Ultraviolência: o carrossel do trauma

Ingrid Cordeiro
5 min readMay 26, 2022

É engraçado como conseguiram botar na nossa cabeça a ideia de progresso. Não existia como pensamento dominante até o século 19, mas desde então, nossa sociedade mundial romântica, nacionalista e capitalista introjetou o ideal de progresso. Isso nos tornou pessoas cada vez mais preocupadas com o crescimento ascendente do mundo e, consequentemente, das nossas vidas.

Só que viver continua a mesma coisa que sempre foi: ilógico.

Vez ou outra me pego, nessa trajetória do Burnout, querendo um processo reto e ascendente em que: estive mal, fiquei mais ou menos, olhei pra dentro, identifiquei as feridas, curei-as e agora sigo em frente como se nada tivesse me acontecido, ou pelo menos como se isso nunca mais fosse me acontecer de novo.

Não é assim e minha cabeça dura de traumatizada tem demorado muito pra entender isso. Queria já estar trabalhando de novo, afinal não posso ficar sem renda.

No início de 2021 comecei minha saga de: ok, já entendi o que me aconteceu, o porquê e agora estou pronta pra voltar ao mundo do trabalho. Eu sabia que teria de ir devagar, afinal naquela época eram 3 anos longe de tudo.

Comecei fazendo vídeo pra uma disciplina da nova graduação que estava fazendo. Foi uma tortura. Pesquisei bastante, tive algumas crises de ansiedade, chorei, gravei o vídeo umas 20 vezes, mas fiz.

Apesar do estresse que foi, me dispus a tentar e isso é importante.

Em meados do mesmo ano, resolvi cursar uma disciplina de jornalismo na universidade, já que ela permite que os alunos vão a aulas em outros cursos.

No início estava tudo bem, eu conseguia discutir nas aulas e ler os conteúdos (com muita dificuldade, claro. É nítido aqui o alto dispêndio de energia pra fazer coisas simples, que antes eram quase intuitivas).

Só que a prova final era fazer um modelo de reportagem sobre política. Não consegui.

Chorei, pesquisei, me pus de frente ao computador pra escrever. Ai, gente, fiz muito esforço, juro! Até porque, nunca reprovei em nada na universidade e não queria reprovar agora.

Acabei reprovando. Como que eu ia chegar no professor da disciplina e dizer:

“olha, professor, eu sou uma burnoutada que está tentando vencer o trauma, mas apenas não consigo fazer essa atividade, não sai nada, eu só choro e tenho muita dor de cabeça. Por favor, o senhor poderia me dar outro tipo de avaliação?”

Me senti muito frustrada depois desse baque. Não sou do tipo que desiste das coisas, acho que nenhum burnoutado é e essa é uma dificuldade de quem enfrenta isso: aceitar que não vamos conseguir sempre.

Agora, tu acha que eu desisti depois dessa?

Acredito que já contei em algum outro texto dessa série sobre uma entrevista pra social media de político que fiz em setembro de 2021 e deu MUITO ERRADO.

Fiquei um mês depois do ocorrido em estado depressivo e sem conseguir ter vontade pra nada. Foi um completo desastre.

Nesse mês, fui fazer uma prova de concurso pra vaga de jornalista. Passei 3 semanas estudando, já foi difícil só entrar em contato com os assuntos de novo. Foi um exercício muito árduo.

Nos dias que antecederam a prova, tive febre, dor de cabeça, tremedeira. Não dormi um dia antes.

Fui pra prova de máscara (pois ainda temos covid por aí), mas senti muita falta de ar, suei, chorei antes de entrar e ensaiei um plano pra sair correndo dali, não fosse meu pai me deixar na porta do local de prova (ele não sabe de nada). Sentei na cadeira e tive uma enxaqueca enorme que me deixou tonta. Meditei alguns salmos pra tentar me acalmar. O coração a mil. Acho que quem lê isso que tenho escrito sabe bem como um ataque de pânico funciona.

Mas, não sei se acontece com você, sou muito provida do autocontrole em situações de altos níveis de estresse. Sempre fui do tipo de gente que RESOLVE os problemas, não dos que CAUSA.

Isso significa o famoso “engole o choro”, que muitas crianças escutam por aí.

Fiz a prova, sei lá como. Terminei, entreguei, saí e desabei. Passei 4 dias muito mal. Achando que não valia a pena viver, porque o que pra cada um ali daquela prova foi apenas uma prova (e que com certeza ficaram nervosos, mas aquele nervoso saudável), pra mim foi uma guerra entre eu e eu mesma e, na minha concepção, uma guerra perdida, já que dificilmente serei uma das 2 pessoas selecionadas pra vaga.

Me pus em situação de pânico e posterior humor depressivo e apatia em vão.

Só que, como diz ela, a inspiração pra essa série, Lana del Rey:

Hope is a dangerous thing for a woman like me to have, but I have it (A esperança é algo perigoso pra uma mulher como eu ter, mas eu tenho)

Seria muito mais “fácil” lidar “só” com a tristeza de não conseguir seguir em frente do que com a tristeza de voltar a fazer algumas das coisas que fazia antes E OS ATAQUES DE PÂNICO QUE DECORREM DE TODAS ESSAS TENTATIVAS.

Na minha mente traumática, é melhor evitar pelo menos essa perda do próprio controle, a iminente ação de sentir que está a ponto de morrer só de lidar com algo parecido do que já aconteceu antes (o famoso gatilho).

Só que isso não é viver. Isso é se esconder atrás de um medo e eu não quero passar o resto da minha vida (seja lá quanto tempo ela durar) frustrada por nem tentar sair dessa.

Então sigo tendo esperanças que me são perigosas. Não penso em voltar ao mercado do jornalismo, mas sinto que só me sentirei completa e plena quando escrever uma matéria, fazer conteúdo pra internet, lidar com as relações de trabalho, entre outros, não sejam um filme de terror pra mim.

Preciso honrar minha história: tudo que passei pra me formar, todos os sacrifícios que fiz inconsciente e conscientemente por essa profissão. Nada disso pode ser em vão. Mesmo não querendo mais seguir nisso, acredito que todo conhecimento é útil e não posso inutilizar o meu por causa do medo.

Sigo tentando realizar tarefas simples, dispendendo uma energia surreal pra sair do lugar. Não tomo medicação, não faço terapia, mas não é por falta de vontade, é por falta de condições mesmo.

Que eu consiga continuar tendo esperança, ainda que ela seja perigosa pra mim.

Processos não são retas ascendentes, mas sim curvas, círculos, desenhos abstratos. Um passinho de cada vez, a gente chega lá.

Textos da série em ordem de publicação:

>> Ultraviolência: minha experiência com o Burnout <<

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