Era uma noite fresca na antiga China quando Zhēnzhèng procurava por seu amigo Chuang Tzu. O poeta se encontrava numa estalagem, bebericando seu chá com um semblante contemplativo.
– Aí está você! — disse o amigo de Chuang Tzu — Achei que estivesse contando a todos mais uma de suas histórias. Por que está tão calado?
– Há uma questão em minha mente — respondeu Chuang Tzu — Uma questão sobre a existência.
– Entendo. Você quer que eu lhe deixe sozinho com seus pensamentos?
– Não, gostaria de compartilhá-la com você.
– Minha perspectiva é de pouco valor, mas ficarei contente em ouvir — ele puxou uma cadeira.
– Saí para uma caminha no final da tarde, — começou Chuang Tzu — fui até um de meus lugares preferidos embaixo de uma grande e frondosa árvore. Ali sentei e comecei a pensar no significado da vida. Estava tão fresco e agradável que logo relaxei e peguei no sono. Comecei então a sonhar que estava sobrevoando um belo campo florido. Olhei para trás e vi que tinha asas. Elas eram grandes e bonitas e se agitavam rapidamente. Eu havia me transformado numa borboleta! Senti uma enorme sensação de liberdade e alegria ao voar suavemente em qualquer direção que quisesse. Tudo nesse sonho parecia completamente real em todos os sentidos, tanto que, depois de um tempo, eu me esqueci por completo que um dia fora Chuang Tzu. Eu era simplesmente uma borboleta e nada mais.
–Esse sonho me parece uma experiência maravilhosa — respondeu o amigo.
– E foi, mas como todas as coisas, cedo ou tarde, teve que acabar. Acordei e percebi que eu era novamente Chuang Tzu. Isso é que me intriga.
– O que há de tão intrigante? Você teve um belo sonho, só isso.
–Eu achei que era Chuang Tzu que tivesse sonhado ser uma borboleta. Mas, e se sou uma borboleta que, agora mesmo, está sonhando ser Chuang Tzu?
Rio de Janeiro, Brasil. Acordo desorientado. Percebo que o quarto ainda está escuro. Estico o braço e pego meu celular na cabeceira da cama para ver que ainda são quatro horas da madrugada. Ainda é cedo demais para eu me levantar. Quero voltar a dormir, mas tenho a impressão de que algo aconteceu durante a noite. Acho que eu estava sonhando de novo.
Era algo na China antiga, mas não tenho certeza. Sempre quando acordo não consigo me recordar de muita coisa, e restam apenas algumas vagas lembranças.
Vou me revirar na cama até que o sono me alcance novamente.
O barco navega por entre águas bravas. Deitado sobre a madeira, sentindo o balanço das ondas, admiro as estrelas no céu noturno. Será que Odin pode escutar meus pensamentos?
- Sigurd, está acordado? — escuto me chamarem.
- Sim — levanto e vejo que é Thorstein quem pergunta por mim. Meu velho amigo alto e loiro. Em inúmeras batalhas já estivemos juntos, e agora diante da mais importante aventura de nossas vidas não seria diferente.
- Sinto bons presságios, meu amigo.
- Por que diz isso, Thorstein?
- Eu sonhei que descobríamos uma nova terra, rica e próspera como se pertencesse aos próprios deuses. Mas não nos receberam nela como bons visitantes e amigos. Tivemos que lutar. Com os deuses ao nosso lado, nós esmagamos os inimigos — disse socando com força a própria mão.
- Que bom presságio! Fico contente que os deuses estejam conversando com você em seus sonhos — abracei-o, dando-lhe alguns tapas nas costas.
- Sigurd, nós iremos liderar o nosso povo para a vitória, — Thorstein vibra enquanto fala — e por muitas gerações nossos nomes serão cantados pelos escaldos. Iremos ouvir canções sobre nossas proezas enquanto bebemos nos salões de Valhala!
- Tenho certeza que sim, meu amigo. Pelo nome de minha mãe e de meu pai, nem mesmo um dragão poderá me impedir.
Thorstein deu uma estrondosa risada.
