Sofia

Igor Teo
3 min readFeb 26, 2016

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Dessa história não posso lhes contar tudo. Apenas aquilo que me foi contado por ela. Não sei se o que transcrevo é real ou se tratam de suas fantasias. Ou pior, tratam-se das minhas próprias fantasias sobre ela, que me fizeram assim ouvir a história que lhes vou contar.

Antes que o leitor me julgue por frivolidade, digo que não escolhi por livre-arbítrio contar essa história. Apenas faço agora como que por obrigação moral. A razão, contudo, permanece desconhecida para mim.

Carnaval no Rio de Janeiro.

A cidade estava um alvoroço. Blocos pelas ruas, alegria, festa, muito colorido. Pleno domingo e a população carioca saía fantasiada em procissões atrás de trios elétricos que tocavam música alta, bebendo cerveja e em plena folia, tão característica a este período.

Na rodoviária desembarcava uma jovem, pele clara, cabelos castanho escuro longo e encaracolados. Seu corpo é magro, sua silhueta é fina. Usava uma camisa preta amassada da viagem, uma calça jeans velha e tênis vans verde. Ajeitou seus óculos de armação grossa e arrastando suas duas enormes malas de rodinhas, uma em cada mão, tropeçava e se atrapalhava em conciliar seu andar com a multidão que também chegava e saía da rodoviária.

Talvez não fosse uma boa ideia se mudar para o Rio de Janeiro em pleno Carnaval. Mas quem disse que aquela mudança tinha sido devidamente planejada?

A jovem se aproximou de um guarda e perguntou como poderia fazer para pegar um táxi seguro (afinal, é o Rio de Janeiro) para Tijuca. Ao ouvi-la falar, o guarda percebeu logo seu sotaque. Ela vinha do interior de São Paulo.

Pela janela do carro via as pessoas na rua festejando, gritando, cantando, pulando, bebendo, se beijando… e outras coisas mais. Que tipo de cidade é essa? Pensou ela. Talvez aquele fosse o lugar certo para estar afinal.

O taxista falava praticamente sozinho. Pulava de um assunto para outro. Reclamava do trânsito, comentava o jogo do Flamengo, falava mal do governo. Ela pensou que talvez fosse melhor ter chamado um Uber. Só que seu cartão de crédito tinha sido cancelado, não teria sido possível de qualquer modo.

Desceu do carro numa daquelas ruas antigas da Tijuca em que casas tradicionais dividem o espaço com prédios de cinco a oito andares recém construídos. Segundo a anotação no seu celular, aquela devia ser a casa do seu tio.

Tocou o interfone do prédio, o porteiro atendeu mal-humorado.

- Boa tarde — soava falso — Quem procura?

- Meu nome é Sofia e… bem… estou procurando por Hélio do apartamento 302.

- Um momento. — Ele desligou.

Passaram alguns minutos quando o portão abriu e de dentro da portaria saiu um homem careca. Sua barriga volumosa denunciava o excesso no chopp. De bermuda, chinelo e camiseta, o homem abraçou Sofia com excessiva calorosidade e disse:

- Que bom te ver, minha sobrinha. Quantos anos, hein?

- É sim, tio. Estou chegando finalmente hoje ao Rio. E justamente no Carnaval, já vi as pessoas na rua e tudo. Que loucura, né?

- Você nem imagina! E como está minha irmã?

- Está tudo bem com minha mãe — e assim a conversa prosseguiu por algum tempo nessa formalidade de familiares próximos, mas sem grande intimidade entre eles — Mas não vamos entrar? Estou cansada de carregar estas malas.

A simpatia dele terminou de súbito. O homem pareceu desconfortável.

- Bem, sobre isso tenho que te falar. Eu tinha dito no telefone outro dia que você podia vir morar com a gente por um tempo, né? Mas não vai dar.

- Como assim, tio? — Ela ficou surpresa. Sofia tinha combinado ficar alguns dias com o tio até encontrar algum lugar para se fixar na cidade. Talvez uma república ou uma kitnet.

- Sabe… — então começou a falar mais baixo — a patroa não ficou feliz com a ideia, me desculpa — e falando alto novamente continuou — mas foi ótimo te ver, sobrinha! Manda um abraço para minha irmã e seu pai quando falar com eles novamente.

Rapidamente, sem dar tempo de Sofia sequer processar o que estava acontecendo, ele entrou e bateu o portão. Sumindo na portaria do prédio, ela não mais o viu. Olhou para o alto, e pôde jurar que viu sua tia, a esposa, espiando por dentre as cortinas de uma janela do terceiro andar. Mas logo ela sumiu também.

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