Entrevista com Susana Barbosa, Publisher e Diretora Editorial da ELLE Brasil

Izabella Toledo de Melo
35 min readNov 1, 2023

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11/09/2023 — Izabella Toledo de Melo

  • Entrevista realizada para Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)

Desde que eu comecei a desenvolver esse trabalho, a pergunta que eu mais escuto é: “as revistas ainda existem?”, então queria repassar essa pergunta para alguém que vive essa realidade todos os dias. Como você enxerga o mercado editorial hoje?

Eu acho que essa discussão de “revista está acabando” é uma bobagem, acho que não vai acabar. No fim, é sobre o conteúdo, ele é superimportante, e o jornalismo é superimportante. Se o conteúdo é relevante, e se o veículo tem credibilidade, eu acho que isso não vai mudar. Então eu acho que a discussão não é a revista em si, é a revista impressa talvez, assim como o jornal impresso. Esses dias mesmo eu estava vendo os números de circulação da Folha, dos jornais, que eles fizeram uma matéria sobre isso, e eu fiquei muito impressionada de saber que a Folha, por exemplo, que é um jornal tão forte no Brasil, tão grande, só imprime 50.000 hoje. Só tem 50.000 assinantes do impresso e, no entanto, eles têm uma carteira de assinantes de setecentos e poucos mil, então a maior parte desse número é de assinante digital. Então não é que a revista vai acabar, talvez o impresso um dia tenda a diminuir.

Por enquanto, nunca se sabe, porque eu acho que a gente está falando de comportamento, e esse comportamento vai mudando, então não dá para afirmar muito categoricamente, mas, sim, ele vem diminuindo a cada ano. Se a gente olhar no universo das revistas de moda, de qualquer impresso, é isso o que eu acho, ele vem diminuindo, com o passar dos anos o número de assinantes e a circulação vão ficando menores. Tem uma coisa que é a tiragem, que é o quanto você imprime, e a circulação, que é o quanto vende daquilo que você imprimiu, e esse número vem encolhendo com o passar do tempo, mas dizer que vai acabar, eu não acho. Por exemplo, [desde] quando a Elle voltou, [depois que] foi interrompida, em 2018, na Editora Abril, a gente tem uma edição digital, além de todos os outros conteúdos abertos, a gente tem uma edição digital para assinantes, que existe muito pensando nessa mudança de comportamento de consumo.

O impresso ainda é superimportante para a gente, ele ainda tem uma receita enorme de publicidade. Por incrível que pareça, as pessoas, sei lá, uma celebridade, quer sair na ELLE, mas ela quer no impresso. Então, ao mesmo tempo, há uma certa contradição aí. Todo mundo fala tanto do digital, mas na hora do “vamos ver”, a pessoa quer o impresso. Volta e meia eu já tive essa questão, de: “o fotógrafo não quer fazer o digital, só o impresso”, mas como assim? Vocês não estão dizendo que o impresso está acabando? Por que no fim das contas vocês querem o impresso? A circulação do impresso é tão menor do que o digital, que pode ter um alcance tão grande. O impresso pode ter um alcance tão menor, mas ainda tem esse fetiche, então não acho que ele vai acabar, mas acho que ele mudou.

Por exemplo, hoje, o que a gente faz na ELLE é o impresso que tem a característica de ser mais colecionável, de ser como um livro que você quer guardar e não joga fora. O Luciano, que é o diretor de arte da ELLE, fala que é uma revista de sala, não é uma revista de banheiro, e de fato é isso, eu acho que ele tem essa característica de ser um produto com uma qualidade melhor, e ele é mais caro porque custa mais caro para ser feito, o papel é melhor e a impressão é melhor. É engraçado porque se a gente olhar, eu, que trabalho com isso há trinta anos, acho que a gente está voltando no que na verdade sempre foi um sonho de todo mundo que fez revista impressa, que é poder fazer um produto com essa essa qualidade, com um tratamento mais artístico, com uma qualidade de impressão de papel que é como qualquer livro de arte. Então a gente está conseguindo fazer um impresso que é o tipo de impresso que eu acho que faz sentido hoje.

