A banheira de Taylor e as Organizações Teal: os modelos de organizações na era da complexidade

Hugo Lopes
12 min readMar 4, 2018

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Em 1911 Frederick Taylor publicou a sua monografia “Os Princípios da Gestão Científica” que apresentava a Gestão como a “revolução” que eliminaria as limitações de produtividade nas organizações da era industrial.

Taylor culmina a ideia pioneira de dividir as organizações em pessoas que pensam (administradores) e pessoas que executam (trabalhadores) e também a da separação funcional na zona de produção. Esta divisão hierárquica e funcional foi adoptada massivamente desde então e os seus princípios foram aplicados ao trabalho não industrial e a contextos muitos diferentes das oficinas e áreas de produção donde nasceram.

Niels Pflaeging no seu livro “Organizar para a Complexidade” (“Organize for Complexity”) de 2014, afirma que muito do que chamamos “administração” hoje em dia não é tão diferente do proposto por Taylor há mais de um século.

É um exercício ilustrativo comparar os organogramas de 1917 da Tabulating Machine Co. que viria a fundir-se para dar lugar à IBM em 1924 e o da mesma IBM há cerca de 20 anos.

Organograma de 1917 da Tabulating Machine Co.
Organograma da IBM há cerca de 20 anos

“A banheira de Taylor” é o nome que Niel utiliza para designar a forma do gráfico onde se desenha o dinamismo do mercado ao longo dos últimos séculos: a era de grande dinamismo dos mercados locais e fabrico artesanal, a era da indústria “Tayloriana” com grandes mercados e menor concorrência e a era altamente complexa dos mercados globais actuais, em que empresas atípicas e de elevado desempenho exercem uma pressão brutal sobre as empresas convencionais.

Os exemplos deste último caso são incontáveis e conhecidos, desde as Fintech e empresas como Apple e as Telcos pressionando a banca convencional, até Tesla, Uber, Cabify, Airbnb na indústria automóvel, transportes e turismo.

Niels defende que as formas de gestão baseadas no Taylorismo, concebidas num contexto totalmente diferente, de menor dinamismo e concorrência, são inadequadas aos tempos em que vivemos.

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O Manifesto das Organizações Responsivas

Alguns anos antes da edição do livro de Niels Pflaeging, um grupo de trabalhadores da empresa Yammer (uma ferramenta de redes sociais que viria a ser adquirida pela Microsoft em 2012) reúne CEO’s e pessoas a trabalhar em transformação organizacional y chega a uma conclusão semelhante:

A tensão entre organizações optimizadas para a previsibilidade e o mundo imprevisível em que habitam, alcançou um ponto de ruptura.

Buscando “criar uma mudança fundamental na forma como nos organizamos e trabalhamos no século XXI” assinaram o manifesto das Organizações Responsivas (Responsive Organizations). O manifesto convida a encontrar um novo equilíbrio entre as práticas que foram efectivas e úteis num contexto previsível e as que nos podem ser úteis hoje em dia:

  • Mais previsível<> Menos previsível.
  • Lucro <> Propósito.
  • Hierarquias <> Redes.
  • Controlo <> Distribuição de poder.
  • Planeamento <> Experimentação.
  • Privacidade <> Transparência.

O movimento das Organizações Responsivas é uma filosofia e nunca foi sua intenção criar ferramentas ou guias práticos, apresentando-se mais como um conceito abrangente para conectar pessoas e organizações com uma mesma visão e encontrar um denominador comum a outros movimentos como o Agile ou Lean.

Este vídeo realizado pelar Microsoft em 2016 apresenta a filosofía das Organizações Responsivas e ilustra-o com um exemplo concreto de como a empresa Zara sacrifica a eficiência para maximizar a capacidade de mudar rapidamente.

Em busca de novos modelos para as organizações

Esta busca por alternativas já não é a inquietude de alguns CEOs, COOs ou consultores organizacionais. Bonnitta Roy, nas suas publicações sobre a Organização Participativa Aberta (Open Participatory Organization) de 2016 resume os três principais objetivos que levam a que cada vez mais organizações procurem novas arquitecturas e formas de colaborar e organizar-se:

  • As organizações ágeis (muitas delas startups ou de pequena/média dimensão) querem crescer sem perder agilidade.
  • As grandes empresas centralizadas querem ser mais ágeis: cortar gastos de gestão e burocracia desnecessária; distribuir a tomada de decisões para uma execução mais rápida e mais inteligente; tornarem-se mais inovadoras, sensíveis e resistentes às tecnologias disruptivas.
  • As organizações hierárquicas e burocráticas (e em verdade todas as outras) querem atrair os melhores talentos criando condições de trabalho adequadas.

