Desejo é fome

Igor Teo
2 min readFeb 28, 2016

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Ela passou a perna dela pela minha. Espreguiçou-se na cama. Não há outro lugar para estar nesta tarde. O mundo não existe para depois da porta do quarto.

- O que você quer fazer? — ela pergunta.

Apenas observá-la por enquanto. A curvatura do seu corpo e suas ondulações atraíam o olhar. Subia pela perna, contornava a lombar e chegava até o pescoço. A pele tão lisa, o corpo nu lateralmente posicionado, enquanto a cabeça levantada se apoiava em seu braço. Está quente? O pequeno ventilador ao lado da cama parece não estar dando conta.

O que há de mais sedutor que os olhos? Nada. E os dela, dois grandes sóis negros, me fitam. São tão profundos e ao mesmo tempo pacificadores para qualquer angústia. O sorriso, a segunda grande obra de arte da natureza sobre os homens, é provocador. O que aquele sorriso quer dizer? Será que ela está gostando de me olhar também? O que ela vê em mim? Ou será que está achando graça da minha circunstância? Talvez apenas tenha passado um pensamento sobre algum fato banal de sua vida, e seu motivo de graça nada tenha a ver comigo ou com esse momento. São sempre tantas perguntas que existem para jamais serem respondidas e assim apenas deitarem na eternidade.

Minhas mãos passam por suas costas. A boca dela se aproxima da minha e o calor de seu hálito encontra o meu. Newton estava errado: dois corpos podem ocupar um mesmo espaço. E eles se entrelaçam numa dança cósmica, compartilham suor, trocam secreções, misturam sabores.

- Disso que você gosta? — é o que ela pergunta. Sim, é disso.

Como num sonho de uma noite de verão, os deuses pagãos são honrados. Ela agora repousa deitada ao meu lado, e eu ao lado dela. Satisfeito. Olho para ela e parece absorta em seus pensamentos enquanto fita o teto. Ao perceber que é olhada, vira o rosto, beija minha boca e depois sorri. Ora, mas aquele sorriso!

- Você me acompanha até lá embaixo? — disse enquanto já coloca novamente sua roupa. “Claro”, enquanto me visto também.

Quando descemos no elevador, ela dá uma última arrumada no cabelo pelo espelho. Isso, obviamente, com toda a venustidade do mundo. Na rua nos despedimos com um beijo no rosto e cada um segue seu caminho.

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