É um impresso até mais sustentável, né?

Até mais sustentável, porque manter uma operação que tenha impresso mensal não é fácil, porque tem um custo de gráfica, um custo de impressão, e isso é muito caro, é o maior custo, provavelmente, além da equipe. Então para a gente, quando a gente ia recomeçar do zero, a gente criou esse modelo de negócio que tivesse, sim, o impresso, nos meses que para o calendário editorial são os mais relevantes — que são março, maio, setembro e dezembro — e, nos outros meses, a gente tivesse edições especiais, como a gente tem a ELLE Men, a gente lançou a ELLE Decor, e tem ainda a edição digital, que é para um público mais jovem, que é muito nativo digital e que eu acho que talvez não consuma mesmo mais a revista impressa, mas que teria a possibilidade de gostar tanto do nosso conteúdo, e [agora] pode consumir ele no digital, em um formato que faça sentido, além de todo o conteúdo que é aberto também.

A ELLE atua de uma forma diferente de outros títulos e com uma presença muito forte no digital. Falando sobre a produção de conteúdo, principalmente visual, você vê uma diferença muito grande no que deve ser feito para cada um desses formatos? Você acha que o público do digital é muito diferente da revista impressa?

Hoje, eu acho que é mais difícil você saber exatamente o público do impresso. Acho que a grande dificuldade do impresso é isso, você não conseguir aferir exatamente quem é esse público, então acho que no impresso a gente tem muito mais uma ideia de um público específico, que já assinava a ELLE ano passado e continua assinando, ou que é impactado por alguma capa que fez um barulho muito grande, que percebeu que era uma revista diferente, que tinha essa qualidade, que gosta, que quer ter ali no decor da casa. Mas, no digital, a gente tem um público bem jovem. A ELLE View, que é a versão digital da ELLE, é um público bem jovem, de 18 a 25 anos, 25 a 30, e isso é muito interessante, porque é um público que, pelas pesquisas que a gente fez, gosta muito do conteúdo que é colocado ali, então acho que, por exemplo, tem um público que estuda moda, que gosta muito do olhar da ELLE sobre moda, então eu acho que tem um público mais jovem que consome a ELLE View. E, nas redes sociais, acho que é uma mistura, mas acho que o principal do nosso público é 25 a 35.

E isso acaba influenciando até nas capas, né? Porque a ELLE View tem uma capa totalmente diferente da impressa. É proposital vocês trazerem pessoas muito mais ligadas a esse público mais jovem na View?

Ela tem uma coisa um pouco mais pop, sabe? Ela é muito reflexo desse momento que a gente está vendo na internet, na cultura pop de um modo geral. A ELLE View tem um pouco dessa característica, sim, de poder dialogar um pouco mais com esse universo da cultura pop e da música, enfim, das redes sociais. Então você vê, a gente fez capa com algumas meninas que são influenciadoras digitais, a gente pega artistas que às vezes estão ali fazendo uma coisa imediata, que virou um hit e tal, e a gente traduz isso ali na ELLE View, então acho que, sim, ela tem essa característica de ser mais pop do que a outra ELLE.

Na outra ELLE, como a gente trabalha? Na impressa, a gente trabalha muito pensando em personagens que a gente quer eternizar, então quando a gente traz Milton Nascimento, Caetano Veloso, tem muito esse olhar para a moda como cultura, então [a gente busca] trazer um pouco desses personagens desse universo da cultura brasileira. Então Lia de Itamaracá, Zé Celso Martinez Correa, Caetano Veloso, Maria Bethânia, a Pabllo Vittar, então a gente tem um pouco desses personagens que representam muito a nossa cultura, e também grandes modelos e outros artistas que a gente quer trazer uma leitura da ELLE para esses artistas.

