Guerra do Kosovo — Raízes do conflito, história da região, sérvios, albaneses, início e fim do conflito

Igor C.R.H.
11 min readDec 12, 2021

--

Kosovo

Antes de iniciar a publicação, há de se levar em conta que os albaneses dizem que viviam no Kosovo a mais tempo que os sérvios. Já os sérvios dizem que os albaneses viveram na região apenas após a dominação otomana, e a seguinte islamização, também utilizam como o argumento, a realização de limpezas étnicas de sérvios feitas ao longo da história.

É preciso que se tenha em mente algumas coisas: A Albânia foi conquistada pelos Otomanos no século 14, e foi islamizada, nas guerras turco-albanesas de (1432–1479).
Houve a Grande Guerra Turca, em 1683, entre o Império Otomano, e o Sacro Império Romano Germânico + os Impérios de Habsburg, que fez com que a perseguição de sérvios, e migrações para o Império Austro-Húngaro ocorresse, entre esses imigrantes, alguns albaneses.

Grande Guerra Turca (1683–1699)

Kosovo, que já fazia parte de estados sérvios a mais de 500 anos, agora, permaneceu em mãos otomanas. Isso fez com que uma larga quantidade de população ortodoxa sérvia migrasse para o norte, e muitas áreas da região ficaram despovoadas, e forças otomanas lideradas pelo Destacamento İpek (um dos destacamentos do Exército Ocidental do Império Otomano), forçou os albaneses católicos do norte a ir para as regiões despovoadas, para convertê-los ao Islã. Durante os séculos 16 e 18, os albaneses/sérvios cristãos também foram convertidos à força ao islamismo por meio de violência severa, assédio e aumento de impostos dos otomanos.

Os albaneses serão parte importante nesta thread. Inicialmente, manuscritos austríacos datavam maioria albanesas, mas posteriormente, alguns mais modernos, datavam maioria sérvia, conflitando com dados anteriores. Mais tarde, iria eclodir as Guerras Sérvio-Otomanas (1876–1878), onde os sérvios venceram na segunda metade do conflito. Segundo Albaneses, as raízes do conflito surgiram na suposta expulsão dos albaneses de 1877 a 1878 de áreas que foram incorporadas ao Principado da Sérvia.
Ao passo de que, após 1877, quando a região passou a se chamar Vilaiete de Kosovo, segundo fontes sérvias atuais, mais de 400mil sérvios foram expulsos/deslocados da região, que passou a ter comunidades islâmicas albanesas e ortodoxas sérvias, fruto das movimentações ditas acima.

Guerras Sérvio-Otomanas (1876–1878)

Hora de saltar para o século 20. Desde então, tensões continuaram ocorrendo, inclusive, com a eclosão de grandes momentos de violência. Primeiro, temos que ter em mente o surgimento da Primeira Guerra Balcânica (1912–1913), onde a Liga Balcânica (Sérvia, Bulgária, Grécia, e Montenegro) com apoio russo e de voluntários italianos, derrotou o Império Otomano. Então, Sérvia retomou o controle da região de Kosovo. Posteriormente, foi formado o Reino dos Sérvios, Croatas, e Eslovenos (que manteve este nome até 1929, e depois passaria a se chamar Iugoslávia).

Primeira Guerra Balcânica (1912–1913)
Bandeira do Reino dos Sérvios, Croatas, e Eslovenos

Supostamente, o Reino adotou políticas de reassentamento e colonização para tentar frear o separatismo albanês, em tentativas de alterar a identidade nacional e religiosa de Kosovo, enviando voluntários sérvios. O que é rebatido pelos sérvios, quanto a demonização da medida, apresentando como prova, os dados de censos de 1921 e 1931.
Hora de falar um pouco sobre a Segunda Guerra Mundial. O Reino da Iugoslávia foi invadido pelas forças alemãs, italianas e húngaras em 6 de Abril de 1941, no que foi chamado Operação 25, justamente quando Petar Karađorđević II assumiu o poder. Alemanha e Itália ocuparam a Iugoslávia. Kosovo foi anexada administrativamente a Albânia, que agora era controlada pela Itália, como um protetorado.

