Sobre estar perdido e se encontrar

Igor Miranda
11 min readApr 1, 2016

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Em 2014, eu decidi tirar um ano para me dedicar a diversas experiências. Após anos de estudo em engenharia, de vivência na atribulada cidade de São Paulo e de um ano trabalhando em um banco de investimento, eu me sentia completamente esgotado. Era hora de buscar novas experiências. Era hora de me dedicar a coisas que eu realmente gostava. Era hora de me encontrar.

Passei o ano inteiro de 2013 economizando o máximo possível e pesquisando por oportunidades para preencher o meu 2014. Eu queria estudar, trabalhar, viajar e participar de algum projeto social alinhado com as minhas crenças.

Escolhido meus destinos, não havia medo algum, apenas esperanças. Esperanças que agora posso dizer, foram muito, muito bem recompensadas.

Foram 6 meses morando em Boston, explorando a cultura do lugar, conhecendo pessoas do mundo inteiro e tendo o prazer inexplicável de vivenciar novas experiências diariamente. Guardo com carinho alguns momentos que tornaram-se memoráveis; ver as paisagens de Cape Cod que inspiraram Edward Hopper, estar pela primeira vez em Harvard e almoçar no Annenberg Hall e vibrar por diferentes seleções durante a Copa com amigos do mundo todo.

Passado esse período, era hora de arrumar as malas e partir para a próxima.

Era hora de atravessar o mundo e ver de perto a imensidão e beleza do Rift Valley no Quênia. Era hora de ver de perto também tudo que eu havia estudado de economia, desenvolvimento e pobreza. Foi então que por 6 semanas, através do projeto Balloon Kenya, dei aulas de negócios para empreendedores quenianos. A experiência mais relevante da minha vida.

Grupo do Balloon Kenya explorando os arredores de Nakuru (Agosto/2014)

Eu poderia, e talvez deveria, dedicar um texto somente a minha experiência no Quênia. Talvez um dia. O ponto em que eu quero chegar hoje é diferente.

Uma das coisas mais importantes que o ano fora me trouxe foi a serenidade. A capacidade de pensar livremente. A capacidade de juntar todas as experiências e aprendizados daquele ano, olhar para trás e perceber que apenas 2–3 anos antes, eu não tinha idéia do que eu queria, estava perdido e completamente frustrado.

Logo antes de voltar ao Brasil, fui convidado a dar uma palestra na Faculdade de Economia e Administração da USP-RP. Lá, eu iria falar sobre as minhas experiências e aconselhar, sobre vida e carreira, pessoas de idade muito próxima a minha. Aproveitei as reflexões do ano todo e me esforcei para identificar o momento em que as coisas mudaram — quando eu deixei de me sentir perdido, afinal? — e os fatores principais nesta mudança.

Após alguma reflexão, identifiquei alguns pontos essenciais na minha mudança: Conhecimento, Alinhamento entre curto prazo e longo prazo, Disciplina, Relacionamentos e Autoconhecimento.

Esses fatores e as histórias atreladas a eles são a razão pela qual eu estou hoje muito mais perto dos meus objetivos, exatamente onde quero estar.

Conhecimento

Desde pequeno, sempre tive muito gosto por leitura. Minha carteirinha da segunda série era tão cheia que a bibliotecária teve que colar uma folha adicional para eu poder pegar mais livros. No entanto, esse hábito foi sumindo conforme os anos passavam, primeiro durante a preparação para o vestibular, e depois chegando ao seu pior período nos primeiros anos de faculdade.

É natural que a rotina da faculdade acabe por consumir grande parte do tempo das pessoas. O que não era natural era o tamanho da minha frustração. Antes, uma pessoa muito motivada por aprender, agora eu me encontrava no ápice da apatia. E isso me consumia muito. Consumia pois eu acreditava que apesar de não ter muitas qualidades, a minha habilidade em aprender sempre seria o meu trunfo. Não mais, me dizia a Escola Politécnica da USP.

