Você é suficiente pra você?

Uma visita guiada pelas inseguranças de uma desenvolvedora

Isa Silveira
7 min readJul 3, 2018
Tente aprender tudo que está na sua lista e falhe miseravelmente (Foto do Tim Gouw no Unsplash)

Eu não me acho boa o suficiente. Eu não me acho boa, ponto. Pra toda coisa certa que eu faço, vem pelo menos 5 ideias de como poderia ter sido melhor. Poderia ter feito melhor. Aquele detalhe poderia ter sido mais bem acabado. Faltou ter concluído melhor. Na real, eu nem gostei daquela talk, acho que ficou maçante. Essa até ficou divertida, mas o conteúdo ficou raso. Esse projeto ficou ok, mas falta alguma coisa. Sempre falta alguma coisa.

Não tem um dia que eu não acordo me perguntando se algum dia eu vou bastar pra mim mesma, se algum dia eu vou sentir como se tivesse chegado "lá". Não tem um dia que eu não me pergunto por que eu me sinto assim o tempo todo, o porquê de sempre tem alguma coisa faltando, o porquê de nada nunca ser bom o suficiente. E, caros leitores, essa ansiedade é uma bosta.

Uma coisa é você se esforçar por um ideal e ser autocrítico; eu sou ridiculamente crítica com tudo e todos (sendo muito sincera eu nem acho isso bom), mas, olha, comigo mesma eu triplico a dose. E até aí tudo bem, alguns dos maiores gênios da história eram pessoas que tinham uma determinação incansável de ir além e se superar; David Bowie, Messi, Stephen Hawking e Van Gogh são só alguns deles. Não tem nada de errado com trabalhar duro por algo que você acredita, mas tem tudo de errado em se achar horrível em tudo que faz.

E eu não vou negar, se achar horrível em tudo pode até ser produtivo por um tempo; não tem incentivo maior de aprender algo novo do que achar que todo mundo é melhor que você em alguma coisa. Mas é tragicômico o quanto isso pode ser tornar um tiro no pé no futuro, porque a partir do momento que você não se acha bom o suficiente, você nem se acha capaz de aprender de verdade. "Cara, não to entendendo nada dessa porra, acho que não é pra mim mesmo". E aí você não se acha bom porque não sabe coisas que sente que deveria saber, e não consegue aprender porque não se acha bom o suficiente pra conseguir. Maravilhosamente irônico e contraproducente né?

Café da manhã dos campeões mesmo é uma saladinha de fruta e aquela encarada no vazio existencial né non (Foto da Meghan Holmes no Unsplash)

Eu não acho que isso aconteça de graça. Obviamente tem muitíssimo a ver com como cada um lida com seus próprios sentimentos e frustrações, mas pra mim existem 3 principais fatores externos que contribuem pra esse ciclo vicioso de insegurança.

O primeiro e mais evidente é que a comunidade de desenvolvimento e tecnologia em geral muda muito rápido e espera-se do profissional da área que dance conforme a música. Mas a música não é um axé maneiro que você consegue pegar o jeito em pouco tempo, é um fucking metal progressivo que muda a cadência e o compasso a cada 5 minutos. Pega um É o Tchan e compara com Dream Theater: o drama é esse aí, rapaz.

A segunda parte me traz muitos sentimentos misturados. Na comunidade de desenvolvimento, existe uma preocupação com o coletivo que é realmente muito legal. É comum ver pessoas que mantem e implementam ferramentas (e até linguagens) que todo mundo pode usar gratuitamente e geram conteúdo pra que o resto da comunidade possa evoluir; é o que a gente chama de open source. E cara, eu acho isso extremamente do caralho, muito muito foda mesmo. Democratizar o conhecimento e botar o poder do aprendizado na mão de quem estiver interessado e não de quem tiver dinheiro pra pagar é algo pelo que eu luto muito e acredito; a gente pode realmente mudar o mundo com essa porra. O problema é que isso virou quase uma cobrança no meio do desenvolvimento, criando uma atmosfera tóxica de disputa de ego e auto importância.

"Pra ser reconhecido no mercado você precisa palestrar"

"Mas pra quais projetos você contribui?"

"Você não escreveu nenhum artigo esse ano?"

Quando o open source deixou de ser divertido, cara? Quando isso virou mais sobre reputação e menos sobre revolucionar o mundo em que a gente vive? Sinceramente, foda-se o status. Desenvolvedores não deveriam estar em pedestais. Nós não somos celebridades, nós somos, no máximo, pessoas que estudaram sobre certas coisas e podemos querer ou não compartilhar isso com outros desenvolvedores. Eu amo palestrar e contribuir com open source, é uma das poucas coisas que me dá um sentimento de estar caminhando na direção certa, mas eu odeio o sentimento de que isso virou uma competição de certa forma. Doar seu tempo por algo que você acredita não deveria te fazer sentir culpado, e sim animado pela perspectiva de estar ajudando alguém. Aliás, mais ainda, estar aprendendo com isso também e conhecendo pessoas maravilhosas no caminho.

