Quanto mais você lê, mais burro você fica
Você costuma ter pensamentos próprios? Ou passa os dias pensando pensamentos alheios?
Nesse texto eu falo sobre listas de leitura (não faça) e também sobre incentivar as pessoas a lerem cada vez mais livros (também não faça). Mas vamos com calma.
Afinal, como que eu, um escritor, posso sugerir que ler emburrece as pessoas? Todas as reflexões aqui tem um ponto de partida, um livro que li recentemente chamado “A Arte de Escrever” de Schopenhauer. Com uma escrita boa e uma voz de velho chato ranzinza e amargurado, o véi Schopen alugou um triplex na minha cabeça durante o livro. Segundo ele, há uma diferença entre os Eruditos (pessoas que acumulam muito conhecimento dos livros) e os Pensadores (aqueles que trazem ideias novas e as colocam nos livros).
Vou te dar um exemplo prático. Tente se lembrar das suas aulas de filosofia na escola, se é que teve essas aulas dependendo da sua idade. Lá era ensinado o que cada filósofo pensava. Você lia, aprendia tudo sobre os pensamentos deles e então despejava num papel à espera de uma boa nota. Acontece que filosofia não é decorar pensamentos, é pensar. O que você fez no colégio, então, não foi aprender Filosofia. Te ensinaram a História da Filosofia, nunca a filosofar de verdade. Em momento algum te incentivaram a ter pensamentos próprios, apenas a repetir o que outras pessoas escreveram séculos atrás. Pensar o pensamento alheio, nunca o próprio.
Isso obviamente teria reflexos no futuro. Eu vejo isso claramente no que eu chamo de Política de Bordão. Quantas vezes você já ouviu a frase “o Brasil vai virar uma Venezuela”? É tão repetida e tão batida que eu penso se a pessoa faz ideia do que está falando. Afinal, o que é “ser uma Venezuela”? Se for o caso de um país latino americano vivendo uma ditadura, bom… quem costuma falar isso defende a ditadura, não é? A ideia é criticar um governo de esquerda? Mas existe total diferença entre esquerda autoritária e esquerda democrática. O que esse bordão quer dizer? Acho que nem quem fala saberia te responder. Afinal, eles só repetem o que viram na internet.
Cair em Fake News nunca foi tão fácil. Repetir notícias falsas, meias verdades, bordões como “E o PT, hein? E o Lula” que acabaram virando meme, reforçam o que estou dizendo aqui. Há pouco esforço em pensar e refletir, há apenas em replicar o que foi escutado, sem muita crítica.
Mas não pense que isso é reflexo de uma sociedade sem estudos, limitada ao ensino médio precarizado. O mesmo pode acontecer em pessoas com nível superior, canudo debaixo do braço, diplomados. A falácia do Apelo a Autoridade tá sempre na boca de muito expert em qualquer assunto que seja. Não há argumentos próprios, há uma série de citações sobre pensador aqui e pensador alí. “Estando sobre ombros de gigantes”, um acadêmico pode facilmente citar outros pensadores para compensar a sua falta de ideias originais.
Retornando à minha leve hipocrisia, vou citar novamente Schopenhauer, esse velho chato muito carismático. “A peruca é o símbolo mais apropriado para o erudito puro. Trata-se de homens que adornam a cabeça com uma rica massa de cabelo alheio porque carecem de cabelos próprios.”
Confesso que dei risada toda vez que uma mitada dessas aparecia no livro. E no fundo, acabava concordando.
Mas e os livros? Bom, para o véi Schopen, “a leitura não passa de um substituto do pensamento próprio”. Ou seja, “uma pessoa só deve ler quando a fonte de seus próprios pensamentos secar”. Quando você lê um livro, você está pensando o pensamento daquele autor. Até que ponto isso é bom ou ruim?
Veja, não fossem os livros, estaríamos constantemente redescobrindo o fogo e a roda. Só avançamos enquanto sociedade porque há conhecimento armazenado para que, após aprendido, possamos avançar. Se você não aprendesse a se expressar, como pensaria? Armazenar informação, seja escrita ou oral, é fundamental para o avanço. Mas o avanço precisa de novas ideias, não apenas replicar as antigas.
Portanto, é sim necessário ler, mas é também necessário refletir sobre o que foi lido para então, a partir disso, ter os próprios pensamentos. Veja, mesmo antes de ter as próprias ideias, é necessário tempo para digerir as ideias alheias. E é aí que eu retorno ao início desse texto onde critico as listas de leitura e essa incessante vontade de ler cada vez mais livros por ano.
Há, obviamente, uma lógica capitalista de consumo. É necessário incentivar cada vez mais a leitura para que se possa vender cada vez mais livros de capa dura cheios de brindes desnecessários a preços absurdos. Além das empresas, quem mais ganha com isso? Te garanto que o leitor não. Ele se engana. E é aí que entra a importância das listas de leitura para essa lógica consumista.
Qualidade não importa, apenas a quantidade. O leitor criará uma Lista de Leitura do Ano no twitter, e a cada semana vai atualizando lá o livro que leu com uma análise que, na realidade, é apenas uma sinopse. Isso pode ser visto também em canais de YouTube e Podcasts que, ao analisarem alguma obra, seja livro ou filme, mais falam da sinopse do que de fato uma reflexão sobre a arte em si. Isso acontece porque não há tempo de pensar e digerir a obra, tem que partir logo pra próxima, produzir o próximo conteúdo, alimentar mais os algoritmos. Ou você fica pra trás e outro influencer fútil te passa a frente na corrida pelos seguidores.
E os meros leitores? Aqueles que não estão interessados em criar conteúdo, apenas ler? Esses, infelizmente, acabam sendo influenciados pela mesma lógica. A busca por livros feitos majoritariamente por diálogos, pular parágrafos de descrição, tudo para acelerar a leitura, partir logo para o próximo, alimentar o ego ao dizer para alguém que “você leu só dez livros esse ano? Eu li mais de oitenta”. Aham, Claudia, senta lá.
Imagine que quanto mais livros você lê, menos espaço há entre uma leitura e outra. Menos espaço tanto para digerir e entender o que foi lido, quanto para pensar os próprios pensamentos. Dessa forma, o pensamento crítico não é exercitado. Ou seja, ler é essencial e importantíssimo para a inteligência, para o avanço da humanidade e todo esse papo que eu já falei ali antes. (Inclusive, vá ler meus livros na Amazon). Mas não é só isso. É preciso assimilar o que foi lido.
Afinal, uma verdade é certa: quanto mais você lê, mais burro você fica.
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