Entrevista com a especialista em sexualidade Marcia Atik

Isabela Guaraldi
3 min readJun 3, 2018

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Por Isabela Guaraldi e Mayara Bosco

1-Como deve ser o tratamento psicológico de uma pessoa traumatizada por conta de assédio ou abuso sexual? Existem casos que você atendeu e pode compartilhar a história?

Isso vai depender do grau de agressão sofrida. Não raro é fácil determinar com o paciente que o fraco, o impossibilitado, é o outro. Assim, entendendo a dinâmica do outro a vítima se sente mais confortável para enfrentar o sentimento de impotência. Por outro lado, quando existe uma agressão física, o trabalho pode demorar mais, mas sempre é possível reverter os sentimentos de dor e desvalia. Importante esse tipo de matéria para que as vítimas não se identifiquem como vitimizadas e sim com a capacidade e a força de denunciar.
Recentemente tive um caso de uma criança molestada por um parente que me foi trazida pela mãe, muito preocupada com as consequências no processo terapêutico. Pude perceber que quase nenhuma dor havia ficado com aquela criança, que se sentiu protegida e amparada pela família, ao contrário de tias mais velhas que também haviam sido molestadas e, de tão traumatizadas, só contaram depois que a criança denunciou o abuso contra ela. Então, de alguma forma esta criança estava mais preparada para o enfrentamento do problema do que as tias, que estavam realmente comprometidas, com muita raiva e com baixa estima. Portanto, o acolhimento é muito importante para dirimir um pouco a dor.

2- Você acha que é cabível um tratamento psicológico não só para vítimas de assédio sexual, mas também para os próprios agressores? Se sim, como deveria funcionar esse tratamento?

Sem dúvida, pois o assediador contumaz tem uma psicopatia contumaz que pode ser consequência de várias questões de foro íntimo, tais como: rejeição, pessoas que não se julgam tão boas e que compensam isso sendo invasivos ou subjugando outras.
Na verdade, de uma forma geral, os agressores são pessoas menores que se engrandecem sendo cruéis ou mantendo o outro sob dominação. Isso dá falsa ideia de poder e eles acabam se sentindo valorizados diante de si mesmos.

3- Você acha que a maioria dos assediadores são doentes mentais ou é um problema da sociedade altamente machista e dos ensinamentos que ela passa? Você tem alguma estatística sobre a quantidade de assediadores que são doentes e assediadores que não são?

Não tenho estatística, pois o meu trabalho é apenas em consultório. Mas, esses dois aspectos podem estar presentes na cultura machista, que ainda persiste em algumas regiões do brasil e em algumas famílias e o comprometimento emocional ou mesmo a doença mental. Nesse sentido lembremos daquele rapaz ejaculador nos ônibus que, apesar de ser condenável, ele estava totalmente fora de seu equilíbrio mental e, isso cabe a família ser realista e tomar as devidas providências.

4- Como você vê os casos de assédio em Hollywood e a carta das intelectuais francesas comentando os casos? Você acha que esses escândalos podem elevar o nível do debate sobre essa questão?

Como comentei na primeira questão, o debate , a denúncia, são a luz no fim do túnel. Não existe nada mais perigoso, ou mesmo estimulador para os diversos tipos de crime tanto os abusos como outros, do que o silêncio, o segredo, a não denúncia. No caso, as estrelas de Hollywood estão denunciando e quebrando uma tradição clássica que todos sabiam e ocultavam: o teste do sofá; e as intelectuais estão de certa forma adequando as discussões a um plano mais racional para não nos perdermos em histeria generalizada, pois ainda devem sodar um espaço para o afeto e do desejo real e sincero.

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