Então, por exemplo, a Sabrina [Sato] tem ali uma relação com moda muito grande, então a gente pensou assim: “puts, a Sabrina é a Hebe, a Hebe não, a Elke Maravilha dos nossos tempos, sabe? Ela tem essa coisa do humor, dessa simpatia, essa coisa empática que ela tem com as pessoas e que as pessoas tem com ela, então acho que ela representa muito isso, essa alegria, esse sorriso largo.

E a capa dela é bem com foco no sorrisão dela, né?

É, então a gente trouxe essa leitura para ela, sabe? Assim como a gente fez a Pabllo Vittar como uma sereia, então às vezes a gente quer trazer um tema específico na capa. Então a edição que tem o Wagner Moura, o Milton Nascimento, a gente falou um pouco de água, na edição que a gente falou de água tem a Samile, que é uma modelo brasileira também, que a gente fotografou ela lá em uma cidade que esqueci o nome agora, que é perto do rio São Francisco, a gente viajou por ali e fotografou por ali. Então a gente queria falar sobre a água, e tinha o Milton, que tem a ver também com a história dele e algumas composições dele. Então às vezes tem um tema que vai amarrar a edição e o personagem vem junto, e às vezes é pelo próprio personagem e a leitura que a gente quer dar para ele, sabe?

Sobre a construção de tema: como é o processo de fechamento de uma edição? Vocês planejam o conteúdo todo e no final pensam em uma capa que seja reflexo desse conteúdo ou primeiro vem a ideia da capa e depois vocês pensam nas pautas que mais se adequam àquele volume?

Geralmente, a gente pensa a pauta a partir de um tema ou de um personagem, então, por exemplo, pode ser assim: a gente tem a Sabrina, a gente quer fazer a Sabrina. Como a gente vai fazer a Sabrina? Então a gente começa a pensar, às vezes a ideia como a gente quer fazer a Sabrina vai definir um tema central da edição, e a gente cria. Cada editoria cria alguns conteúdos sobre esse tema, [mas] não necessariamente toda a revista, porque às vezes também fica um pouco desinteressante, porque se uma pessoa não gosta daquele tema, não tem interesse naquele tema, ela perde a revista inteira. Então o que a gente tenta é ter um tema que vai passando por várias editorias, vai se desdobrando em vários assuntos dentro das editorias — na moda, na beleza, na cultura. Então geralmente é isso, geralmente a gente tem um personagem e a gente pensa o que a gente vai fazer com ele.

E, às vezes, tem um tema que a gente tem que pensar qual personagem que vai se adequar melhor a ele. Então às vezes vem o nome do personagem antes, e a gente pensa em que tema a gente vai trazer para esse personagem, ou a gente tem o tema e pensa qual o personagem melhor para falar sobre esse tema. Então, por exemplo, tem uma edição que a gente queria falar sobre, eu tinha ouvido aquela música do John Lennon, foi logo na época da pandemia.

O segundo volume, né?

É, o segundo volume! E aí eu falei: “queria fazer, é uma edição de fim de ano”, a gente ainda vivia a pandemia, e eu queria falar sobre isso, sabe? Que é a música mais óbvia do John Lennon, mais chiclete, que todo mundo sabe, mas, de fato, acho que precisava trazer isso. Aí a gente pensou na Patti Smith, que ela tinha postado um vídeo cantando essa música, e aí a gente começou a pensar em como criar todos os conteúdos em cima dessa música, sabe? E assim nasceu essa edição. Então as vezes vem assim também, sabe?

E aí a gente tinha uma entrevista com o fotógrafo que sempre fotografava o John Lennon e a Yoko Ono enquanto o John Lennon era vivo. A gente tinha uma entrevista com ele, e não tinha como fotografar a Yoko Ono, a gente até tentou, mas não conseguiu, então a gente usou uma foto dele, que ele cedeu, na capa, dos dois, meio que para amarrar essa ideia.