Parece claro que estes objetivos procuram precisamente actuar sobre os factores-chave de êxito num contexto complexo, em mudança permanente e acelerada e onde a concorrência já não se limita a matéria primas, produtos e serviços e se estende a um bem valiosíssimo e escasso: o talento.

As Organizações Teal

Em 2011 Frederic Laloux, desmotivado e cansado, deixa o seu trabalho como Associate Principal na McKinsey & Co para durante dois anos e meio procurar e investigar empresas que permitissem aos seus colaboradores expressar e desenvolver todo o seu potencial.

Para isso define um conjunto de critérios e selecciona 12 organizações nos Estados Unidos e Europa, de 100 a 40.000 colaboradores e em sectores tão diferentes como o processamento de tomate, produção e distribuição eléctrica, atenção médica ou consultoria tecnológica.

Desta investigação nasce em 2014 o livro “Reinventar as Organizações” onde Laloux apresenta um modelo conceptual da evolução das organizações, as etapas e paradigmas que as governam e os limites e progressos de cada um, utilizando uma cor para nomear cada paradigma: vermelho, âmbar, laranja, verde e teal (azul-verde em inglês).

Uma parte do livro descreve os padrões comuns às 12 organizações e o paradigma que Laloux designou como Teal, o mais recente e evoluído. Os parágrafos seguintes descrevem o modelo conceptual, sendo importante deixar claro que não há necessariamente um “melhor” ou “pior” paradigma, pois cada um tem os seus limites e progressos e maior probabilidade de êxito num determinado contexto. Um resumo formulado no contexto da adopção de metodologias Ágeis pode ser visto neste vídeo.

O modelo conceptual de Frederic Laloux

Vermelho.

O paradigma vermelho nasce há cerca de 10.000 anos à medida que a população se organizava em tribos. Baseia-se na existência de um líder poderoso que exerce a sua autoridade através do medo e prospera num contexto caótico. Os seus progressos foram a autoridade de comando, com um líder que dirige o grupo em direcção a um objetivo , e a divisão do trabalho. A melhor metáfora para descrever este paradigma é o da manada de lobos. A Mafia e as milícias tribais são exemplos actuais de organizações vermelhas. A fragilidade destas estruturas e a sua visão de curto prazo impedem o seu êxito continuado.

Âmbar.

O paradigma Âmbar pode-se metaforizar como um exército, surgindo precisamente em estruturas hierárquicas como os exércitos romanos. Neste caso a hierarquia não se define por poder mas sim por estatuto, sendo as estruturas mais estáveis que as vermelhas e exercendo um forte controlo sobre os indivíduos que as integram. Os progressos do paradigma Âmbar relativamente ao vermelho foram a perspectiva a longo prazo, a existência de processos estáveis e a criação de cargos formais. As administrações e escolas públicas e as instituições religiosas tradicionais são muito frequentemente exemplos do paradigma Âmbar. Estas organizações têm êxito num contexto mais estável e dificuldades em adaptar-se num ambiente volátil e com constantes mudanças.

Laranja.

A máquina é a melhor metáfora para o paradigma Laranja, nascido na idade da razão e no qual a meritocracia permite que as melhores ideias possam ter êxito, independentemente do estatuto do seu autor. As organizações Laranja estimulam a concorrência interna e estão também em concorrência permanente com outras organizações. Focam-se no lucro/criação de valor económico e têm uma gestão baseada em objetivos definidos pelo topo da organização. Os seus progressos relativamente ao paradigma anterior foram a capacidade de inovação sistemática, a responsabilização dos membros da organização (normalmente com alguma flexibilidade para definir a estratégia para alcançar os objetivos) e a meritocracia. O Laranja é provavelmente o paradigma mais comum nos nossos dias, com muitos exemplos em empresas de grande dimensão. O limite das organizações Laranja é a retenção do talento, quando os seus membros desconectam com a organização e os benefícios financeiros ou outros factores de motivação extrínseca deixam de ser suficientes para que se mantenham na organização.

Verde.