Soldados do Heer (Exército) e de divisões Panzer da Waffen-SS (?) na armadura de um tanque Renault R35 capturado do Exército Real Iugoslavo
Bandeira do Protetorado italiano sobre a Albânia

Os voluntariados sérvios que antes foram enviados, foram mortos, deportados, e tiveram suas propriedades confiscadas por grupos albaneses ligados àadministração do protetorado. Segundo fontes, 100mil a 250mil sérvios foram retirados ou saíram da região para a Sérvia, dando espaço para a ocupação de colonos albaneses. Isso também é desmentido pelos albaneses. Calcula-se que 60% (a maioria) dos cidadãos da região do Kosovo, até a WW2, eram sérvios. Até que, durante a WW2, centenas de centenas de sérvios foram mortos e/ou forçados a fugir do local, muitos deles mortos pela croata Ustase.
Agora, após a Segunda Guerra, e a expulsão das forças do Eixo, sem mais tendo a presença das forças alemães e italianas na Iugoslávia, é hora de falar da era da Iugoslávia Socialista de Tito. Kosovo recebeu o status de região autônoma da Sérvia em 1946 e tornou-se província autônoma em 1963.

Província Socialista Autónoma do Kosovo

O anterior programa de incentivo de reassentamento com os voluntários foi descontinuado, a fim de evitar questões étnicas. Em março de 1945, Tito assina decreto banindo o retorno dos voluntários colonos. Ao longo da década de 1980, aumentaram as tensões entre as comunidades albanesa e sérvia na província.
A comunidade albanesa favoreceu uma maior autonomia para Kosovo, enquanto os sérvios favoreceram laços mais estreitos com o resto da Sérvia. Os sérvios que viviam no Kosovo foram discriminados pelo governo provincial, nomeadamente pelas autoridades policiais locais que não puniram os crimes denunciados contra os sérvios. A atmosfera cada vez mais amarga em Kosovo significava que mesmo os incidentes mais ridículos poderiam se tornar causas célebres.
Talvez a reclamação mais politicamente explosiva levantada pelos sérvios de Kosovo, foi que eles estavam sendo negligenciados pelas autoridades comunistas em Belgrado. Em agosto de 1987, Slobodan Milošević, então um político em ascensão, visitou Kosovo.

Slobodan Milošević

Ele apelou para o nacionalismo sérvio. Posteriormente, veio a dissolução da Iugoslávia, e a Guerra Civil Iugoslava, bem como a administração de Slobodan Milošević. Milošević assinou um decreto em 1995, que oferecia empréstimo para sérvios irem para o Kosovo, colonizarem a região.
Durante 1988 e 1989, as forças dominantes na política sérvia engajaram-se em uma série de movimentos que ficaram conhecidos como revolução antiburocrática. Os principais políticos do Kosovo e da província de Voivodina, no norte, foram demitidos e substituídos, e, segundo os albaneses, o nível de autonomia das províncias começou a ser reduzido unilateralmente pela autoridade federal sérvia. Em protesto, a supostas alterações constitucionais, os albaneses de Kosovo se envolveram em manifestações em massa e os mineiros de Trepča iniciaram uma greve de fome. Após as mudanças constitucionais, os parlamentos de todas as repúblicas e províncias da Iugoslávia, que até então tinham deputados apenas do Partido Comunista da Iugoslávia, foram dissolvidos e eleições multipartidárias foram realizadas.
Os albaneses do Kosovo recusaram-se a participar nas eleições e, em vez disso, realizaram as suas próprias eleições não sancionadas. Como as leis eleitorais exigiam uma participação superior a 50%, o parlamento de Kosovo não pôde ser estabelecido.
Junto a uma série de alterações administrativas, motins e protestos violentos eclodiram na região, principalmente por albaneses, bem como violência intercomunitária. Um estado de emergência foi declarado, e o Exército Iugoslavo foi enviado pra pacificar a situação.

