Sobre tomar decisões difíceis

Igor Miranda
5 min readApr 7, 2016

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Existem momentos em que nós temos todos os elementos necessários para tomarmos uma atitude, mas falta coragem para encarar a decisão correta. Medo. Orgulho. Receio de abrir mão de algo depois de ter investido nisso tanta energia, esforço e recursos.

Qualquer pessoa que já precisou tomar uma decisão difícil, enfrentou algum desses sentimentos, quando não todos ao mesmo tempo.

Um livro, em especial, me ajudou a entender melhor como lidar com esses sentimentos e escolhas: Rápido e Devagar: Duas Formas de Pensar de Daniel Kahneman — um dos melhores que já li na vida. Por suas páginas, o autor discute as nossas principais falhas em tomadas de decisão, questionando o “homem racional” da literatura econômica clássica. Kahneman, o único psicólogo a ser laureado com o nobel de economia, nos entrega em Rápido e Devagar uma obra-prima, o trabalho de uma vida toda.

A influência do livro foi tamanha que após ele busquei aprofundar meus conhecimentos em comportamento e psicologia, explorando a vasta literatura do tema (Thaler, Ariely, Schwartz), cursando a matéria Moralities of Everyday Life de Paul Bloom no Coursera (o mais interessante curso que já estudei) e acabando por cursar uma disciplina em Behavioral Economics no meu curto período em Harvard.

Todo esse conhecimento é claro, afetou definitivamente a forma como tomo as minhas decisões mais importantes.

Entre as teorias discutidas por Kahneman no livro, três em particular se encaixam no que pretendo discutir adiante:

  • Existe uma assimetria na forma como encaramos ganhos e perdas. Por exemplo, em um jogo de moeda, caso dê cara, você perde R$ 100, caso dê coroa, você ganha R$ 120. Como se comportar? Como o valor esperado é positivo, deveríamos aceitar esta aposta sempre — mas não é o que acontece. Após diversos experimentos, Kahneman e Tversky concluíram que somos duas vezes mais impactados pela perda do que pelo ganho, comportamento nomeado por eles como aversão à perda.
  • Essa aversão nos leva a cair numa armadilha chamada falácia do custo perdido, onde custos incorridos no passado afetam a nossa tomada de decisão futura. Essa falácia é o motivo pelo qual empresas investem milhões em projetos condenados e pessoas perdem fortunas em cassinos em busca da redenção pelo “azar” em um jogo anterior. Em todos esses casos, é como se ao se manterem no jogo, a perda de fato não seja consumada e isso por si só seja um alívio, ainda que todos os fatos indiquem que o melhor a se fazer seja parar. O problema com essa forma de raciocínio é que ela não apenas deixa de levar em conta informações indicativas e claras do que se deve fazer no presente (no caso, parar) como pode levar a perdas ainda maiores no futuro (continuar jogando/investindo). Por exemplo, imagine uma empresa que deseja desenvolver um projeto de 1 ano ao custo de R$ 1 milhão. Passados 2 anos, apenas 30% do projeto foi concluído e o budget inteiramente consumido. Deveria a empresa continuar neste projeto? Em diversos casos, não. Saber a hora de desligar um projeto pode salvar uma quantidade de recursos bem superior ao R$ 1 milhão perdidos.
  • Tendemos a acreditar que eventos positivos (como ganhar na loteria) ou eventos negativos (como uma lesão permanente) impactarão profundamente no nosso bem-estar e felicidade futuros. No entanto, após o choque inicial, tendemos a voltar a um nível de satisfação bem próximo ao encontrado antes dos eventos. Esse fenômeno, chamado de Hedonic Treadmill, é extremamente importante no desenvolvimento da nossa espécie, sendo um dos elementos centrais de nossa adaptatividade e resiliência.

Mas como essas três teorias se relacionam com as decisões de vida e carreira que enfrentamos?

Pelas inúmeras conversas que já tive com amigos em situações de incerteza na carreira, vejo a aversão à perda e o custo perdido como grandes impactantes em nossas decisões. A maioria das pessoas se mantêm em posições pouco estimulantes por muito mais tempo do que deveriam, seja por medo, seja por acreditarem em uma promoção próxima ou por verem os anos gastos na empresa como um real investimento em suas carreiras. E isso acontece mesmo quando existem sinais claros de que a experiência já ofereceu todas as possibilidades que poderia.

Adicionalmente, a supervalorização do poder de determinados eventos em alterar os rumos da nossa vida torna qualquer decisão ainda mais difícil. Para exemplificar, imagine se você perdesse o emprego hoje, seria mesmo o fim do mundo? Ou você, finalmente, procuraria algum emprego motivante? Tiraria aquele projeto da gaveta?

Pensando dessa forma, as coisas são bem menos assustadoras, não são?

No entanto, quando pensamos em pedir demissão para seguir com qualquer das atividades citadas, o risco da perda nos paralisa.

Por quê? Existe, de fato, alguma diferença entre as situações?

Não, não existe, mas a nossa inabilidade em lidar com esses momentos de decisão não nos permite enxergar tão claramente. Só posso agradecer ao brilhante trabalho de Kahneman por me iluminar nessas questões.

É engraçado que após anos de estudo na disciplina, a maneira que eu encontrei de lidar com essa limitação humana tenha surgido de um jeito tão aleatório, em forma de uma questão.

Algo muito natural e mais ou menos assim:

"O que eu desejo ver quando estiver mais velho e olhar para trás?"

E pensei:

"Um dia, você terá 80 anos, olhará para trás e pensará: eu sabia exatamente o que eu queria naquele momento e a decisão certa a se fazer, no entanto, por medo de perder os 4 anos investidos (custo perdido), por medo de perder a segurança do meu caminho profissional anterior (aversão à perda/hedonic treadmill) e receio do que as pessoas ao meu redor pensariam (orgulho) deixei de tomar a posição correta."

Essa visão futura me permitiu olhar com uma determinada distância para os problemas, e com isso veio a calma, o que me ajudou e muito a tomar a decisão mais difícil da minha vida. Não sei se estarei vivo com os tais 80 anos, mas se estiver, olharei para trás e saberei que tomei exatamente a decisão que queria tomar, e isso não tem preço.

Espero que após ter sido exposto a esses possíveis cenários, você consiga identificar melhor as suas possibilidades e então tomar decisões mais alinhadas com o que deseja para sua vida. E se a minha questão fizer algum sentido para você também, ainda melhor.

All the best!

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