Relato de Parto

Isabella Herdy
8 min readSep 21, 2021

--

Deixo aqui o relato do meu parto. Decidi escrever primeiro pra não esquecer esse dia, que apesar de inesquecível, já se perde entre fatias do tempo com imagens e lembranças que não sei especificar e podem estar parcialmente ou totalmente equivocadas na minha memória.

Segundo porque acho generoso. Não se fala muito sobre o parto, até que um belo dia você tá grávida e sabe que vai ter que passar por ele. Ainda vivemos em uma cultura da cesárea. É maravilhoso ter essa opção quando necessário e termos o poder de escolha também, mas muitas vezes ela se apresenta como uma falsa única opção.

Durante a gestação maratonei o podcast Parir, da trovão mídia. Assisti “O Renascimento de um Parto” 1, 2 e 3 no Netflix (mas já aviso que o 2 e o 3 podem ser gatilho, bem assustadores). Participei da Roda das Sementeiras da Dida Scheiner. Tudo isso me ajudou imensamente e me preparar e entender o que eu queria ou não quando minha hora chegasse. Inicialmente os planos eram um parto domiciliar, mas por motivos puramente financeiros e burocráticos por parte do plano de saúde foi mais fácil optar pelo parto hospitalar mesmo. E não me arrependo nenhum pouco nem voltaria atrás. Ter anestesia quando precisei me salvou, mas já chego nessa parte da história.

A verdade é que não sei bem por onde começar. Não sei especificar quando exatamente meu trabalho de parto começou. Mas para muito além disso, como se começa uma história de completa transformação e renascimento? Parir uma vida é mesmo um milagre. E se eu tenho uma certeza depois de passar por isso é que Deus é mulher.

O Luca nasceu em uma manhã de domingo (sim alceu valença, seguindo e anunciando o seu clichê mais lindo do mundo). Dia 13/06 às 10:15h. Dia 13 foi a data que eu tinha colocado no bolão. Há meses minha intuição tinha me dito que ele viria nesse dia, mas conforme foi chegando perto passei a desacreditar. Achei que ele ainda demoraria mais uns dias ou a vida inteira, porque essa é a sensação de final de gravidez. Cada dia se arrasta, a barriga pesa, “esse bebê não vai sair nunca de mim”.

A sexta feira anterior foi um dia bem difícil. Estava há exatos 5 dias de licença maternidade — um puta privilégio, tirar essa reta final pra me dedicar só e somente ao meu filho, ao meu corpo, e a mim.

Enquanto os outros dias tinham sido bem gostosos e leves, na sexta eu me senti como se estivesse doente. Acordei às 7h com muito enjôo e fome ao mesmo tempo, mas não conseguia ter apetite pra nada, tudo me revirava o estômago só de pensar.

Levantei, escrevi um pouco (tenho esse hábito), voltei pra cama mas não encontrava posição nem forças pra voltar a dormir. Uma sensação muito estranha. Até que o Felipe trouxe um copão de água de côco que me salvou. Afome passou, o enjôo deu uma trégua e voltei a dormir até 12:20h (eu acho que em 9 meses de gravidez nunca dormi até esse horário). O restante do dia praticamente passei no sofá. Dormi bastante. Pedi açaí e sanduíche de atum de almoço. Vomitei o almoço. Falei que iria pra academia e mal conseguia andar até o banheiro pra fazer xixi. Foi um terror até a noite, quando pedimos pizza, fui dormir por volta de 00:30h. Lembro de sentir cólicas nesse dia e compartilhar isso com algumas pessoas. Bom, possivelmente já eram os pródromos e eu não sabia.

No sábado acordei revigorada, fui pra academia, fiz 40min de bicicleta. Voltei pra casa, tomei um bom café da manhã, ficamos algumas horas lendo no sofá até que decidimos sair. Tava um dia lindo. Passamos rapidamente na feirinha aqui embaixo e fomos encontrar meu pai pra almoçar. Encontramos alguns amigos na feira e o papo sempre era “e essa barriga”, “pois é, pode vir a qualquer momento”, mas não achei que o momento estivesse tão próximo. Tava realmente me sentindo bem nesse dia. Cansada do barrigão, do peso, mas bem disposta e feliz. Passamos o dia fora, a noite voltamos e ficamos curtindo nossa casa. Colocamos música, dançamos um pouco. Comemos o resto da pizza com uns queijinhos da noite anterior. Fomos dormir lá pela 00h de novo.

