Diga “olá” à era do Glitter: dez discos essenciais do Glam Rock (e três discos nacionais)

Isaac Magalhães
9 min readNov 12, 2018
David Bowie como Ziggy Stardust (e os Spiders From Mars)

Maquiagem pesada, figurinos chamativos, visuais andróginos e muito, muito, Glitter. Assim ficou marcado o movimento musical e cultural conhecido como glam rock que eclodiu na música inglesa no início da década de 70 e, por um certo tempo, dominou as paradas musicais e, sobretudo, a cabeça da geração que brotava nesse período. Marc Bolan (T. Rex) e David Bowie são consideradas as figuras mais icônicas do gênero: o primeiro por ser o grande precursor e popularizador; o segundo, pela genialidade conceitual que causou o aperfeiçoamento do movimento musical como contracultura.

Daria para fazer uma lista de 10 discos essenciais do glam rock apenas com discos de T. Rex e David Bowie, mas seria injusto com uma série de bandas do período que exerceram uma interferência fundamental e determinante para a perpetuação do glam rock como um grande acontecimento musical, além de apresentarem propostas alternativas ao gênero, causando, assim, desdobramentos que influenciaram uma série de outros gêneros musicais e movimentos que surgiram posteriormente.

Conheci o glam rock quando estava no ensino médio. Aliás, primeiro eu conheci Ramones, depois descobri o quanto eles foram influenciados por bandas como The Stooges e New York Dolls e, através dessas bandas, eu conheci o mundo do glam rock. Por muito tempo foi o gênero musical que mais ouvi. Minhas playlists eram repletas de David Bowie, T. Rex e Roxy Music.

Marc Bolan (T. Rex)

(Quem me conheceu como “vizinho” no last.fm nessa época certamente ouvia as mesmas coisas [idos de 2010–12].)

Baseado no que eu ouvia e no que eu consegui absorver do gênero nesse período resolvi escrever essa lista, que é absolutamente pessoal, para falar um pouco sobre essa estética que eu amo e que moldou muito da minha forma de ver o mundo.

Agora vamos aos discos:

“Electric Warrior” — T. Rex (1971)

Electric Warrior

O grande marco inaugural do gênero. Nele, T. Rex (que no disco anterior havia abandonado o nome Tyrannosaurus Rex) abandona o folk psicodélico e mergulha de vez no glamour do rock; chega com os dois pés na porta com uma música de cunho sexual: o grande hit Get It On (Bang a Gong), que veio a ser o maior sucesso comercial da banda. Além de Get It On, o disco é repleto de músicas fantásticas que começam a delinear os caminhos que viriam a ser seguidos por essa nova estética do rock. Da doçura presente em Cosmic Dancer e Life is Gas à agressividade de Rip Off, Electric Warrior é um disco histórico e fundamental para o glam rock.

“The Slider” — T. Rex (1972)

The Slider

Segue as mesmas linhas gerais de Electric Warrior e consolida ainda mais a influência de T. Rex dentro do movimento. A capa desse disco certamente está entre as minhas favoritas de sempre; a foto é creditada ao Ringo Starr (mas há controvérsias). Metal Guru e Ballrooms of Mars são músicas que eu ouvi até a exaustão e que me marcaram muito nesse disco; Ballrooms, em minha opinião, é uma das melhores músicas de Bolan.

“Tanx” — T. Rex (1973)

Essa foi a melhor imagem que eu achei da capa do Tanx (se alguém achar uma melhor me manda!)

Um disco que demonstra o interesse de Marc Bolan pela música funk e soul, fazendo com que o T. Rex abandonasse um pouco o purismo de Electric Warrior e passasse a incorporar outros elementos ao glam rock. Talvez por isso seja um dos discos, musicalmente, mais interessantes da discografia do grupo. Como eu amo Left Hand Luke and the Beggar Boys.

