Entrevista com as advogadas Marina Ruzzi e Ana Paula Braga

Isabela Guaraldi
3 min readJun 3, 2018

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Por Isabela Guaraldi e Mayara Bosco

1- Qual a definição jurídica de assédio sexual? Você acha que a legislação brasileira é obsoleta ou apenas falta uma melhor aplicabilidade da lei?

A legislação brasileira prevê como crime de assédio sexual apenas aquele cometido no ambiente de trabalho. Segundo o artigo 216-A do Código Penal, configura assédio sexual a conduta de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. Para esse tipo de caso, a legislação não é ruim, o problema está nos aplicadores do Direito, como juízes, promotores e advogados, que, muitas vezes, contaminados por uma mentalidade ainda machista, não dão o devido tratamento jurídico aos casos.
Por outro lado, se estamos falando de assédio sexual cometido em espaços públicos, como as cantadas de rua, encoxadas nos transportes públicos e etc, nossa legislação é, sem dúvidas, falha e obsoleta. Primeiro porque não temos um crime específico para esse tipo de conduta, de modo que esse tipo de caso acaba caindo em uma lacuna entre a mera importunação ofensiva ao pudor (que nem crime é, mas contravenção penal) e o crime de estupro (um crime hediondo, considerado um dos mais graves do ordenamento jurídico). O resultado é a impunidade.

2- Segundo algumas reportagens, os casos de assédio sexual não são devidamente julgados por causa de uma falta de formação dos juízes nesse quesito. Em que medida uma reeducação jurídica pode alterar essa situação?

Nosso Judiciário, em termos gerais, não tem preparo suficiente para lidar com causas de gênero. Falta muita formação para compreender as especificidades dos casos envolvendo violência contra a mulher. Querendo ou não, por mais que se pregue uma neutralidade, o juiz que está aplicando a lei é um ser humano que possui seus valores próprios e que refletem de alguma maneira no seu entendimento sobre o caso. Se estamos em uma sociedade patriarcal e misógina, esse pensamento é refletido. Assim, apesar de termos algumas leis, fica ao entendimento do julgador se aquele caso é uma hipótese abarcada pela lei ou não. Quando falamos de assédio sexual, ainda há a mentalidade de que essas condutas configuram elogio ou brincadeira, desmerecedoras da devida gravidade. Também há muito julgamento sobre a mulher: se ela provocou, se ela estava pedindo, se estava de roupa curta, sozinha, bêbada, etc.
Por isso, é muito importante que haja constante capacitação dos operadores do direito para que compreendam o cenário de desigualdades em que vivemos e como essas violências impactam a vida das mulheres.

3- Você acha que o mais adequado para julgar casos de assédio seriam juízas?

Não necessariamente. Apesar de uma mulher poder apresentar maior empatia, não basta simplesmente ser uma mulher julgando, é preciso que seja uma mulher comprometida com a causa. Muitas mulheres ainda reproduzem a cultura machista, e não é raro vermos mulheres darem decisões ruins em casos de assédio.

4- Como você vê a situação do Brasil em relação a crimes de assédio sexual?

O Brasil ainda está muito atrasado e despreparado para lidar com crimes de assédio sexual. Primeiro por faltar os devidos instrumentos legais, especialmente para os casos de assédio em lugares públicos. Sem que haja um crime específico, o caso acaba ficando impune. Já em termos de assédio sexual no trabalho, apesar de termos legislação, não existem mecanismos que protejam a trabalhadora. Se ela denuncia um assédio, nada garante sua estabilidade no emprego, e não raro ela é mandada embora ou fica “manchada” no mercado de trabalho.
Além disso, precisamos avançar em termos de conscientização, porque de nada adianta termos leis, se elas não são aplicadas.

5- Como você vê os casos de assédio em Hollywood e a carta das intelectuais francesas comentando os casos? Você acha que esses escândalos podem elevar o nível do debate sobre essa questão?

O movimento das atrizes de Hollywood foi um marco muito importante na luta contra o assédio sexual. A partir do momento que temos figuras públicas e que servem como exemplo para a sociedade denunciando esse tipo de comportamento, o problema ganha relevância. É como se elas traduzissem uma mensagem de todas nós mulheres de que não aceitaremos mais o assédio.
Sem dúvidas esse tipo de movimento gera um amplo debate. E claro, como em todo debate, haverão pessoas contrárias e que tentarão diminuir a importância do assunto ou desqualificar as vítimas e suas denúncias. Porém, essa união das mulheres está dando o recado de que juntas somos fortes e não vamos mais retroceder.

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