O prefeito que só sabe ser bispo

Inês Lopa
4 min readJan 23, 2018

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Em 2016, o bispo Marcelo Crivella finalmente alcançou o cargo de prefeito do Rio de Janeiro após numerosas tentativas para várias outras instituições político-administrativas e vitória somente no encargo de senador. Durante as eleições, Crivella apresentou suas propostas para a gestão da cidade, com a frase marcante, em que dizia ser seu o papel de “cuidar das pessoas”.

Para entendermos a gravidade das falhas da atual gestão da prefeitura carioca, é necessário revermos as propostas defendidas por Crivella no ano de sua última e próspera candidatura.

Para a segurança, o candidato propunha o auxílio municipal no combate ao tráfico, a redefinição do ofício da Guarda Municipal, colocando-a para atuar na vigilância das ruas e melhoria no quesito da iluminação pública, ampliando também o número de câmeras de vigilância. Em campo de mobilidade urbana, afirmou que iria dar continuidade às obras do BRT Transbrasil e colocaria as linhas em funcionamento até o fim de 2017. Em relação à saúde, expôs a necessidade de investimentos em limpeza e saneamento básico para evitar o avanço de epidemias e lançou a ideia da criação de um programa de clínica com especialistas em diversas áreas médicas. A educação, claramente, ganhou a proposta do aumento de vagas em creches e escolas.

Após completar 1 ano de governo, Crivella permanece no discurso de dependência da gestão anterior, culpabilizando o ex-prefeito Eduardo Paes pela má administração.

Dentre suas propostas, poucas foram, até o momento, iniciadas e, muito menos, efetivas. As obras para o término do BRT Transbrasil estão caminhando a ritmos vagarosos, sem previsão para início de funcionamento. A atuação mais participativa da Guarda Municipal na segurança da cidade não foi eficaz (bem como demonstram os números crescentes de violência urbana). Os cortes de verba para o Carnaval geraram consequências culturais e turísticas, que foram temas de grandes revoltas e debates entre a população carioca. A nomeação de seu filho para assumir a Casa Civil do município teve de ser barrada pelo Supremo Tribunal, por ser considerado nepotismo. Seu mutirão de cirurgias foi apenas um plano temporário, devido à falta de estrutura dos hospitais municipais para a continuidade do programa. O aumento de vagas em creches e escolas, segundo os jornais e os responsáveis em desespero para conseguir lugar na educação municipal para seus filhos, também não foi realmente cumprida, ocasionando a intervenção da Defensoria Pública.

As críticas crescem de todos os lados e o prefeito, até então, parecia ignorar. Entretanto, tudo mudou no evento para o balanço de 1 ano de gestão, onde Crivella decidiu assumir sua posição com um discurso genérico e vazio. De acordo com suas palavras, todas as falhas administrativas até o momento são culpa do ex-prefeito Eduardo Paes e de dívidas criadas pelo mesmo. Aponta também a sua “falta de experiência” para gerir um local da magnitude do Rio de Janeiro, resumindo-se apenas a um pedido de desculpas pela sua incompetência.

O surpreendente é que o engenheiro não é inexperiente para administração de instituições públicas.

Nascido em 1957, o carioca morou por 10 anos na África como missionário da Igreja Universal. Sua carreira política começou em 2002, quando assumiu o seu primeiro mandato como senador pelo atual PR (Partido da República). Mais tarde, fundou o seu atual partido, o PRB e, em 2010, foi reeleito para o Senado.

Em 2012, durante o governo da ex-presidente Dilma Rousseff, foi chamado para o Ministério da Pesca e Aquicultura, deixando o cargo posteriormente para competir como governador do Rio de Janeiro em 2014. Com a derrota, retorna ao Senado e volta a disputar eleições para prefeito da cidade e vence.

O que fica claro ao demonstrarmos essa trajetória política relativamente longa é que o prefeito atual não tem como alegar falta de experiência. Sua carreira política foi apoiada desde o início pelos fiéis da Igreja Universal e a figura de Crivella tornou-se forte graças a isto. A eleição vitoriosa em 2016 se deve ao fato do crescimento dos evangélicos no Rio de Janeiro, levando a maioria a votar em sua candidatura.

Não é esperado que um ex-senador e ministro da República cometa gafes como as que Crivella comete na gerência da prefeitura do Rio de Janeiro.

Seus primeiros erros, tais como o do seu vice-prefeito inadimplente com seus impostos e a indicação de seu filho para comandar a Casa Civil municipal demonstram não somente um pensamento primitivo e de favorecimento aos seus próximos, como também a falta de lucidez.

A falta de consciência ao formar sua equipe para administrar a cidade e para tomar decisões justas que podem potencializar a gerência de um território com grande magnitude. A ausência de discernimento para aprender a separar a política da religião, por apresentar incapacidade de manter as tradições carnavalescas cariocas, afetando diretamente a economia da cidade. A carência de sagacidade para entender que, quando se elege um novo prefeito com a sua carga política, não se espera que este vá culpar a antiga administração e a sua falta de experiência pela ausência de resultados. A escassez do entendimento de que, num evento para o balanço do que foi o primeiro ano de gestão, a população não deseja ver uma atitude comparada a de um bispo, que somente discursa e sai de seu palco: ela espera ver firmeza e ideias bem definidas.

As desculpas não são suficientes. A cidade não espera a resposta de Deus, mas sim de seu gestor eleito pela vontade do povo.

Responda, Crivella!

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Inês Lopa

18 anos, ex-aluna do Colégio Pedro II e aluna de Direito da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).