Entre deitar na cama pra dormir até 3:30h acordei algumas vezes pra fazer xixi (clássico) e comecei a sentir muita cólica. Lembro da dor da cólica entrar nos meus sonhos, mas eu estava tão cansada e sonolenta que não despertava exatamente. até uma hora que fui fazer xixi e voltei reclamando de muita cólica. Depois o Felipe me disse que teve certeza que a hora tinha chegado. Ele tava sonhando que dirigia uma van escolar cheio de criança e ia pedindo orientação pra médicos pelo caminho de para onde deveria ir — coisas que não se explicam.

Deitei sem posição por 20 segundos e bateu vontade de cocô (eu já sabendo que a força que se faz pra sair um filho é a mesma de evacuar, pensei “isso tá estranho”). Fui ao banheiro e junto saiu bastante sangue. Fiquei nervosa, liguei pra minha obstetra que respondeu “que bom Isa, isso significa que tá pertinho. Passa na Perinatal pra checar se tá tudo bem, se tiver pode voltar pra casa”. Em 10min estávamos prontos. Felipe me lembrou de pegar as bolsas da maternidade, lembro de falar “qualquer coisa a gente deixa no carro”. Peguei minha escova de dente de última hora, mas quase esqueci. Não achei que não voltaríamos mais pra casa tão cedo e tava um pouco desnorteada também. Um mix de sono, com não saber muito o que ia acontecer e nervosa com o sangramento.

Pegamos o carro e descemos a ladeira. Três minutos até a Perinatal. Chegando lá demos entrada, fomos encaminhados para o plantonista, coisa rápida de cinco minutos. Na sala aguardando a plantonista chegar minha bolsa estoura parcialmente e só desce sangue. Poça de sangue embaixo de mim.

O que é isso? Meu filho tá bem? Eu tô bem?

Felipe sai correndo nervoso atrás de alguém. O lugar que estávamos parecia um hospital fantasma. Ninguém perto, nenhum barulho, luzes meio acesas meio apagadas.

A plantonista veio, me encaminhou pra sala pra me examinar. Exame de toque.

“4cm de dilatação”

“Eu vou ficar aqui então?”

“Você não sai mais daqui sem o Luca”

Felipe liga pra obstetra, liga pra Paloma — amiga de infância e pediatra foda, responsável pela minha sala de parto, te amo amiga! Enquanto isso ficaram monitorando minhas contrações e os batimentos do Luca. Eis que finalmente entendi que as cólicas eram contrações! Eu não estava esperando essa sensação, sei lá porque achei que seria algo diferente.

Não sei dizer o espaço de tempo entre elas mas estavam ritmadas. Me falaram que eu iria direto pra sala de parto. Nesse meio tempo chegou um dos obstetras da equipe, fez mais um exame de toque. A bolsa ainda tava lá, mas a dilatação já devia estar entre 6cm e 7cm. Tudo evoluindo muito rápido, mas até então uma dor bem suportável.

Chegando na sala de parto não tinha muito o que ser feito além de esperar as contrações e vive-las. Quando vinham eu fazia alguns agachamentos me apoiando no Felipe pra ajudar. Entre elas eu sentava.

Fun fact: nesse meio tempo o Felipe precisou voltar pra casa pra pegar meus últimos exames que tínhamos esquecido. ele tava tão nervoso que ao invés de pegar o carro, ele voltou a pé. subiu e desceu a nossa ladeira que nem um louco, no meio do caminho começou a chover, ele se estabacou na ida e na volta. mas tudo certo, ele voltou e seguiu como meu maior apoio durante todo o tempo.

Em algum momento lembro de perceber que estava com fome e com sede, mas não podiam me dar água nem comida. Em algum momento me colocaram no soro, o que aliviou. Em algum momento precisei ir no banheiro de novo e me bateu aquele medinho do meu filho sair ali mesmo — mas não. Tava perto mas ainda tava longe. Pedi anestesia. A anestesista chegou. Eu falei que aguentava mais. Lembro que coloquei músicas que variavam entre Caetano, Fran, mpb o tempo todo. Músicas que me lembram carnaval, Brasil, calor.