Exército Popular Iugoslavo sendo enviado para pacificar a situação

Eleições não sancionadas foram realizadas em 1992, que elegeu por maioria Ibrahim Rugova como “presidente” de uma auto-declarada República do Kosovo; no entanto, essas eleições não foram reconhecidas pelos sérvios nem por qualquer governo estrangeiro.
Em 1995, milhares de refugiados sérvios da Croácia estabeleceram-se no Kosovo, o que piorou ainda mais as relações entre as duas comunidades. Ibrahim Rugova inicialmente defendeu a resistência não violenta, mas posteriormente a oposição assumiu a forma de agitação separatista por grupos políticos de oposição e ação armada, a partir de 1996 pelo Exército de Libertação do Kosovo, que segundo fontes que teriam acesso a documentos policiais europeus, teria ligação com sindicatos criminais na Albânia, Turquia e União Européia, sendo financiado também pelos Estados Unidos, e que inclusive ameaçava até albaneses étnicos. O que posteriormente, fez com que muitos acreditassem que o KLA bem como as agitações albanesas foram financiadas pela OTAN/EUA, o que é desmentindo por parte dos albaneses pró-KLA.

Soldados membros do Exército de Libertação do Kosovo

Líderes do KLA podiam ser vistos apertando a mão de Madeleine Albright. Em fevereiro de 1998, estourava a Guerra do Kosovo. Os ataques KLA se intensificaram, concentrando-se na área do vale Drenica com o composto de Adem Jashari sendo um ponto crucial.
Dias depois de Robert Gelbard (enviado dos EUA) descrever o KLA como um grupo terrorista, a polícia sérvia respondeu aos ataques do KLA na área de Likošane e perseguiu alguns do KLA até Čirez, resultando na morte de 16 combatentes albaneses.
O conflito pode ser dividido em duas fases. Na primeira, em 1998, a Iugoslávia venceu quase todos os embates contra o Exército de Libertação do Kosovo: em Prekaz, nos conflitos na fronteira em 23 de abril, na Batalha de Belaćevac Mine, em mais conflitos fronteiriços em 18 de julho (KLA recebeu apoio de Mujahideens), e seguidamente nas batalhas de Lođa, na decisiva Batalha de Orahovac, na estratégica vitória na batalha de Junik, onde o governo iugoslavo retomou o controle local, na Batalha de Glođane, em mais dois conflitos na fronteira em dezembro daquele ano, e em Podujevo. Segundo fontes da OTAN e albanesas, as forças iugoslavas estariam cometendo massacres contra albaneses do Kosovo, como o de Račak, o que foi negado pela Iugoslávia. Também foi dito que as tropas iugoslavas expulsaram 500mil albaneses do Kosovo, o que também foi negado.

Exército Albanês implementa tanques T-59 perto da fronteira de Kosovo
Exército da República Federal da Iugoslávia capturando Junik que estava nas mãos do KLA em 1998

Agora, chega a segunda fase, a OTAN entra na jogada, sem votação ou permissão no Conselho de Segurança da ONU, e inicia uma intervenção militar liderada pelos EUA, principalmente com bombardeios. O primeiro deles, se iniciou em 24 de março, em Novi Sad.
De acordo com comunicados de imprensa da OTAN, o bombardeio teve como alvo refinarias de petróleo, estradas, pontes e estações retransmissoras de telecomunicações, instalações que tinham usos militares. Porém, isso é visto com certa dúvida por muitos, inclusive, fontes sérvias e de outros locais, que na verdade, muitos dos alvos bombardeados foram escolas, creches, hospitais. A OTAN também utilizou as chamadas bombas de fragmentação, proibidas por conter urânio empobrecido, que foram as mesmas utilizadas na Guerra do Iraque de 2003, especialmente em Faluja. As estimativas variam de que 2,5mil a 5mil civis foram mortos. Segundo especialistas, estimam que 15 toneladas de urânio empobrecido foram usadas, três rios foram contaminados, fazendo com que a Sérvia tivesse a maior taxa de tumores maliciosos na Europa, com mais de 30.000 pessoas diagnosticadas com câncer nos primeiros 10 anos desde o bombardeio. Entre 10.000 e 18.000 deles morreram.
Também foi empregado a utilização de fósforo branco.

