhar como pessoa física. O microempreendedor individual (MEI) ainda não permite programador como atividade, então decidi abrir uma microempresa (ME).

Algumas pessoas preferem abrir uma Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI), que na teoria protege seu patrimônio pessoal contra dívidas da empresa, mas na prática não garante isso. Como não há garantia e também não tenho 100 salários mínimos pra deixar dentro da EIRELI, preferi abrir uma ME mesmo. 😗

Além do tipo de empresa, também precisei escolher o regime tributário, sendo que há três opções: Simples Nacional, Lucro Presumido ou Lucro Real. Até dezembro de 2017, para uma empresa com apenas um sócio que desenvolve software, Lucro Presumido era mais vantajoso, porém em 2018 o Simples Nacional sofreu alterações e se tornou mais interessante.

Os códigos de atividade (CNAE) que uso são os da classe 620. Você pode usar todos, ou apenas um. Independente disso, a regra dos 6% vale para a classe inteira.

Dentro do Simples Nacional 2018, há várias tabelas de tributação. Para a minha classe de atividade a tabela que devo usar é a do Anexo V. Como meu faturamento anual é menor que R$ 180.000,00, minha alíquota seria 15,5%.

Porém, para clientes que residem no exterior, a alíquota cai pra 10,68% porque há isenção de PIS/Cofins e ISS, desde que o dinheiro ingresse no Brasil.

Você pode emitir notas tanto para clientes residentes no exterior como para clientes residentes no Brasil no mesmo mês. Neste caso você vai pagar alíquotas diferentes para cada nota fiscal, mas não tem problema algum.

Você deve estar se perguntando como cheguei nesses 10,68%. Vou te ensinar a calcular a redução de PIS/Cofins e ISS. Primeiro, procure a informação direto na fonte, acesse a página da LEI COMPLEMENTAR Nº 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006, e procure pela seção não riscada do ANEXO V DA LEI COMPLEMENTAR No 123, DE 14 DE DEZEMBRO DE 2006.

Logo após a tabela de alíquotas, existe a tabela de Percentual de Repartição dos Tributos. Essa tabela nos mostra qual o percentual que um determinado tributo representa sobre o percentual total da alíquota.

Para calcular a alíquota sem PIS/Cofins e ISS, basta pegarmos nossa alíquota de 15,5%, multiplicar pela soma de todos os impostos exceto PIS/Cofins e ISS, e dividir o resultado por 100. O cálculo ficaria assim:

15,5 (alíquota) * (25 (IRPJ)+ 15 (CSLL)+ 28,85 (CPP)) / 100 = 10.67175

Simples assim.

Enquanto estava estruturando minha empresa, precisei me atualizar quanto às alterações da lei do Simples Nacional em 2018, e acabei encontrando o seguinte parágrafo:

§ 5o-I. Sem prejuízo do disposto no § 1o do art. 17 desta Lei Complementar, as seguintes atividades de prestação de serviços serão tributadas na forma do Anexo V desta Lei Complementar:

(…)

XII — outras atividades do setor de serviços que tenham por finalidade a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural, que constitua profissão regulamentada ou não, desde que não sujeitas à tributação na forma dos Anexos III ou IV desta Lei Complementar.

Este parágrafo me deixou intrigado. Ele basicamente diz que por via de regra atividades intelectuais como desenvolvimento de software devem ser tributadas pelo Anexo V, desde que não estejam sujeitas a tributação pelo Anexo III e IV.

Bem confuso, continuei lendo:

§ 5o-J. As atividades de prestação de serviços a que se refere o § 5o-I serão tributadas na forma do Anexo III desta Lei Complementar caso a razão entre a folha de salários e a receita bruta da pessoa jurídica seja igual ou superior a 28% (vinte e oito porcento).

§ 5o-K. Para o cálculo da razão a que se referem os §§ 5o-J e 5o-M, serão considerados, respectivamente, os montantes pagos e auferidos nos doze meses anteriores ao período de apuração para fins de enquadramento no regime tributário do Simples Nacional.