“Roxy Music” — Roxy Music (1972)

Roxy Music

Roxy Music talvez seja a banda mais elegante de glam rock e o disco homônimo [e de estreia] é uma grande prova disso. Em Re-make/Re-model a banda já demonstra certo amadurecimento em sua sonoridade, tendendo ao art rock [em 2HB] e até mesmo ao rock progressivo [notoriamente em Sea Breezes] no decorrer do disco. O vocal bem alinhado de Bryan Ferry consegue carregar um glamour muito pessoal e que cria uma identidade única para a banda; charme e sofisticação inigualável, um must. Outro grande destaque do disco é a presença de Brian Eno [ele também participaria de For Your Pleasure, disco seguinte da banda] nos sintetizadores. Eno é um dos meus artistas preferidos de sempre e sobre quem falarei mais especificamente a seguir.

“Here Come the Warm Jets” — Eno (1974)

Here Come the Warm Jets

Assinado simplesmente como “Eno”, Here Come the Warm Jets, o primeiro disco solo de Brian Eno, é uma obra-prima; é um dos discos mais incríveis, artísticos, instigantes e criativos do glam rock. Brian Eno, um gênio da música eletrônica, conseguiu reunir a base de glam e art rock de Roxy Music e, com suas ideias, conseguiu somar muito à estética. O resultado é um disco sensacional e vanguardístico de art-pop. Some Of Them Are Old é uma das músicas mais lindas do mundo e vai tocar no meu funeral. Ponto.

“Taking Tiger Mountain (By Strategy)” — Eno (1974)

Taking Tiger Mountain (By Strategy)

Brian Eno havia lançado em janeiro de 1974 a sua obra-prima Here Come the Warm Jets e em novembro do mesmo ano ele já tinha outra obra-prima para lançar. Mais conceitual que o anterior, Taking Tiger Mountain é ainda mais brilhante. O estilo musical eclético continua um trunfo e se torna ainda mais agudo, os temas do disco se tornaram mais sombrios e a criatividade de Eno cada vez mais impressionante. Eu diria que esse é um disco tão visionário que Third Uncle, por exemplo, pode ser a primeira música post-punk [dois anos antes do primeiro disco dos Ramones, rs].

“New York Dolls” — New York Dolls (1973)

New York Dolls

Canções de amor como o mundo nunca tinha visto. Arranjos e vocais esganiçados, exagerados. Os temas baixos, no bom sentido da expressão, refletindo a marginalidade da contracultura e os músicos todos vestidos como drag-queens. Não podia dar em outra: um dos melhores debuts de todos os tempos e um dos discos fundamentais do punk rock. Personality Crisis, Looking for a Kiss e Trash são clássicos absolutos do proto/glam-punk; coincidiu de eu ouvir Frankenstein na época que li o livro da Mary Shelley, resultado: passava horas ouvindo, completamente alucinado por essa música.

“Transformer” — Lou Reed (1972)

Transformer

Produzido por David Bowie e com os arranjos do guitarrista Mick Ronson, Transformer tinha tudo para ser um grande clássico do glam rock, e é. Reed traz ao gênero a poeticidade que estava faltando por meio de temas sombrios e personagens que estavam à margem da sociedade, como transexuais, junkies, etc. O disco já começa com a bela metafora “Vicious, you hit me with a flower” e mantém a qualidade do começo ao fim. Aqui estão os maiores clássicos de Reed em sua carreira solo: Perfect Day e Walk On The Wild Side.

“Hunky Dory” — David Bowie (1971)

Hunky Dory

Escrever qualquer coisa sobre o Hunky Dory é muito difícil. Vou me ater a dizer que é meu disco preferido do Bowie.

“The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars” — David Bowie (1972)

The Rise and Fall of Ziggy Stardust and the Spiders from Mars

A grande ópera glam-rock. Mais que um disco musical, Ziggy Stardust é cinema, teatro, literatura e, antes de tudo, uma grande obra de arte. O disco mais essencial para entender o que foi o glam rock e um dos melhores discos conceituais de todos os tempos; é coeso e consegue contar uma história magnífica do início ao fim. David Bowie era um gênio e sabia fazer isso como ninguém. A persona Ziggy Stardust não ficou restrita ao disco, tem forma muito bem definida (e não poderia ser melhor): era ele mesmo.