Eu lembro do dia em que o jogo mudou. Na época, eu morava com um amigo, o Rafael Moraes, que é dessas pessoas que conseguem fazer tudo bem. Boas notas, capitão da equipe de fórmula da faculdade, acabara de conseguir uma bolsa para passar um ano na University of Illinois at Urbana-Champaign. Além disso, interessado em diversos assuntos, ele ainda arranjava tempo para ler um livro ou outro.

Um dia, ele chegou com um livro na mão e empolgado me contou sobre algumas histórias contidas lá. Interessado, decidi pegar o livro emprestado, já que um feriado se aproximava.

Sentei para ler e li pelo feriado inteiro. Pela primeira vez em muito tempo, eu sentia prazer em aprender algo. Deste momento em diante, eu nunca mais parei de ler. Aos poucos, descobri autores e temas, desenvolvi metas de leitura e busquei outros meios de aprendizado.

O conhecimento é a base de tudo.

Meus conselhos

  • Desenvolva listas — listas de leitura, de filmes, de lugares para visitar.
  • Ter a meta de ler um número mínimo de páginas por dia te ajuda a ler muito mais. Eu leio 20 páginas durante a semana e 40 nos finais de semana.
  • Tem interesse por um assunto? Vá na Amazon e busque pelos 3–5 livros mais indicados no assunto.
  • As oportunidades de conhecimento não estão limitadas aos livros. Existe uma infinidade de cursos gratuitos e pagos na internet. Pelo Coursera e EDX, pude ter aulas de psicologia com Paul Bloom de Yale, de Mercado Financeiro com o nobel-prize Robert Shiller e com dois dos maiores especialistas em desenvolvimento e pobreza, Jeffrey Sachs de Columbia e Abhijit Banerjee do MIT. Além disso, existem inúmeros blogs, apps e apostilas que podem te ensinar muito mais do que salas de aula

Alinhamento entre curto prazo e longo prazo

“O que você quer ser quando crescer?” é um questionamento típico na vida de qualquer criança. O que eu não sabia era que essa mesma pergunta me impactaria tão profundamente com 23 anos. Ao comentar sobre os meus planos de viagem com o meu grande amigo Marco Angioluci, ele me indicou uma conversa com o seu mentor de longo prazo, Daniel Sgambatti. Encontrei-o na semana seguinte e quando contei os meus planos, ele ouviu com calma e me perguntou: “Porque você quer fazer todas essas coisas? Quer melhorar o seu currículo? Você já está no topo do que poderia pra sua idade.” Eu desenvolvi timidamente as minhas idéias, mas ele adicionou: “Tenta pensar no que você quer ser lá na frente e no que você quer representar. Você tem algum ídolo? Alguém que se inspira? Você tem uma visão clara de você mesmo daqui 10 anos?”. Essas palavras bateram pesado em mim. Eu que me achava muito esperto, não sabia responder nenhuma dessas questões e todas elas eram muito, muito relevantes.

Desse dia em diante, eu percebi que apesar de existirem oportunidades muito boas ao nosso redor, nem tudo se encaixa com os nossos objetivos futuros. E se não se encaixa, é melhor deixar passar. Comecei então a enxergar essa relação tão importante entre o presente e futuro e me guiar a partir dela.

Meus conselhos

  • Reflita sobre os seus objetivos futuros, sobre o tipo de pessoa que quer ser, sobre como quer ser visto e como quer influenciar as pessoas ao seu redor
  • Aprenda a dizer não; excelentes oportunidades baterão a sua porta, mas é preciso saber priorizar
  • Imprevistos sempre ocorrerão. No entanto, se você possuir uma visão clara do que quer obter no futuro, eles te impactarão menos

Disciplina

Em um dos meus posts favoritos do Quora, "How can I be as great as Bill Gates, Steve Jobs, Elon Musk or Sir Richard Branson?", Justine Musk fala sobre a obsessão que esses homens possuem. Obsessão essa que pode ser definida como um misto de energia, confiança e motivação absurdas. No entanto, como a própria Justine complementa, não é apenas a obsessão que transforma esses empreendedores em pessoas de sucesso, mas sim uma disciplina fora do comum.

Como seria absurdo nos comparar com qualquer uma das pessoas acima, apenas acrescento que a disciplina não precisa ser tão extrema para ser efetiva. Algumas pessoas terão mais, outras menos dificuldade. Algumas pessoas possuem características que facilitam em ser disciplinado, e eu me incluo nesse grupo, mas sei que no geral, não é tarefa fácil.

