Minha experiência como vítima de racismo na escola.

Iasmin Soares
5 min readJan 28, 2019

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Créditos: Imagem da internet

Olá, fiquei muito feliz com o alcance do meu primeiro texto e de certa forma me animou para continuar escrevendo. Quis trazer um assunto que fez e faz parte da vida de muitas pessoas e que de alguma maneira deixou certo resquício em suas vidas.

Esse tema não é nada fácil de abordar, porque sempre as memórias ruins chegam e com elas a tristeza e angústia de momentos que nenhuma pessoa deveria ter passado na vida. Mas é necessário debater essas questões para que algum dia isso não aconteça mais.

Em primeiro lugar, é importante diferenciar o bullying do racismo. O bullying caracteriza-se como episódios repetitivos de violências psicológicas, verbais e físicas. Já o racismo é qualquer ato discriminatório que tem como embasamento a raça branca considerada superior. Entretanto o bullying pode se associar ao racismo, tornando o ato ainda mais danoso a vítima.

Na minha vida escolar sofri com muitas situações de racismo. No ensino fundamental II foi onde eu comecei a querer me embranquecer para conseguir me enturmar e para descolar algum “crush”, mas nada que eu alterasse no meu visual mudava a minha condição de ser negra. Logo no sexto ano, eu só ia para a escola de rabo de cavalo, bem apertado para meu cabelo não “afuasar”. Nesse período reclamavam que meu cabelo não deixava enxergar o quadro(lousa), então fui sentar nas carteiras de trás da sala de aula. No sétimo ano, um menino da minha sala que sentava na minha frente chegou em mim e durante nossa conversa ele falou que eu deveria alisar meu cabelo porque ficaria mais bonito. Pensei muito nisso o dia inteiro e dei um jeito de alisar meu cabelo. No outro dia cheguei com o cabelo alisado por chapinha, mas não adiantou muito porque eu tenho o cabelo bastante volumoso e só esse método não seria suficiente para tornar meu cabelo estirado aos moldes europeus, os colegas de sala perceberam e riam muito perguntando o que eu tinha feito para o meu cabelo ficar pior ainda.

Pedi para minha mãe me levar em um salão para alisar, finalmente ela atendeu meu pedido. Aquele foi um dia incrível, pois pela primeira vez me senti com o cabelo igual o da minha mãe, bem lisinho. Quando eu cheguei na escola com o novo visual, umas meninas que eram “populares” ficaram impressionadas e foram perguntar o que eu tinha feito porque não era possível ser o mesmo cabelo. Desde então só usava meu cabelo alisado, mas não era suficiente para atrair olhares e isso mexeu muito com minha autoestima.

No ensino médio mudei de escola, fui estudar em outra cidade, em uma escola maior e de nome. Mas não imaginaria o quanto de traumas que esse ambiente me causaria. No primeiro ano eu ainda tinha o cabelo alisado e colocava muito pó no rosto, fiz amigos que até hoje tenho contato e carinho grande, alguns meninos não falavam comigo e eu percebia que havia algo errado.

O segundo e o terceiro ano foram os piores anos da minha vida escolar e da minha vida particular. Eu tinha medo de fazer observações ou tirar dúvidas, mesmo na aula de história e sociologia (matérias preferidas), com receio de virar motivo de chacota para os meninos da minha sala. Mas perdi esse medo e comecei a fazer questionamentos aos professores e me impor na sala de aula e isso incomodava muito esses garotos, então eles começaram a verbalizar as “brincadeiras” que antes eram só internas. Eu levava como normal mas isso doía muito, os colegas presenciavam, entretanto ficavam achando graça ou não repreendiam e permaneciam calados. Tinha um professor de história que era evidentemente racista e ele não respondia minhas dúvidas ou fingia que não ouvia, mas sempre respondia os racistas da minha sala. Minhas notas eram excelentes nessa matéria porque eu gostava muito e estudava em casa, eu fazia questão de sempre tirar notas altas, entretanto não era suficiente para ele me tratar como os outros alunos.

No final do segundo ano, eu fiz meu bc (grande corte) e me livrei de toda química que habitava meu cabelo, fiquei com o cabelo bem curtinho e isso atingiu bastante minha autoestima, meu amor próprio ficou lá no pé. Com os comentários racistas piorava muito mais minha condição e às vezes eu só queria não existir para não ser alvo de tanto ódio

Os episódios de racismo aliados com o bullying se tornaram mais frequente no terceiro ano, o ano que seria o mais importante para decidir o meu futuro foi o mais doloroso. Os meninos descobriram outra forma de me atingir e começaram a me agredir pelas redes sociais, eu ficava muito mal mas eu preferia ser otimistas e sempre pensar o melhor, apagava as ofensas e junto com elas tentava também apagar minha dor. Chegou um dia que eu estava na sala da minha casa quando comecei a me debulhar em lágrimas e minha mãe viu, ela perguntou o que tinha acontecido, eu não queria falar, eu não conseguia falar só conseguia chorar e soluçar. No entanto, ela insistiu e eu mostrei meu facebook com as ofensas racistas proferidas por muitos meninos da minha turma. Por conta do meu cabelo curto, eles me chamavam de “Ronaldinho Gaucho” e por simplesmente eu ser negra me chamavam de “macaca”. Pela primeira vez vi minha mãe abalada e indignada pelo racismo, mesmo que não tivesse sido com ela aquilo doeu muito. A escola foi acionada e informada, houve uma reunião com minha mãe para dizer que medidas seriam tomadas, mas nada foi feito pela escola, nem uma punição para os meus algozes e eles continuaram a me perseguir. Os racistas criaram um perfil “fake” para ver as coisas que eu postava e todo dia eles comentavam em sala de aula em voz alta os meus posts com piadas racistas.

Mal sabem todos eles que isso funcionou como uma mola para o meu processo de empoderamento, eu tenho orgulho da minha cor, tenho orgulho do meu cabelo natural, tenho orgulho de mim. Hoje sou uma jovem mulher universitária que aos poucos foi descobrindo quem era e qual era o seu lugar no mundo. Então resolvi pegar todos esses episódios e ressignificar tornando-os parte da minha luta contra o racismo, porque meu segundo nome é resistência.

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