Algumas menções honrosas:

“Touch Me” — Gary Glitter (1973)

“Aladdin Sane” — David Bowie (1973)

“Pin Ups” — David Bowie (1973)

“Diamond Dogs” — David Bowie (1974)

“For Your Pleasure” — Roxy Music (1973)

“Stranded” — Roxy Music (1973)

“Country Life”— Roxy Music (1974)

“Siren”— Roxy Music (1975)

“Zinc Alloy and the Hidden Riders of Tomorrow” — T. Rex (1974)

“Light of Love” — T. Rex (1974)

“Bolan’s Zip Gun” — T. Rex (1975)

“Futuristic Dragon” — T. Rex (1976)

“Dandy in the Underworld” — T. Rex (1977)

“All the Young Dudes” — Mott the Hoople (1972)

Discos nacionais de Glam Rock

“Sweet Edy” — Edy Star (1974)

…Sweet Edy…

Edy Star foi o primeiro artista brasileiro a assumir publicamente sua homossexualidade. Em 1971 participou do antológico Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das Dez com Raul Seixas, Sergio Sampaio e Miriam Batucada. Sweet Edy é um disco sensacional e que não perde em nada para os clássicos internacionais do gênero. É um legítimo disco de rock e tem todo o glamour, sensualidade e audácia que um bom disco glam precisa. Acredito que merecia mais reconhecimento.

“Secos & Molhados” — Secos & Molhados (1973)

Secos & Molhados

S&M não é apenas um dos melhores discos da música brasileira. É, também, um dos melhores discos de glam rock. Além dos arranjos, Secos & Molhados tinham de sobra a atitude que o gênero demandava nas performances enérgicas de Ney Matogrosso. O toque brasileiro deixou tudo melhor ainda.

“Fruto Proibido” — Rita Lee & Tutti Frutti (1975)

Fruto Proibido

Segundo disco de Rita Lee em parceria com a banda Tutti Frutti e o principal disco de sua carreira solo. Traz clássicos como Agora Só Falta Você, Esse Tal de Roque Enrow e Ovelha Negra, músicas que a estabeleceram nacionalmente como uma grande artista. Fruto Proibido é um disco que traz a sonoridade de glam rock da primeira metade da década 70 e aborda questões que começam a efervescer nesse período, inclusive de temática feminista. Um disco importante da música brasileira e um exemplar do glam rock nacional.

Outros discos:

“João Ricardo [Disco Rosa]” — João Ricardo (1975)

“Cheque Girls” — Textículos de Mary (2002) [fora do contexto, mas profundamente influenciado e caracterizado como glam rock]

Conclusão

Secos & Molhados

O glam rock foi um gênero que marcou época na música mundial e, ainda hoje, influencia muita gente. Grandes artistas brasileiros como Johnny Hooker, Liniker, Thiago Pethit, As Baianas e a Cozinha Mineira, Linn da Quebrada, Jaloo, Rico Dalasam e Verônica Decide Morrer são resultado direto de um grito de resistência que foi dado lá atrás; quando integrantes de bandas como os New York Dolls subiram ao palco vestidos como mulheres, cheios de Glitter e maquiagem; ou quando Ney Matogrosso, com os Secos e Molhados, apareceu na TV com o rosto maquiado, rebolando, em plena ditadura militar brasileira.

O glam rock, acima de tudo, deixou como legado um grito de libertação sexual que abriu espaço para que os artistas se sentissem livres para expressar feminilidade da forma como bem entendessem, sempre que quisessem.

Por isso, eu penso que é importante conhecer um pouquinho sobre ele.

Agora vão ouvir os discos. Até!

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Isaac Magalhães

Formado em Letras e amante da linguagem. Escrevo sobre música e de vez em quando sobre outras coisas menos importantes.