Ultraviolência: “O que tu faz da vida agora?”

Ingrid Cordeiro
5 min readFeb 18, 2022

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Essa pergunta me assombra desde agosto de 2018 e fiquei desde então pensando o que responder quando me perguntarem isso. Agora sei a resposta

É incrível como nosso valor pro mundo, pras pessoas, pra sociedade, está atrelado ao trabalho. Uma pena que eu tenha de ter passado pela Síndrome de Burnout pra compreender isso.

Meu processo é bem detalhado aqui no medium, e no final desse texto você encontra os outros em ordem cronológica, mas tem algo que ainda não pus escrito aqui:

o esgotamento teve início, sem eu nem perceber, em abril de 2017. Agosto de 2018 foi só eu saindo do que me levou a isso

Isso significa que é uma batalha longa, com muitas nuances e complexa. Em janeiro de 2018 lembro de ter escrito, no auge da depressão, que me sentia inútil por não ter um trabalho. Tinha acabado de finalizar meu período de estágio não havia nem 2 meses e não podia trabalhar formalmente, pois não havia colado grau.

Era muito cedo para me sentir inútil por não ter um trabalho. É bem verdade que eu deveria estar curtindo esse período como as férias que não tive direito por tanto tempo. Mas eu me sentia e não me questionei o porquê. Em vez de olhar para a causa desse sentimento, resolvi me culpar por não estar trabalhando, por não ser “alguém”.

E então, toda vez que tentava sair de casa, ver pessoas, conversar, espairecer, esquecer essa dor que me consumia, o que eu mais ouvia das pessoas era:

O que tu tá fazendo da vida agora?

Essa pergunta era que nem um tiro no meu peito toda vez que ouvia. Pior: não sabia a resposta, comecei a ficar desesperada, primeiro porque percebi que só respondia sobre o trabalho, segundo, que não tinha mais trabalho pra eu me escorar a resposta.

E agora?

Essa simples pergunta, que passou a ser um tormento, me fez entrar num espiral de angústia, sentimento de incapacidade e inutilidade nesse mundo sem precedentes.

Foi então que tive uma estúpida ideia: preciso me ocupar com alguma coisa, nem que seja pra poder dar essa satisfação às pessoas e aos meus pais. Tenho que me por em utilidade de novo. A partir disso, pensei em estudar pra concurso (um lance abominável pra mim) só pra ninguém achar que eu não estava fazendo nada.

Gosto de estudar o que acho interessante, assim como qualquer mortal. Fui caçar um concurso interessante, com matérias que não se resumissem a direito e raciocínio lógico, pra passar o tempo. Foi aí que dei de cara com a diplomacia.

É um dos concursos mais difíceis do Brasil, o que implica dizer que passaria um tempão estudando pra passar — pelo menos o tempo necessário pra rearranjar minha vida e descobrir alguma utilidade nela. Não sei como consegui ser minimamente racional no meio da loucura do esgotamento e da depressão, mas obrigada Ingrid do passado! * — *

Comecei a estudar e na 1ª semana recebi uma ligação do jornal pra fazer um freela de 3 meses na redação. Aí larguei meu projeto diplomata, já que tinha de novo uma resposta pra pergunta “O que tu tá fazendo agora?”.

Só que nesse tempo veio o período ansioso do Burnout, as crises físicas e emocionais, o desespero, a depressão acentuada, enfim… o que já detalhei em outros textos.

Em 10 de agosto de 2018 larguei o jornalismo, finalizei meu contrato com o jornal e 30 de agosto estava eu lá, com a cara mais lavada do mundo! Fazendo a prova do Rio Branco. Afinal, eu precisava de novo desse álibi já que larguei carreira e as pessoas continuavam a perguntar “O que tu tá fazendo agora?”.

No entanto, eu não tinha levado em consideração uma coisa: essa foi uma solução muito ruim pra minha questão. Achei que valorizassem mais os concurseiros, porém percebi que não: estudar sem trabalhar é um nível de pressão absurdo! As pessoas continuam “cobrando” de você uma utilidade. Como se estudar, por si só, fosse inútil.

Aí resolvi fazer uma segunda graduação, porque pelo menos estaria saindo de casa. De nada adiantou. As pessoas continuaram no meu pé do ouvido perguntando: “mas o que você está fazendo DE VERDADE da vida?” . “mas você não vai voltar pro jornalismo?”, “mas você não vai trabalhar mais não?”

AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAA

Ou seja, não importa. Eles nada sabem do que aconteceu, duvido muito que realmente se interessassem em entender o que se passou. A pressão continua e continua. Acredito que é por essas e outras que tanta gente tira a própria vida: não importa seu esforço, sua história, suas cicatrizes, se você não está trabalhando, é uma inútil.

Só que obviamente sou teimosa e questionadora demais pra levar isso como verdade e pronto. Silenciei as pessoas e as vozes internas que me chamavam de inútil. Resolvi em 2020 ME ESCUTAR a partir do SILÊNCIO.

Ouvi que sou útil sim, tenho validade, tenho dignidade, força de vontade e verdade. Ouvi que emprego NENHUM me define ou define o que faço da vida. Ouvi que sou mais muito mais do que pensam, muito mais do que sonham.

E foi depois de me ouvir que decidi: quero mesmo a diplomacia. Não mais como desculpa para os que pensam na minha aparente “inutilidade”, mas porque acredito que a partir dessa carreira, que é estável em certos aspectos, já que me permitirei desenvolver habilidades e errar sem ser posta pra fora. Tem assuntos os quais me interessam muito e uma função que considero nobre. Porque, apesar de ser funcionária pública, terei um leque enorme de possibilidades dentro do trabalho que exercerei (o que é importantíssimo pra mim, já que não suporto a estagnação). Poderei me sustentar sem medo de perder o emprego e ficar sem dinheiro para pagar as contas. Enfim, poderei ter uma certa dose de dinamismo sem precisar enlouquecer e estabilidade sem me sentir estagnada.

O caminho do meio.

E agora que decidi, preciso caminhar ainda um longo caminho para chegar lá, já que, afinal, esse é um dos concursos mais difíceis do país. Não sei se vou passar, apesar de agora conscientemente querer muito. Mas estou em paz e com serenidade para estudar até onde achar que devo. E se não der certo? Tudo bem, continuarei seguindo pelo lado do sol, dançando até morrer, como diz Lana Del Rey em Dance Till We Die.

Hoje, se me perguntas “O que tu tá fazendo da vida?”, já tenho uma resposta:

“TRANSFORMANDO MINHAS DESILUSÕES EM ESPERANÇA”

Próximo texto: Ultraviolência: o carrossel do trauma

PS: Acabei fazendo uma lista por ordem de publicação de todos os textos pra deixar mais organizado e mais fácil pra quem está lendo haahha. Não achei que ia virar tanto texto, nem que tantas pessoas leriam. Segue o link, galera:

Textos da série em ordem de publicação:

>> Ultraviolência: minha experiência com o Burnout <<

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