Novi Sad em chamas
Munições com urânio empobrecido

Os efeitos na saúde da exposição ao urânio empobrecido incluem distúrbios da tireoide, tumores maliciosos e vários distúrbios fetais. Instalações petroquímicas e refinarias foram bombardeadas, poluindo os rios do país com produtos químicos tóxicos.

Aumento da mortalidade acentuado devido aos efeitos da contaminação com urânio e outros materiais

Tendo que segurar os bombardeios da OTAN, as forças iugoslavas tiveram conflitos fronteiriços com o Exército Albanês, que forçaram aos iugoslavos a recuarem. Na Batalha de Košare, o ELK conseguiu pegar um posto avançado de fronteira em Košare, entre Iugoslávia e Albânia.
Em 12 de abril, em Grdelica, um caça F-15E Strike Eagle da USAF, bombardeou um trem civil com dois mísseis, pelo menos 20 civis foram mortos ou declarados desaparecidos, porém as estimativas, dão até 60 mortes.
Segundo autoridades da OTAN e EUA, foi com o intuito de atingir alvos econômicos da Iugoslávia, para acabar com a repressão aos albaneses em Kosovo e Metohija. Dois dias depois, a OTAN bombardeou um campo de refugiados em Gjakova, no que os pilotos acreditavam ser alvos e caminhões militares, 73 civis albaneses do Kosovo foram mortos, entre as vítimas eram 16 crianças.

O trem civil sendo bombardeado
Pessoas chorando no campo de Gjakova

Posteriormente, a OTAN também bombardeou a sede da Rádio Televisão da Sérvia, matando 16 funcionários, alegando que o local estava sendo usado para fins militares, e para espalhar ‘propaganda nacionalista sérvia’, diversas ruas iugoslavas/sérvias, a embaixada da China em Belgrado, segundo a OTAN, com a intenção de atacar a sede da Direcção Federal Iugoslava de Abastecimento e Aquisições, que era perto, matando 3 funcionários e ferindo 27.
Logo depois, a OTAN bombardeou um ônibus, ao tentar atingir uma ponte, em Lužane, 46 civis de etnia sérvia e albanesa foram mortos, entre as vítimas estavam 14 crianças. Em Niš, caças da Real Força Aérea Neerlandesa jogaram bombas de fragmentação com urânio na cidade, acabando por atacar centros médicos, pontos de ônibus, mercados e estacionamentos.
Por fim, ainda tivemos o bombardeio de uma coluna de refugiados albaneses em Koriša. O governo iugoslavo insistiu que eram civis, enquanto kosovares albanesas disseram que foram feitos de escudo humano por iugoslavos pra serem atingidos por bombas da OTAN, e a Batalha de Paštrik, onde o ELK conseguiu pegar partes das vilas da região, enquanto o Exército Iugoslavo manteve a presença na região do White Drin, porém, o ELK não conseguiu fazer maiores avanços, mesmo com apoio da OTAN, pois com o avanço e o fim dos bombardeios, foi assinado o Tratado de Kumanovo.

Sede da Rádio Televisão da Sérvia destruída
Coluna de refugiados bombardeada em Koriša

Esse tratado resultou no fim da Guerra do Kosovo, e estabeleceu novas relações básicas entre a Iugoslávia e a Força de Kosovo, que atuaria para substituir unidades do Exército Iugoslavo, que se retiraria do Kosovo, além de transferir a governança da província para as Nações Unidas. Em 2008, Kosovo declarou unilateralmente a independência, mas boa parte do mundo não reconheceu Kosovo como país independente, seguidamente, mais membros da ONU foram reconhecendo sua independência.
Há de se ressaltar também a grande destruição da identidade cristã, e da morte de centenas e centenas de cristãos nos bombardeios.

--

--

Igor C.R.H.

Fã de geopolítica, de diferentes culturas e de histórias militares.