Em 2013, testei e muito a minha disciplina financeira. Para conseguir financiar todos os cursos, viagens e projetos que planejara para 2014, tive que viver com 20–30% do meu salário durante o ano. Não foi fácil.

No mesmo ano, quis desenvolver uma leitura mais constante. Porém com os longos dias de faculdade de engenharia e o trabalho no banco, os primeiros tempos exigiram um pouco de força de vontade.

Até que um dia se tornou natural.

Posso repetir essa mesma história para diversas atividades. Ao desempenhar uma atividade inúmeras vezes, cria-se o hábito e os resultados que se alcançam a partir da consistência destas ações te motivam a continuar sempre, sempre.

Gosto de dar exemplos simples de como pequenas rotinas podem ajudar a alcançar bons resultados:

  • Vendo 2 filmes por final de semana, você vê 100 em 1 ano.
  • Lendo 20 páginas por dias, você lê mais de 20 livros em 1 ano.
  • Escrevendo um artigo por mês no medium, serão 12 ao final do ano.

De uma forma ou de outra, eu consigo aplicar esses princípios nas mais diferentes áreas da minha vida, de forma que nos últimos anos, li mais de 100 livros, vi mais de 800 filmes, abri empresas, conheci muita gente interessante, discuti idéias de negócios, voltei a jogar tênis e a me dedicar a música, entre outras atividades.

Seja consistente, passo a passo e não há nada que não possa ser alcançado.

Meus conselhos

  • “Não tenho tempo…” é a frase mais danosa que vejo pessoas repetirem todo o tempo. Nós nunca teremos tempo livre, precisamos cria-lo. Tudo é uma questão de priorização e disciplina
  • Anote suas atividades em uma agenda e deixe-a ao seu lado durante o dia. Terminou algo? Vá riscando cada uma das atividades
  • Crie metas anuais
  • Comece devagar, escolha as suas atividades prioritárias, tanto pessoais quanto profissionais, e nunca adie os seus objetivos para o futuro distante. A pessoa que você quer ser no futuro depende das experiências que você terá hoje. E essa é uma verdade que poucas pessoas parecem perceber.

Relacionamentos

É aqui que as histórias mais marcantes da minha vida se encontram.

Por exemplo, o Marco Angioluci foi quem me apresentou a possibilidade de dar aulas particulares de matemática, e essa atividade tanto garantiu minha sobrevivência nos primeiros anos de faculdade quanto me ajudou a desenvolver um interesse enorme pela educação. Foi ele também que me mostrou o Balloon Kenya, o projeto do Quênia, no qual eu me apaixonei instantaneamente. Foi ele também que me apresentou o Daniel Sgambatti e o Felipe Fonseca, sócios da Daquiprafora, empresa líder no envio de estudantes para cursos de graduação nos Estados Unidos, e que me ajudaram imensamente sempre.

Um outro exemplo importante aconteceu logo que fui aceito no Balloon Kenya. Fiz as contas e percebi que o dinheiro não daria. A cotação do dólar tinha subido bastante do inicio dos meus planos até o inicio de 2014. Teoricamente, eu teria que abrir mão de algum dos meus objetivos.

Em um dia qualquer, contei sobre esse dilema para um dos caras mais brilhantes que eu conheço, o Willian Razente. Falei: "Talvez não dê pra eu ir pro Quênia, cara. Fiz as contas, não dá."

E então ele, que me conhece tão bem, disse: "Você nunca desistiu de nada por causa de dinheiro. Nunca. Não vai ser agora. Paga esse boleto e me manda o comprovante, você não pode deixar de ir. Se algo acontecer, a gente dá um jeito."

E eu fui pro Quênia. E meu dinheiro acabou mesmo. E demos um jeito, eu, Willian e o Felipe Romano. Palavras não são o bastante para agradecer esses caras. Apesar dos apertos, eu fiz tudo que queria fazer, a experiência na África foi demais e hoje é impensável olhar pra minha vida sem ver os reflexos dessa experiência.