O paradigma Verde nasce da procura por mais significado e propósito no trabalho. A metáfora que melhor descreve este paradigma é a família. As suas principais características são o foco na satisfação do cliente, nos valores da organização e um grande comprometimento por parte de todos os membros da organização. Os seus progressos relativamente ao Laranja foram o equilíbrio das partes interessadas (em inglês, stakeholders balance: clientes, colaboradores, accionistas, comunidades, etc.), dar mais prioridade à cultura do que à estratégia e um verdadeiro empoderamento dos membros da organização, independentemente do seu status hierárquico. Os movimentos Agile e Lean surgem no contexto de empresas operando neste paradigma e alguns dos exemplos mais referidos são a Southwest Airlines e a Ben & Jerry’s.

As empresas Verdes enfrentam o seu limite quando o tempo de tomada de decisões, muitas vezes baseado em consenso, se torna excessivo e quando as estruturas hierárquicas, ainda que mais ligeiras que no paradigma Laranja, entram em conflito com os desejos dos colaboradores. Isto sucede muitas vezes quando a dimensão da organização ou outros factores como a distribuição geográfica adicionam complexidade aos processos de decisão e de coordenação. A tendência é recorrer ao conhecido e reforçar as práticas do paradigma anterior, neste caso o Laranja: definir ou detalhar mais os objetivos pela estrutura de topo da organização, aumentar o controlo e os relatórios, reforçar a hierarquia, etc. É o primeiro passo para a perda do talento.

Teal.
O paradigma Teal surge à medida que as organizações descobrem como trabalhar eficazmente de forma auto-organizada e a melhor metáfora para descrevê-lo é um sistema vivo. As suas principais características são a organização em estruturas adaptativas e resilientes (ou “antifrágeis” para utilizar o termo de Nassim Nicholas Taleb), o facto de se guiarem por um propósito superior comum e o considerar a opinião de todas as pessoas afectadas por uma decisão. Os seus progresso relativamente ao Verde foram a autogestão, a plenitude e o propósito evolutivo.

Autogestão: As Organizações Teal encontraram a forma de funcionar de forma eficaz, inclusivamente em grande escala, com um sistema que não recorre às hierarquias tradicionais nem ao consenso. Com ferramentas como a forma de tomar decisões que se realiza através da consulta aos principais afectados pela decisão, em vez de recorrer á hierarquia top-down ou ao consenso.

Plenitude: As Organizações Teal têm um conjunto coerente de práticas que convidam todos os trabalhadores a reclamar a sua integralidade como pessoa e lhes permitem apresentar-se como um ser completo, frente ao modelo tradicional no qual a componente profissional se impõe aos aspectos emocionais, intuitivos e espirituais.

Propósito Evolutivo: Considera-se que as Organizações Teal têm uma vida e um sentido de orientação próprios. Em vez de tender prever e controlar o futuro, os membros da organização estão convidados a escutar e entender o que a organização quer chegar a ser e a que fim procura servir. É um processo de descoberta constante e também de observação do contexto envolvente e de como a organização interage com esse entorno.

Alguns dos casos mais famosos de empresas Teal são a Holandesa Buurtzorg e a Estado-unidense Morning Star.

Buurtzorg é uma empresa de cuidados de enfermaria ao domicilio fundada em 2007, completamente autogerida, que cresceu de 4 a 14.000 pessoas em 10 anos e com os melhores resultados de satisfação do cliente no seu segmento. A empresa opera num modelo de 1.000 equipas autónomas e autogeridas que se encarregam de todo o processo de cuidados de saúde. Nos escritórios centrais há uma equipa de suporte de 50 pessoas e uma equipa de 18 coaches que assegura o apoio às equipas que necessitam de ajuda externa na resolução de algum problema ou conflito.

Morning Star é uma das maiores empresas de processamento de tomate do mundo, responsável por processar 40% da produção de tomate da Califórnia, contando em 2016 com cerca de 400 empregados nas duas 4 fábricas. A empresa funciona sem directores e os trabalhadores não têm um chefe hierárquico, reportando directamente aos colegas. Em 2008 a empresa criou o Instituto de Autogestão com o objetivo de investigar e ensinar as suas práticas a outras organizações.

Guias práticos — Sociocracia 3.0 e Estruturas Liberadoras

Estas duas ferramentas, com objetivos e âmbitos muito diferentes, estão disponíveis sob licenças Creative Commons e apresentam novas práticas concretas sob a forma de padrões que se podem adaptar e experimentar em muitas áreas da organização.

