Uma visão geral da teoria integral (parte 2)

Um sistema plenamente abrangente para o século XXI

integrália
12 min readDec 15, 2016

por Sean Esbjörn-Hargens, Ph.D.

TODOS OS NÍVEIS: Profundidade e complexidade

Dentro de cada quadrante existem níveis de desenvolvimento. Nos quadrantes interiores (Lado Esquerdo) existem níveis de profundidade e nos quadrantes exteriores (Lado Direito) existem níveis de complexidade. Esses níveis podem ser melhor compreendidos como ondas de probabilidade, representando a natureza dinâmica da realidade e as formas que as diferentes realidades assumem sob certas condições. Além disso, os níveis de cada quadrante se correlacionam aos dos outros quadrantes. Por exemplo: um executivo ambicioso (QSE) que tenha pressão alta (QSD) provavelmente será encontrado em uma cultura ou subcultura racional-científica (QIE), o que normalmente ocorre dentro de organizações corporativas industriais (QID). Nesse exemplo, todos os aspectos da situação estão ocorrendo no mesmo nível de complexidade e profundidade, dentro de seus respectivos quadrantes — o nível que na Figura 5 representamos com o número cinco. A inclusão dos níveis é importante porque eles nos permitem apreciar e nos conectar melhor às realidades associadas a cada quadrante. Se os quadrantes servem como mapas dos diferentes territórios da realidade, os níveis dentro deles representam os contornos topográficos do terreno. Isso nos ajuda a identificar as características únicas de qualquer paisagem específica, o que nos permite viajar de forma mais segura por ela — e desfrutar das incríveis vistas ao longo do percurso.

Figura 5: Alguns níveis nos quatro quadrantes

Os níveis ou ondas dentro de cada quadrante se apresentam em uma holarquia, que é uma espécie de hierarquia na qual cada nível subsequente transcende os limites do anterior, porém inclui seus aspectos essenciais. Portanto, cada onda herda a onda do passado e acrescenta um novo nível de organização ou capacidade. O resultado disso é que cada nível de complexidade ou profundidade é, ao mesmo tempo, parte de uma estrutura maior e um todo estrutural em si mesmo. No reino subjetivo, as sensações são transcendidas e incluídas nos impulsos, que são transcendidos e incluídos nas emoções, que são transcendidos e incluídos nos símbolos, que são transcendidos e incluídos nos conceitos. Da mesma forma, no reino intersubjetivo essa dinâmica ocorre de interpretações arcaicas a explicações mágicas, estórias míticas, visões racionais e compreensões integrais. No reino objetivo o movimento se dá de átomos a moléculas a células a tecidos a órgãos. No reino interobjetivo isso se passa no movimento de galáxias a planetas, ecossistemas, famílias e vilas (veja a Figura 5 para uma outra apresentação de elementos transcendidos e incluídos em cada quadrante) [1]. Independentemente de onde os diferentes pesquisadores escolham demarcar um nível do outro, existe um padrão geral de evolução e desenvolvimento ocorrendo em cada quadrante: a profundidade encapsula (ou seja, se dobra sobre si mesma), a complexidade aumenta (ou seja, se expande e inclui mais elementos).

Os níveis de desenvolvimento são frequentemente representados como setas bipartindo cada quadrante (Fig. 5). A teoria integral utiliza a noção de altitude geral como uma maneira neutra de comparar e contrastar o desenvolvimento entre diferentes domínios em um ou mais quadrantes. É como usar um termômetro para checar a temperatura sob várias condições — um termômetro centígrado funciona igualmente bem no Equador e no Ártico, o que nos permite comparar de forma significativa a temperatura desses lugares distantes. A teoria integral utiliza as cores do arco-íris para representar cada nível distinto (por exemplo: vermelho, âmbar, laranja, verde, ciano, turquesa). Esse espectro de cores também representa o movimento geral de uma identidade em ampliação: de “eu” (egocêntrico) para “meu grupo” (etnocêntrico) para “meu país” (sociocêntrico) para “todos nós” (mundocêntrico) para “todos os seres” (planetocêntrico) para, finalmente, “toda a realidade” (Kosmocêntrico) (vide Figura 6) — uma trajetória geral de expansão perceptiva que possui correlações em cada um dos quadrantes. A teoria integral também utiliza a imagem dos círculos concêntricos (frequentemente sobrepostos aos quadrantes) a fim de sublinhar o aspecto aninhado dos níveis, transcendendo e incluindo uns aos outros (vide Figura 6).