Se eu fosse citar cada um dos meus amigos que contribuiram de alguma forma, este tópico seria infinito. O que deve ficar de mensagem é: procure por pessoas que façam essas coisas por você. E faça por elas também.

Meus conselhos

  • Busque ambientes com a maior probabilidade de encontrar pessoas excepcionais
  • Aquele amigo do seu amigo faz algo que você admira ou tem curiosidade? Peça pra ser apresentado!
  • Uma conversa pode mudar o seu dia, e mesmo a sua vida. Esteja sempre aberto para ajudar as pessoas, escutá-las na maioria das vezes já é o bastante.

Autoconhecimento

Todos achamos que nos conhecemos muito bem.

Mas o fato de conviver consigo mesmo não é o bastante. É preciso refletir.

Em 2014, com o tempo disponível e as experiências que vivenciei, pude me aplicar bastante nessa jornada de autoconhecimento. Ao não falar a minha língua nativa, sentia uma determinada limitação no meu poder de expressão. Acabei por prestar mais atenção na importância das minhas palavras e personalidade na minha forma de se expressar.

Aquele segundo a mais de consciência antes de falar fazia toda a diferença.

No entanto, não é necessário estar fora do país para se avaliar constantemente. Longe disso. Pelo menos em São Paulo, temos tempo o bastante nos transportes públicos.

Avalie suas crenças. Avalie suas atitudes. Avalie como está usando o seu tempo.

Avalie, principalmente, como você vem se comunicando com as pessoas ao seu redor.

E aqui falo de algo muito importante: o papel do autoconhecimento na comunicação. Um dos livros que me ensinou mais sobre isso é o Crucial Conversations: Tools for Talking When Stakes Are High. Entre os diversos ensinamentos, aprendi a reconhecer o meu perfil de comunicação em situações estressantes e maneiras de atenuar minhas falhas. Aprendi também sobre comunicação empática e em como apenas se colocar do outro lado já faz toda a diferença. Uma das lições mais valiosas e que aplico sempre.

Nesta jornada de autoconhecimento é preciso saber os seus limites. Mas também saber quando a limitação é apenas uma armadilha da sua mente. Na maioria das vezes, nos limitamos porque nos falta confiança, apenas isso. Por isso, é preciso também saber quais são as suas vantagens, os seus diferenciais, o que você faz de melhor. E explorar tudo isso ao máximo.

Não menos importante é saber quando se está entrando naquela espiral da morte dos pensamentos negativos. E parar.

Tudo isso exige muito treino, reflexão e vontade.

Eu ainda estou muito longe de onde quero chegar, mas a evolução é constante. Me inspiro muito nas pessoas ao meu redor, principalmente as que se conhecem muito e que acabam por ser as mais admiráveis que já encontrei.

Meus conselhos

  • Fique atento aos seus defeitos mais evidentes e trabalhe neles. Eu, por exemplo, ainda gastarei um bom tempo lidando com a minha ansiedade, comunicação combativa e confiança oscilante
  • Uma das melhores formas de se autoconhecer é através de longas conversas com as pessoas que realmente se importam com você
  • Existe uma literatura vasta no tema de desenvolvimento pessoal que deve ser explorada. Use os reviews da Amazon para encontrar os temas que mais se adequam as áreas que pretende desenvolver

Conselhos finais e gerais

  • Fazer um esporte faz muita diferença na sua motivação para o dia. Invista nisso.
  • Seguir uma rotina correta de sono ajuda muito na concentração. Sei que nem sempre é possível, mas tente manter as 7 horas diárias
  • Acredito muito nas vantagens do generalismo no conhecimento. A capacidade criativa e associativa que se obtem ao se expor a diferentes temas, pensamentos e experiências é essencial no mundo em que vivemos hoje. Por isso, leia tudo o que puder, sobre tudo o que gostar. Amplie os seus horizontes.

Ao avaliar a minha história, vejo com muita clareza a importância dessas cinco áreas no meu desenvolvimento; e apesar de ainda estar no começo da minha jornada, sei que esses pontos completamente alteraram meu destino.

Reflita. Se eu me encontrei após estar tão absolutamente perdido, tenho certeza que você também poderá de alguma forma.

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