Dez Anos

Isadora Sinay
3 min readAug 3, 2016

A dix huit ans j’ai quitté ma province
Bien décidé à empoigner la vie
Le coeur léger et le bagage mince
J’étais certain de conquérir Paris

Em algum momento desse início de agosto, faz dez anos que eu cheguei em São Paulo. Quando você é tão jovem quanto eu, dez anos é sua vida inteira, mesmo que não o seja. Em dez anos, você tem pelo menos três vidas. Em dez anos, você se torna a pessoa que é.

Em São Paulo eu me tornei a pessoa que sou, que é e não é aquela que antes disso eu queria ser. Eu não escrevi um livro, como achei que faria, eu abandonei o cinema e o piano. Mas eu defendi um mestrado, eu conheci mais lugares do que achei, eu vivi mais vidas do que pensei.

Nesse tempo todo, eu fui diferentes pessoas e tenho cada vez mais a sensação que a cidade foi diferentes cidades junto comigo. Hoje, a época do prefeito que tudo proibia parece outra vida. A época em que eu não conseguia chegar de ônibus de Higienópolis a Pinheiros parece outro planeta. Se me dissessem quando eu estava na faculdade a quantidade de cafés com mesas pra fora, se me falassem de ciclovias, eu diria que me falavam de outra cidade.

O que não deixa de ser verdade.

Algo irônico desse nosso aniversário, é que justamente quando celebro quase um casamento com São Paulo, na verdade estou morando em Berlim. "Vivendo outro sonho feliz de cidade". Numa cidade que aprendi, é tão difícil de amar quanto São Paulo.

Berlim, ao contrário de São Paulo, é amável a primeira vista. E aos poucos vai deixando de ser, até você estabelecer um tipo de intimidade com ela, o tipo de intimidade de quem ama apesar. Talvez, seja esse meu destino na minha relação com cidades.

Mas algo que eu amo profundamente em Berlim é a reinvenção. Da cidade que carrega a memória do Holocausto, que teve uma zona da morte, que foi um dos lugares mais pobres e violentos do país. E que, de certa forma, se reconstruiu em cima de tudo isso, não apagando tudo isso.

São Paulo não é uma cidade nem de longe tão trágica. Também não é uma cidade fácil. Mas é ainda mais difícil odiar cada segundo do lugar que se mora.

Eu nunca vou entender o hobbie nacional de odiar São Paulo. Dez anos depois que eu cheguei, completamente apavorada, eu percebo o quanto o que a cidade é me fez outra pessoa. E o quanto o que eu sou agora sabe que essa via é de mão dupla e nós podemos fazer o que a cidade é.

Caminhando por aqui, eu sinto uma falta terrível da vista da minha janela, da Paulista, dos lugares familiares. E sei também que daqui duas semanas estarei sentido uma falta terrível do cinza horroroso da Potsdamer Platz, do metrô fedido, da mania alemã de dar bronca em estranhos. Porque cidades habitadas não são perfeitas.

Como pessoas não são perfeitas.

Dez anos é uma vida. E eu levei uma vida pra amar a cidade, querer ficar e entender que tanto cidades quanto pessoas mudam, sempre e muito.

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