Figura 6: A ampliação da identidade (esq.) e o aspecto aninhado dos níveis se transcendendo e incluindo (dir.)

A inclusão dos níveis na abordagem integral é valiosa porque reconhece as diversas camadas potenciais de desenvolvimento dentro de qualquer domínio da realidade. Os praticantes adquirem um grande ímpeto ao direcionar seus esforços na escala apropriada e encontrar o ponto exato de alavanca — como um acupunturista tocando o ponto exato para levar seu paciente à saúde e ao bem-estar. Isso conserva os recursos e a energia dos praticantes, e lhes permite focalizar seus esforços de maneira ideal. Imagine, por exemplo, que você esteja trabalhando com um grupo de professores na criação de uma nova formulação da missão de seu programa educacional. Obviamente o trabalho com as realidades do QSE será essencial: articulando a visão coletiva e seu significado; explorando, através de diálogos, as várias frases que podem ser utilizadas no documento; e assim por diante. Mas se quiser ser mais eficaz como facilitador desse processo colaborativo, você precisa possuir uma noção dos níveis de significado compartilhado que estão em operação dentro desse grupo — e daquilo que se está tentando comunicar com a nova formulação. Por exemplo: os membros do grupo estão operando principalmente a partir de valores modernos, pós-modernos ou uma combinação de ambos? Saber isso será de grande valor informativo para sua capacidade de servir a esse esforço. Portanto, frequentemente não basta apenas ter consciência dos quadrantes — é preciso também lidar com a profundidade e com a complexidade dentro de cada domínio.

Assim como podemos localizar cada quadrante dentro de nossa própria percepção, através da utilização das perspectivas de 1ª, 2ª e 3ª pessoa, também podemos localizar os níveis de profundidade e complexidade em nossa experiência direta. Para ilustrar isso, basta você notar como tende a passar os dias com uma quantidade previsível desses dois fatores. Em dias bons, você sente mais profundidade e consegue lidar com uma complexidade maior, e em outros dias pode ser que você se sinta completamente inábil (diminuição na capacidade de manejar complexidade) e se irrite com os menores detalhes (diminuição na capacidade de experienciar profundidade). Portanto, normalmente você passa o dia expressando principalmente uma altitude ou nível, embora possua uma sensação interna de como é “melhorar seu jogo” (um nível acima) ou “tropeçar a cada passo” (um nível abaixo).

TODAS AS LINHAS: As diversas capacidades em desenvolvimento

As linhas de desenvolvimento são uma forma de descrever as capacidades distintas que se desenvolvem, ao longo dos níveis, dentro de cada aspecto da realidade representado pelos quadrantes. Portanto, se os níveis são os contornos do mapa de uma caminhada pela realidade, as linhas representam as muitas trilhas que podemos utilizar para cruzar a imensidão do potencial humano. No quadrante de experiência interior-individual, por exemplo, essas linhas incluem as capacidades cognitiva, emocional, interpessoal e moral (embora não estejam limitadas a elas). Podemos pensar nessas capacidades como sendo as inteligências múltiplas que cada pessoa possui. A ideia básica é que cada um de nós é mais desenvolvido em certas áreas do que em outras. Para representar a variedade inimitável do desenvolvimento de uma pessoa ao longo de diversas linhas, a teoria integral utiliza o psiquígrafo (Figura 7).

Figura 7: Um psiquígrafo

Igualmente, o sociógrafo é utilizado para representar as várias linhas de desenvolvimento dentro de uma família, um grupo, uma cultura ou uma sociedade (Figura 8). Os tipos de linha encontrados em culturas incluem coisas como capacidade cinestésica, maturidade interpessoal (ausência de escravos, direitos femininos, liberdades civis), expressão artística (formas musicais, apoio estatal às artes), capacidades cognitivas ou tecnológicas, longevidade física (sistemas de saúde, alimentação) e maturidade polifásica. Polifásica se refere ao acesso geral de uma cultura aos diferentes estados de consciência. Muitas culturas indígenas, por exemplo, incentivam o acesso e o cultivo desses outros estados, enquanto as sociedades racionais ocidentais tendem a enfatizar a consciência racional de vigília em detrimento de outros modos de experienciar a realidade. Um praticante integral é capaz de usar as linhas como uma ferramenta de diagnóstico para assegurar que esses aspectos individuais e grupais estejam sendo efetivamente abordados e levados em consideração.