A terceira razão é sintomática. Se você for mulher, as chances de que você passou por situações chatas são altas. Se você for mulher em tecnologia, essa chance fica maior ainda. Eu não tenho dedos o suficiente pra contar as vezes em que duvidaram do meu potencial só por ser mulher. "Mas quem escreveu esse código? Foi o seu amigo?", "Essa turma vai ser lenta, tem muita mulher", "Isso aqui é meio complicado, você não entenderia". Essas são só algumas coisas que eu já ouvi ao longo da minha carreira e a parte triste é que não foi só comigo, eu não sou só uma azarada. Existe um machismo inerente à área de TI que é ridiculamente agressivo às mulheres que fazem parte dela e afeta até meninas ingressando em cursos relacionados. Acho que eu não preciso explicar o quão nocivo é esse comportamento à auto estima e a confiança das mulheres, mas basicamente é como se todo mundo estivesse avaliando seus movimentos e duvidando da sua capacidade de fazer dar certo a cada momento.

Há alguns meses atrás, isso chegou a um nível quase insustentável. Eu não aguentava mais essa culpa e ansiedade de sentir como se eu estivesse sempre pra trás e que tinha que compensar coisas que eu achava que deveria estar fazendo e não estava. Eu não conseguia simplesmente chegar em casa e só descansar depois de um dia de trabalho, tinha sempre aquela palestra que eu tinha que terminar, o draft do artigo que eu tava escrevendo, aquele paper que eu tinha que acabar de ler. O pior de tudo é que eu não conseguia concluir nenhuma dessas coisas porque eu não achava que nenhuma delas estava boa o suficiente e constantemente considerava refazer tudo do zero. 2 passos pra frente, 5 pra trás.

Lembrar que você não consegue fazer as coisas que você mesmo se impôs e se sentir horrível por isso

Chega. Não dava mais pra ficar assim. Nesse momento eu percebi que algo tinha que mudar, e rápido. Passei um bom tempo refletindo sobre essas coisas e algo clareou na minha cabeça: eu queria fazer as coisas certas, mas do jeito errado. Só aí eu finalmente entendi que como você está se sentindo importa, e, principalmente, o que você acha de si mesmo importa pra caralho. Importa pro resto da sua vida e até pra essa pequena bolha chamada desenvolvimento.

Comecei a repensar tudo e realmente olhar pra dentro. Essa auto reflexão foi uma das coisas mais difíceis e necessárias que eu já fiz na vida. É duro não ter mais certeza do que te define como pessoa, mas ao mesmo tempo libertador pensar que de hoje em diante você pode se reinventar e ser quem você quiser. Foi super difícil aceitar que eu não estava onde eu queria estar, mas super reconfortante entender que tudo bem, porque eu poderia estar em qualquer lugar a partir de agora. Não tem nada de errado com andar mais devagar, repriorizar e mudar de ideia, inclusive são sinais claros do amadurecimento.

Proficiência técnica tem tudo a ver com saúde emocional, tentar separar essas coisas é errado e quanto mais cedo você entender isso, mais rápido pode chegar no seu objetivo. Tudo bem não ser o melhor nesse momento, ninguém nasceu sabendo tudo. Você pode chegar lá no seu próprio ritmo; no fim, ser realmente bom em alguma coisa é só uma questão de planejamento e gerenciamento de tempo, não tem nada que você não consiga aprender. Não existe talento, seus ídolos estão onde estão porque trabalharam pra isso e eles são pessoas como você: começaram do zero, também tem medos, inseguranças e provavelmente se acham bem menos legais do que você os acha. Tudo é uma questão de percepção e a mais importante é a que você tem de você mesmo. O resto é o resto.

Celebre as suas vitórias, não importa o quão pequenas elas sejam. Além de ser uma ótima desculpa pra beber com os amigos (pode ser coca-cola se você não bebe), isso te dá uma noção de progresso muito melhor. Eu nunca fui muito de comemorar quando as coisas davam certo, porque achava que por mais legais que elas fossem, eu já tinha que estar além, já tinha que ter feito mais. Como resultado, havia sempre a sensação de que não estava avançando ou melhorando em nada, quando na realidade eu estava sim; talvez não no ritmo ou na velocidade que eu tinha planejado, mas os planos estavam dando certo e isso é o que importa.

Sejam mais gentis com vocês mesmos; todo mundo fala em respeitar e ser legal com o próximo e ninguém fala em fazer essas coisas por si próprio. Aprenda o seu ritmo de estudo, a forma como você funciona melhor assimilando conceitos e se exponha a novas experiências. Pode parecer engraçado, mas a gente não nasce sabendo essas coisas sobre nós mesmos, até isso a gente vai aprendendo com o tempo.

E se a gente parar pra pensar, a vida é 50% aprendizado e 50% improviso. Aceitar isso é a coisa mais libertadora que você vai fazer hoje.

Se você chegou até aqui, espero que tenha gostado e que esse texto tenha te ajudado de alguma forma! Se você tem alguma pergunta ou quiser compartilhar alguma coisa, ficarei mais do que feliz em escutar! É só me procurar lá no Twitter (@silveira_bells) e deixar sua mensagem :)

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