(…)

§ 5o-M. Quando a relação entre a folha de salários e a receita bruta da microempresa ou da empresa de pequeno porte for inferior a 28% (vinte e oito por cento), serão tributadas na forma do Anexo V desta Lei Complementar as atividades previstas:
I — nos incisos XVI, XVIII, XIX, XX e XXI do § 5o-B deste artigo;
II — no § 5o-D deste artigo.

Aqui fica bem claro, atividades intelectuais como desenvolvimento de software devem ser tributadas pelo Anexo V quando a razão entre a folha de salários e a receita bruta dos últimos 12 meses for menor que 28%, e pelo Anexo III caso contrário.

Isso quer dizer que para uma empresa com apenas um sócio, podemos aumentar nosso pró-labore até que ele represente 28% do nosso faturamento total, assim nossa tabela de tributação passa a ser a do Anexo III, onde as alíquotas são menores. No meu caso passa a ser 6% para dentro do Brasil, e 3,054% para fora do Brasil.

Tarefa de casa: faça a redução de PIS/Cofins e ISS da tabela do Anexo III e chegue nos 3,054% mencionados. 🥇

Duas observações importantes:

  • Os 28% incluem encargos, ou seja, os 28% seriam a soma do seu pró-labore líquido + 11% da contribuição com o INSS, por exemplo, se você retirar um pró-labore de R$ 2000,00 e pagar R$ 220,00 de INSS (11%), R$ 2220,00 deveriam corresponder a pelo menos 28% do seu faturamento para você passar para o Anexo III
  • Os 28% são relativos ao faturamento e folha de salários dos últimos 12 meses, então se sua empresa já tem faturamento, você pode começar a fazer isso agora, mas só poderá se beneficiar do Anexo III após atingir 12 meses de folha de salários correspondendo a pelo menos 28% do faturamento. Se sua empresa ainda não existe ou ainda não faturou, você pode aproveitar o benefício já no primeiro mês de faturamento desde que siga a regra dos 28% já no primeiro mês.

Como o seu pró-labore precisa aumentar, você vai pagar mais INSS e em alguns casos IRPF, mas ainda assim vai compesar na grande maioria dos casos. Vou explicar estes cálculos a seguir.

Vamos iniciar uma simulação com um faturamento de R$ 10.000,00 mensais para o exterior. Você pode seguir a mesma lógica para faturamento dentro do Brasil, basta alterar a alíquota de imposto do Simples Nacional conforme as explicações acima. O INSS e IRPF permanecem iguais.

Primeiro precisamos descobrir quanto retirar de pró-labore. Descubra quanto 28% representa sobre o seu faturamento. 11% desse valor será o valor de INSS, o restante é seu pró-labore líquido. Seguindo nossa simulação com R$ 10.000,00 de faturamento mensais:

  • Pró-labore bruto: 10.000,00 * (28 / 100) = R$ 2.800,00
  • INSS sobre pró-labore bruto: 2.800,00 * (11 / 100) = R$ 308,00
  • Pró-labore líquido: 2.800,00 -308,00 = R$ 2.492,00

Precisamos também calcular quanto vamos pagar de imposto de renda sobre o pró-labore. Use o simulador da Receita Federal para o cálculo: http://www.receita.fazenda.gov.br/aplicacoes/atrjo/simulador/simulador.asp?tipoSimulador=M

Em Rendimentos tributáveis, digite seu pró-labore bruto, que no nosso exemplo é R$ 2.800,00.

Em Previdência Oficial, digite o valor que você irá pagar de INSS, que no nosso exemplo é R$ 308,00.

Os campos Dependente, Pensão alimentícia e Outras deduções variam de pessoa para pessoa. No nosso exemplo todos são zero.

A seção Imposto (item 4) diz o total de imposto que vamos pagar, que no nosso exemplo é R$ 44,10.