Figura 8: Um sociógrafo

Toda linha em um quadrante possui linhas correlatas nos outros quadrantes. Conforme a linha cognitiva se desenvolve no QSE, por exemplo, ocorre um desenvolvimento correspondente de comportamento e neurofisiologia no QSD, de capacidades intersubjetivas no QIE e de estruturas gramaticais no QID. Há, na verdade, uma profusão de linhas em cada quadrante. Alguns parágrafos atrás, foram mencionadas algumas das linhas mais comuns associadas ao QSE. Já as linhas associadas ao QSD incluem os caminhos de desenvolvimento de coisas como: crescimento ósseo-muscular; padrões de ondas cerebrais; sistema neuronal; e outras estruturas orgânicas do corpo. No QIE podemos encontrar linhas como: a sequência de visões de mundo e valores culturais; diversas dinâmicas intersubjetivas; pontos de vista religiosos e filosóficos; e significados linguísticos. Por fim, no QID, as linhas específicas incluem: a forma de desenvolvimento dos ecossistemas; os caminhos evolucionários de adaptação; estruturas geopolíticas; e forças de produção (vide Figura 9).

O que diferencia uma linha de outros elementos (como estados e tipos) é que ela apresenta um desenvolvimento sequencial, com níveis crescentes de complexidade e profundidade que transcendem e incluem o nível imediatamente anterior. Em outras palavras, é preciso que haja uma série de estágios identificáveis que se desenvolvam em uma ordem específica e que não possam ser pulados. Dentro do QID, por exemplo, na linha de forças de produção, nós vemos um caminho social se iniciando com caça e coleta, dando lugar à horticultura (utilizando uma enxada), que por sua vez dá lugar aos métodos agrários (utilizando um arado), e assim por diante. Cada desenvolvimento depende do que veio antes e é, em parte, uma resposta aos limites do nível anterior.

Figura 9: Algumas linhas em seus quadrantes

As linhas, em especial, demonstram como a teoria integral inclui as contribuições de vários campos existentes e os organiza de maneira útil. Além disso, elas são importantes para os praticantes integrais porque identificam aspectos distintos, dentro de cada quadrante, que apresentam desenvolvimento e evolução. Estando ciente das dinâmicas específicas de crescimento e da trajetória típica de tais transformações, um praticante pode sustentar e utilizar melhor esses riachos de desenvolvimento. Consequentemente, as avaliações integrais irão com frequência identificar quais linhas estão fortes e quais necessitam de atenção, usando as mais desenvolvidas como alavancas a fim de lidar com as limitações das menos desenvolvidas. O conhecimento sobre o nível de desenvolvimento das várias linhas oferece, aos praticantes integrais, informações valiosas sobre as realidades de uma situação qualquer — e os ajuda a alinhá-las rumo a uma melhoria considerável.

Assim como nos outros elementos do modelo AQAL, não precisamos ir longe para descobrir as linhas em nossa percepção imediata. Apenas procure se lembrar de algum momento recente no qual você tenha se sentido forçado ou desafiado, como por exemplo avaliando um colega de trabalho ou experimentando uma nova tarefa que demandava um alto nível de coordenação motora. Agora traga à mente uma área na qual você é frequentemente mais capaz do que os seus colegas, como, por exemplo, enxergar múltiplas perspectivas simultaneamente em uma situação complexa, ou ser capaz de se conectar emocionalmente com os seus amigos e descrever (melhor do que eles próprios) o que estão sentindo. Buscar exemplos pessoais de áreas nas quais possuímos um maior ou menor desenvolvimento do que as pessoas ao redor mostra que todos temos uma combinação única de linhas nos mais variados níveis de desenvolvimento. Na verdade, é raro que passemos sequer um dia sem nos lembrarmos disso — dentro de nós mesmos e em nossas interações com os outros. Além disso, se todos fossem iguais, em profundidade e complexidade, na maioria das áreas, a vida seria muito menos interessante.

TODOS OS ESTADOS: As expressões temporárias

Além de níveis e linhas, existem também diversos tipos de estados associados a cada quadrante: são ocorrências temporárias de aspectos da realidade (durando desde alguns segundos até dias — e, em alguns casos, meses ou anos) que tendem a ser incompatíveis entre si. Não é possível, por exemplo, estar bêbado e sóbrio ao mesmo tempo; uma cidade não pode passar por uma nevasca e por uma onda de calor no mesmo dia. Listados abaixo estão alguns exemplos dos tipos de estados associados a cada quadrante (Figura 10). Seguindo nossa metáfora da caminhada, eles podem ser comparados a vislumbres momentâneos da natureza, que vemos enquanto andamos pela trilha. Pode ser que uma vista estonteante fique “pipocando” entre as árvores ao longo do passeio, ou talvez um pássaro chame sua atenção ao fazer um som inconfundível — e, em seguida, desapareça. Essas experiências chamativas retrocedem ao pano de fundo, como relâmpagos, e então você está outra vez levantando poeira com os pés ao longo da mesma caminhada.