– Agora vou retornar a dormir — disse-lhe — porque em breve vamos sentir gosto de sangue.
Onde estou? Parece que minha cabeça saiu de mim por alguns instantes. Agora me recordo onde estou. Diante de mim estão as duas pessoas em quem eu mais confiei na vida. Minha noiva e meu melhor amigo. É difícil acreditar, mas eles estavam transando escondidos de mim por todo esse tempo. Meu peito dói intensamente.
- Não faça nenhuma besteira, por favor! — implora minha noiva. Ela chora desesperadamente, enrolada no lençol da cama. Meu amigo, nu, grande covarde, está paralisado.
Com minha mão trêmula seguro uma faca. Aponto ora para ela, ora para ele. A raiva me domina. Quero matá-la, quero matá-lo. Como puderam esses dois desgraçados fazer isso comigo?
- Amor? — ela se aproximou se debulhando em lágrimas.
- Não me chame de amor! — berro com todo meu ar — Olhe como você está agora. O que vocês estavam fazendo em minha própria cama. Como tem coragem de me chamar ainda de amor?
- Eu sei, desculpa. É tudo culpa minha! — ela está aceitando fácil demais tudo que eu digo. Está querendo me enganar novamente.
- E você. Não fala nada, covarde? — aponto a faca para o patético.
- Se quiser me atravessar com esta lâmina, pois faça. Mas saiba que eu não fiz nada de errado — respondeu o patife.
- Nada de errado? Você está caçoando de mim?
- Pare! — gritou minha noiva para seu amante — No que você está pensando?
- Você sabe muito bem — ele respondeu.
Maldito. Tudo que eu sinto é ódio. Raiva deles, mas, sobretudo, de mim mesmo. Sinto que meu mundo desabou. Parece que nada mais faz sentido. Eu quero morrer.
É isso. Eu quero morrer. Enfio a faca em meu próprio coração. Minha noiva tentou gritar alguma coisa, mas não consegui ouvir mais nada. Tudo escureceu enquanto meu corpo caía até se chocar contra o solo.
Levanto-me de sobressalto e ofegante. Meu coração pulsa no peito como se tentasse fugir.
- O que aconteceu, amor? — Alfred está deitado ao meu lado na cama e provavelmente acordou com meu movimento brusco.
- Eu não sei. Acho que foi um pesadelo novamente.
- Que tipo de pesadelo, querido?
- Alguma coisa envolvendo traição e suicídio…
- Ai, Oscar — Alfred joga a cabeça contra o travesseiro e puxa as cobertas — Você sempre com isso na cabeça.
- Pareceu bem real. Ainda estou com uma estranha sensação no peito.
- Deixa comigo então.
Alfred beija minhas costas nuas. O calor de sua boca me faz suspirar. Enquanto me beija, sua mão corre pelas minhas pernas até tocar meu sexo. Eu me viro e ficamos frente a frente. Seus olhos de caramelo afagam meu coração com um simples pousar sobre mim.
- Às vezes tenho medo — confio-lhe meus sentimentos.
- Do quê? — sua mão toca suavemente meu rosto.
- Você sabe. Por nós. As pessoas não entendem. Chamam-nos de pervertidos. Querem nos prender, nos matar. Sonho com um tempo em que poderemos ser livres para amar.
- Oscar, nosso amor é verdadeiro. E não é você quem sempre diz que “ser grande é ser incompreendido”? Pois nós somos gigantes. Maiores que a própria Rainha!
- Seu herege — digo-lhe rindo.
- Sou um herege, um pervertido e um apaixonado! — nos beijamos.
Nossos corpos se entrelaçam e os demônios da minha alma despertam. A última bastilha cede, rompendo os umbrais de todo reservatório de prazer. Alfred com maestria poética me leva ao orgasmo.
- Chuang Tzu?
- Sim — responde o filósofo, de repente voltando a si.
- O mestre parecia alheio. — afirma Zhēnzhèng — Parecia sonhar acordado. Com que sonhava? Uma borboleta novamente?
Chuang Tzu sorri e responde:
- Acho que você não acreditaria se eu lhe contasse.