Percebi que estava muito cansada. Tinha dormido três horas só e comido pouco na noite anterior. E, mais uma vez, tava perto mas ainda tava longe. Tudo isso não sei dizer quanto tempo estava se passando, que horas eram. Nada. Tinha a sensação que toda vez que olhava no relógio tinha se passado mais uma hora. Cinco da manhã, Seis da manhã, Sete da manhã…

Decidi deitar entre as contrações pra tentar descansar mas os médicos não ficaram muito felizes… “quando vier a contração faz força”. E aí veio uma que eu só lembro de pensar “eu NUNCA MAIS vou passar por isso na vida. O próximo filho vem de cesárea”. Fui na lua e voltei. Eu berrava, urrava. Pedi anestesia. Dessa vez de verdade. Tomei.

Depois dela — ou antes, não lembro — encontrei a posição que fiquei até ele nascer. Meio sentada meio deitada na cama, com as costas inclinadas. Quando vinha a contração eu puxava um lençol que amarraram no teto pra mim. Foi assim daí até o fim. Eu conseguia fazer força, tava confortável e entre as contrações conseguia descansar. Mas com anestesia eu chapei. Comecei a rir à toa. A contração vinha e não doía. Tava tudo lindo. Eu ia me cansando mas dor eu não sentia mais. Oefeito chapação não tinha nada a ver com a anestesia em si. Era só o alívio e a passagem de uma dor descomunal pra nenhuma dor.

Lembro que tocou Lança Perfume, falamos da Rita Lee. Tocou Mama África e depois Tim Maia. Falamos que era dia de Santo Antônio. O obstetra falou que o nome do meu filho deveria ser Luca Antônio. Ele contou a história de alguma igreja que visitou sei lá aonde. Teve o assunto vacina do Covid. Tudo isso me ajudava a distrair um pouco, mas também me batia um mix de “não quero saber o que vc tá falando, eu to parindo!!!” com “fala mais, qualquer coisa”.

Bom, acontece que a anestesia que eu tomei só funcionava para as contrações, quando o bebê chegou no canal vaginal eu voltei a sentir tudo. E em algum momento isso aconteceu. Daí pra frente eu sei que entrei 100% na partolândia. Não sei dizer o que se passava pela minha cabeça ou o que eu sentia. Só queria — e precisava — que ele saísse dali. Fazia muita, muita força. Escutei que eu tava fazendo força na hora errada, fora das contrações, mas eu não sentia mais nada e sentia tudo ao mesmo tempo. Não sabia mais diferenciar o que era e o que não era contração. A sala de parto começou a encher. O obstetra pegou uma tesoura e cortou um pouco do cabelinho dele pra me mostrar o quão perto tava.

Eu estava exausta. O Luca também. Ele estava com um cordão enrolado no pescoço e começou a girar pro lado errado pra sair de mim. Lembro de olhar pro rosto de uma enfermeira da Perinatal que só sinalizava que eu tava indo muito bem, "não para", ela falava. O Felipe limpava o meu suor. Essa mesma enfermeira veio do meu lado e não faço ideia do que ela falou, mas foi um anjo abençoado.

Precisaram usar forceps pra ele sair. Enfim ele nasceu. Não chorou. Veio para os meus braços e foi o sentimento mais intenso e avassalador da minha vida. Ele era perfeito e cabeludo. Eu só pensava isso.

Depois foi examinado, apesar de ter nascido com um mega esforço e com ajuda, ele tava bem. Foi difícil, foi intenso, mas foi do jeito que tinha que ser. O meu parto. Meu e do Luca.

Agora já faz uma semana que eu não desgrudo do meu pacotinho.

E se eu tiver outro parto na vida, ainda quero que seja normal.

--

--

Isabella Herdy

Mãe. Tenho uma newsletter pra escrever a vontade e falar do meu filho @CriancatambemDanca. Brand Strategist at @AnaCouto.