E aí tem uma das capas que é mais lúdica, aí tem a Patti Smith, que a gente tem uma entrevista com ela. E assim a gente vai construindo, às vezes a gente tem o tema e a gente escolhe os personagens, e às vezes a gente tem o personagem e a gente pensa com qual tema a gente vai vestir esse personagem.

Antigamente a gente via as revistas cheias de manchetes, mostrando pro público o que esperar do conteúdo. Hoje em dia, é só uma foto impactante e, no máximo, o nome da personalidade da capa, então a direção de arte acaba ganhando um destaque para explicar para as pessoas o que elas vão encontrar lá dentro. Como vocês conseguem fazer para só uma imagem criar a narrativa do que vem no interior?

Se você olhar, a ELLE, aqui no Brasil, foi a primeira a abolir as chamadas de capa. É muito engraçado, porque trabalho com isso há muito tempo e já vi muitas coisas assim de que tinha que ter muita chamada, porque a chamada é o que ajuda a vender, então era tudo pensando no que ia atrair a atenção do leitor na banca. E, com o tempo, a gente passou a perceber que podia por chamada onde fosse, que não era isso mas que ia fazer vender. Acho que é isso, existe uma transformação na forma de consumir esse conteúdo. Então hoje, honestamente, acho que é melhor você ter uma revista que é quase um livro, que tem uma imagem linda e você pode deixar até em cima da mesa, do que um monte de coisa escrita e que vai ficar feio e que, sei lá, não vai servir nem para uma coisa, e nem para a outra, sabe? Que depois você vai jogar fora, porque não quer deixar isso à mostra. Então a gente meio que foi quebrando essas regras que a gente aprendeu que funcionava. Quando a gente percebeu que não era isso o que fazia vender ou não a revista, a gente foi simplesmente tirando e não perdeu nada em relação a isso.

Nesta edição de setembro a gente está fazendo um teste sobre isso, que é fazer o que a gente chama de cinta, que é tipo uma faixa que vai envolvendo a revista, e as chamadas estão nessa faixa. Então a gente quer fazer esse teste para ver como se comportará, se vai vender mais porque tem ali um teaser do que tem ali dentro ou não.

Legal! E isso sem perder a identidade da revista.

É, depois você vai rasgar, jogar fora e vai ter sua revista, seu livrão bonito da ELLE. Mas a gente quer entender se isso vai fazer vender mais ou não. Vai ser um teste pela primeira vez. Mas escrever na capa, eu sou meio contra isso hoje, porque não é isso, eu não acredito mais que seja isso que faça vender. Pela minha experiência, pelos últimos muitos anos fazendo isso, isso não era mais o que fazia um leitor comprar, porque é o leitor que ia à banca, e hoje tem menos banca, tem muita coisa mudando. Hoje também esse leitor é impactado por esse conteúdo dessa marca em várias frentes, nas redes sociais, nos eventos, então eu não acho que é mais sobre isso. Acho que é muito mais por você conhecer e saber o valor daquilo que se está comprando, saber que é um produto diferente, sabe? Que tem uma outra qualidade, que você quer guardar porque é bonito, porque representa um momento. Que seja também porque tem um personagem de capa que a gente sabe que não vai ter sempre, então, por exemplo, a Maria Bethânia, nem sei a última vez que a Maria Bethânia tinha parado para fazer uma capa de revista, e ela parou e fez a da ELLE, então se você quer ter uma revista com a Maria Bethânia na capa, é essa, não tem outra, ela não vai fazer outra. Então você quer eternizar esses personagens que você gosta, sabe?

Tem alguns elementos da ELLE que, quando a gente passa na banca, já consegue identificar de cara que é a ELLE. Eu percebo que uma capa precisa ser, ao mesmo tempo, original o bastante para atrair a curiosidade das pessoas, mas tradicional o suficiente para ser reconhecida pelo público. Como vocês conseguem encontrar esse equilíbrio?