Para descobrir o custo total com impostos, basta somar o valor que vamos pagar do imposto do Simples Nacional, INSS e IRPF.

Seguindo nossa simulação:

  • Imposto do Simples Nacional (3,054%)
    10.000,00 * (3,054 / 100) = R$ 305,40
  • INSS (11% sobre o pró-labore bruto)
    10.000,00 * (28 / 100) * (11 / 100) = 308,00
  • IRPF (variável conforme o simulador)
    44,10
  • Total
    657,50

R$ 657,50 correspondem a 6,575% de R$ 10.000,00 (657,50 / 10.000,00 * 100). Com a tabela V você pagaria 10,68% de impostos. Na tabela III, mesmo pagando IRPF e INSS, temos uma economia de 4,105% seguindo nossa simulação com um faturamento de R$ 10.000,00 mensais para o exterior.

Vamos agora para uma nova simulação, desta vez com faturamento de R$ 20,000,00 mensais para o exterior:

  • Imposto do Simples Nacional (3,054%)
    20.000,00 * (3,054 / 100) = R$ 610,80
  • INSS (11% sobre o pró-labore bruto)
    20.000,00 * (28 / 100) * (11 / 100) = 616,00
  • IRPF (variável conforme o simulador)
    501,24
  • Total
    1.728,04

R$ 1728,04 correspondem a 8,6402% de 20.000,00 (1728,04 / 20.000,00 * 100). Com a tabela V você pagaria 10,68% de impostos. Na tabela III, mesmo pagando um alto valor de IRPF e INSS, temos uma economia de 2.0398% seguindo nossa simulação com um faturamento de R$ 20.000,00 mensais para o exterior.

Atualizado 14/05/2019: a simulação com R$ 20.000,00 mensais não está correta porque o cálculo não considera a faixa 2 para o valor excedente a R$ 180.000,00 anuais. Optei por não refazer o cálculo porque a diferença é relativamente pequena e não importa tanto para a simulação, e você deve revalidar tudo com seu contador de qualquer forma. Mais detalhes: https://medium.com/@corujito_9455/bom-trabalho-estou-vendo-de-abrir-empresa-e-acho-que-esse-post-ajuda-muito-1927d454a170

Outro ponto legal é que com a tabela III sua aposentadoria pública ficará bem mais gordinha, já que você paga mais INSS. Mas minha recomendação é que você não conte com este dinheiro, planeje sua própria aposentadoria sem depender de terceiros, como o governo.

Para finalizar, na tabela V, na verdade, além de você pagar 10,68% de impostos, você paga também 11% sobre o pró-labore, que neste caso, a maioria dos contadores recomenda que seja um salário mínimo. Eu deixei este cálculo de fora pra evitar uma complexidade adicional em algo que já é complexo, mas isso basicamente quer dizer que, na tabela V, ao invés de 10,68% de impostos você está pagando entre 11 e 12% dependendo do seu faturamento, então mesmo pagando IRPF e mais INSS, a tabela III fica ainda mais barata do que os percentuais que eu mostrei acima.

É importante observar que nas simulações apenas incide IRPF e INSS sobre o pró-labore desde que você distribua o restante como antecipação de dividendos. Neste caso não há tributação sobre essa distribuição desde que você consiga provar que sua empresa de desenvolvimento de software deu lucro superior a 32%. Você só consegue provar isso com sua contabilidade em dia, por isso é importante conversar com seu contador e confirmar se ele está contabilizando suas receitas e despesas corretamente, inclusive pró-labore, contribuição com o INSS e antecipações de dividendos.

Reforçando: não sou contador, apenas um pesquisador, e apesar de ter validado as informações, recomendo que você revalide com seu contador de confiança, principalmente se não souber realizar estes cálculos.
Não me responsabilizo por qualquer erro contábil que você cometer, conforme dito, essas informações devem ser revalidadas com um contador de sua confiança.

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