Um Estudo Arquetípico de Berserk

Idelmino Ramos Neto
3 min readApr 14, 2019

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Com um Deus que se alimenta de dor, mesclando conceitos de gnose dracônica e Lovecraft, num mundo onde impera a crueldade e as trevas, sem espaço para heroísmo ou vilania — já que cada personagem é o núcleo de seu universo pessoal, perpassado por conflitos psíquicos, motivações escusas e sonhos, Berserk — de Kentaro Miura — é uma daquelas raríssimas obras que chegam e moldam o zeitgeist, alterando todo o consciente coletivo de uma era.

Guts é apresentado nas vestes puídas de um lendário guerreiro anti-heroico, desprezível e odioso, de caráter dúbio, que teme criar laços e sofrer (mas sempre acaba por fazê-lo, afinal, é humano, demasiadamente humano), já que sentiu na carne e na alma todas as mazelas do Ser. Um legítimo cavaleiro cátaro (o paralelo com a heresia cristã medieval é claro), que repudia a matéria e a existência e vive, única e exclusivamente, motivado pela ira (sagrada, a seu modo) e a vingança. Entretanto, é impotente diante da crueza e da violência de forças do destino maiores que si.

Aline Psidonik Finkler.

Griffith, o antagonista, encarna o arquétipo do cavaleiro solar apolíneo, belo e inspirador, que comove a todos através do exemplo e das palavras, um espelho da aristocracia marciana descrita pelos romanos. O Falcão Branco ama sua companhia de mercenários, mas não hesita em sacrificá-la em prol da realização de seu sonho (a constituição de um país próprio), afinal é um rei sem coroa, um nacionalista sem nação, que nunca poupará esforços ou sangue. A chave para compreender o espírito que o move é a Vontade de Poder esboçada em Nietzsche, a única moral que importa é a realização do fim, nem que custe uma montanha de corpos ou um rio de vísceras.

O firmamento e o abismo, símbolos universais das crenças pré-cristãs, pululam de diversas formas no imaginário criado pelo autor, e explicam forças colossais que digladiam, destruindo tudo no caminho. Berserk é uma das obras de ficção cujo monomito de Jospeh Campbell é incapaz de explicar, pois não há heróis ou vilões, somente humanos demasiadamente humanos, batalhando contra a opressão de energias cósmicas milenares maiores que si. Do catarismo gnóstico ao draconismo, do horror cósmico ao culto arianista nietzschiano, um texto não é suficiente para destrinchar toda a complexidade do universo de Kentaro Miura.

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