Figura 10: Alguns estados em seus quadrantes

No QSE existem estados fenomenais tais como estados emocionais elevados e deprimidos, insights, intuições e estados sentidos momento-a-momento. Há também os estados naturais de vigília, sonho e sono profundo, a Testemunha (a consciência pura observando todos os outros estados) e até mesmo a não-dualidade, onde a Testemunha se dissolve em tudo aquilo que é testemunhado. Várias tradições religiosas nos oferecem descrições ricas e sofisticadas desses estados. Além disso, existem estados alterados de consciência, que podem ser induzidos externamente (através de drogas, traumas ou experiências-de-quase-morte) ou internamente (meditativos, holotrópicos, estado de fluxo, sonhos lúcidos, experiências de pico). Quando treinados, eles se desenvolvem e até mesmo se estabilizam em um padrão sequencial, indo das formas de experiências grosseiras às sutis, chegando até as muito sutis — e nesse caso são chamados de estágios-estado, para diferenciá-los dos estágios-estrutura do desenvolvimento psicológico (discutidos anteriormente nas seções sobre níveis e linhas). Tanto os estados quanto as estruturas da consciência podem ocorrer em estágios, com os estágios-estado se expandindo horizontalmente e os estágios-estrutura crescendo verticalmente.

No QSD existem estados cerebrais (alpha, beta, teta e delta) e estados hormonais associados aos ciclos de estrogênio, progesterona e testosterona. Há também os estados comportamentais, tais como chorar ou sorrir. Na verdade, os estados são frequentemente utilizados para descrever a maneira como os fenômenos naturais se transformam (gelo, água e vapor são os nomes dados aos estados sólido, líquido e gasoso do elemento H2O).

No QIE podemos encontrais estados grupais tais como a mentalidade de rebanho, a histeria em massa, a excitação coletiva e o pensamento grupal. Há também estados intersubjetivos como, por exemplo, os estados somáticos que ocorrem entre bebês e suas mães, ou a ressonância mútua entre duas pessoas em sintonia em um diálogo. E assim como há estados alterados em indivíduos, há estados religiosos em grupos (êxtase e graça compartilhados ou uma experiência comunitária do divino).

No QID existem estados climáticos (ondas de calor, nevascas, tempestades e alterações na temperatura dos ambientes internos). Nossos mercados financeiros passam por diversos estados econômicos tais como tendências altistas e baixistas, bolhas, recessões e assim por diante. Também é comum falar de florestas antigas como representando comunidades-clímax em um estado de equilíbrio estável — uma noção que ilustra os diversos estados ecológicos como entropia (aumento na desordem) ou eutropia (boa nutrição).

É muito útil, para os praticantes, incluir os estados — pois tanto nossas realidades internas quanto externas estão sempre mudando. Vários tipos de mudança de estado ocorrem, dentro de nós e ao nosso redor, ao longo do dia. Os estados nos ajudam a compreender as muitas formas e motivos dessas mudanças. Isso nos permite estar atento a tais transições e utilizá-las a favor de nossos esforços, ao invés de sair do eixo cada vez que elas ocorrem. Por exemplo: quando temos consciência dos muitos estados pelos quais um grupo de pessoas passa ao longo de um treinamento de um dia inteiro, podemos construir um currículo para honrar esses “humores” transientes e até mesmo utilizá-los para auxiliar o aprendizado.

Para localizar esses elementos em nossa percepção direta, temos apenas que notar a grande quantidade de diferentes emoções que vivenciamos em um curto período de tempo. A maioria de nós sabe o quão rapidamente pode ir de uma sensação de “estar nas nuvens”, devido a uma boa notícia, para uma frustração, por ter sido fechado por outro carro no meio da avenida, para uma certa ansiedade, por ter que falar diante de um grupo no trabalho, para ficar com fome e tentar decidir o que vai comer no jantar… E tudo isso em menos de cinco minutos!

NOTAS:

[1] Os exemplos fornecidos não estão correlacionados entre si — eles representam exemplos específicos de cada quadrante.

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