Sociocracia 3.0: (Sociocracy 3.0 ou S3) é um guia prático para desenvolver organizações ágeis e resilientes em qualquer escala, criado por James Priest e Bernhard Bockelbrink em 2014. Oferece uma extensa colecção de orientações gerais e práticas concretas (cerca de 70 padrões) que provaram ser úteis para melhorar o desempenho, alinhamento e o bem-estar de organizações.

S3 tem como base a Sociocracia clássica, que actualiza integrando princípios e padrões Agile e Lean e está construída sobre 7 princípios fundamentais: Transparência, Efectividade, Equivalência, Consentimento, Melhoria Continua, Empirismo e Responsabilidade.

Os 70 padrões abarcam muitas das diferentes áreas da organização, como a coordenação do trabalho, o estabelecer e fazer evoluir acordos, a realização de reuniões eficazes, a governança, a adaptação dos padrões à la realidade da organização, a atribuição de funções a pessoas, a estruturação da organização e o seu alinhamento.

A S3 pretende ajudar as organizações a descobrir a melhor forma de atingir os seus objetivos e navegar a complexidade, em pequenos passos, sem a necessidade de uma mudança radical na organização e propõe:

  • começar na área da organização com uma necessidade mais prioritária, seleccionar um ou mais padrões para experimentar e seguir ao ritmo da organização.
  • independentemente da posição de um individuo na organização sempre haverá algum padrão útil e relevante para pôr em prática e agir.

O documento com a descrição detalhada de todos os padrões está disponível na web e há cursos de iniciação com regularidade por toda europa.

Estruturas Liberadoras: (Liberating structures ou LS) são um conjunto de 33 estruturas alternativas para facilitar reuniões e conversas, organizadas por Henri Lipmanowicz e Keith McCandless. Os seus objectivos são fomentar a inovação e aumentar a participação, inclusão e implicação dos indivíduos, contribuindo para aumentar a confiança e a colaboração.

As 5 microestruturas convencionais que se utilizam mais frequentemente nas organizações e equipas são as apresentações, as conversas geridas, os pontos de situação, as conversas abertas e os brainstorms.

Segundo Henri Lipmanowicz e Keith McCandless, o problema com estas estruturas é que são demasiado restritivas (caso das apresentações, as conversas geridas, os pontos de situação) ou demasiado desestruturadas (caso das conversas abertas e dos brainstorms). Pelo contrário as LS foram desenvolvidas para distribuir o controlo e permitir a participação de um grande número de pessoas.

As estruturas estão disponíveis em livro, na internet e numa App para iOS e Android e são suficientemente simples para que possam ser postas em prática por qualquer pessoa.

Conclusões

Vivemos na era da complexidade, num contexto em mudança permanente e acelerada, pelo que parece evidente que algumas das melhores práticas de gestão do passado já não são capazes de conduzir as organizações aos mesmos resultados de sucesso.

Como as formas de vida na terra, as organizações evoluíram ao longo de milénios num experimento contínuo: estima-se que cada ano nascem 50 milhões de empresas no mundo, 137.000 por dia.

Segundo o modelo de Frederic Laloux, ao longo dos tempos superaram-se grandes desafios, como a Inovação conquistada pelo paradigma Laranja ou o compromisso dos colaboradores e respectiva diminuição da taxa de rotatividade das empresas Verdes. Agora apresentam-se evidencias do surgimento do paradigma Teal e da existência de organizações resilientes, capazes de adaptar-se a um contexto dinâmico e em mudança permanente onde os indivíduos podem desenvolver ao máximo o seu potencial.

Nos últimos anos foi muito difundido o caso da transição da empresa Zappos para Holacracia, um método de governança e de gestão descentralizada e o facto de que 20% dos empregados tenham decidido abandonar a empresa no processo.

Parece ser que o caminho em direcção ao paradigma Teal ou à autogestão é único e específico a cada organização e que soluções pré-confeccionadas dificilmente se podem aplicar neste contexto. O que sim parece claro é que há padrões e práticas comuns que podem ser adaptadas e aplicadas ao contexto específico de cada organização.

E parece também claro que o paradigma Teal ou a autogestão não são uma meta que se alcance e termine: a chave do seu êxito é o próprio processo constante de pôr em prática, adaptar e melhorar continuamente.

Artigo publicado originalmente na newsletter Futurizable.

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Hugo Lopes

Agile and Self-management transformation. Organizational Network Analysis, Change Management and Innovation. Sociocracy 3.0.