Eu acho que a gente não é muito tradicional. Acho que o que a gente tem, que é identidade única, é o logo, o logo da ELLE vai estar sempre igual, isso não vai mudar — e nem pode mudar. Mas a imagem, acho que a gente sempre tenta criar algo surpreendente, sabe? Então, por exemplo, tem uma capa da ELLE Men que nem é um personagem famoso e ela vendeu tão bem quanto as outras dos famosos. É só o modelo que está de ponta cabeça na foto e isso já foi o suficiente para chamar a atenção do leitor, porque é uma imagem que despertou uma curiosidade, justamente por não ser uma imagem comum.

Durante anos eu aprendi que a mulher tem que estar sempre olhando para a frente, olhando nos olhos do leitor. Então, pode olhar, é muito raro na história das revistas você ver uma revista em que a mulher está olhando para o lado. Quando isso acontecia, era uma heresia, porque isso é o contrário de tudo o que você aprendeu sobre fazer capa de revista vendedora. Porque a capa nada mais é do que o que vai vender essa revista, é a única porta de entrada que você tem, então, ou ela tem chamada, ou ela tem uma mulher que olha sempre nos olhos do leitor, tipo “me queira, me compre”. E a gente, hoje em dia, passou a brincar com isso tudo, a ter essa liberdade, de que o fato de não ter mais uma garantia do que vende deu também uma liberdade para a gente experimentar e, no caso da ELLE, eu sinto que foi dando muito resultado isso. As pessoas já ficavam esperando qual vai ser a próxima capa, o que a gente ia aprontar, qual seria a ideia, porque justamente a graça está aí nessa imagem que é muito diferente de tudo o que é o tradicional de uma revista, entendeu? Então ela não é mais só sobre mostrar a roupa, a tendência que vai ter ali no mês, ela é um statement de um tempo, de uma voz de alguém que faz sentido. A moda está ali, mas ela é quase um plano de fundo, sabe? Ela não é mais a razão principal, de ter que mostrar um look x, entendeu? É esse personagem, o que ele comunica, como ele comunica.

Então você acha que não tem um elemento-chave para a identidade da ELLE?

Não tem. Tem a melhor ideia que a gente pode ter para transmitir um conceito, uma vibe, uma personalidade, sabe? Mas não tem, porque, se você olhar, [as capas] são todas muito diferentes umas das outras. Antigamente, você não fazia capa fechada assim [mostra a capa da Adriana Lima, com close no rosto da modelo], sempre tinha que ter mostrando a roupa, sabe? Não se fazia [foto de close], hoje a gente faz. Então qualquer regra a gente subverteu, qualquer regra que tenha existido um dia sobre capas de revista a gente subverteu.

E acho que não só no Brasil, mas no mundo não tem nenhuma outra revista de moda com esse formato.

Não, acho que não, acho que não tem mesmo, sabia? É isso, acho que o que quer que aconteça, a gente terá deixado nossa marca, porque a gente olha os outros títulos, quando algum título lá fora, óbvio que quando você está no mercado americano ou europeu qualquer movimento vai ter muito mais atenção do resto do mundo do que a gente, que está no Brasil. Sinceramente, se a gente estivesse na Europa ou nos Estados Unidos, essas capas todas que a gente faz, não é de agora, é desde 2015, quando a gente fez aquela tal da capa espelhada, isso é inédito no mercado editorial, eu tenho certeza que a gente saiu na frente do mundo inteiro, e eu falo isso com o peito cheio de orgulho, porque eu sei, eu estava lá, com toda essa mesma equipe, a gente sabe que ninguém fazia isso, e que a gente começou a fazer, sabe? Óbvio, alguns outros, sei lá, uma The Face, tiveram muitas capas icônicas também, mas, nesse tempo que a gente está vivendo, em um título que é mainstream se a gente for pensar, né, a ELLE, fazer o que a gente fez é uma coisa muito inédita. Eu sou muito grata de ter tido sempre a liberdade de poder arriscar e apostar nisso, e eu acho que isso colocou a gente, deu uma relevância para a ELLE que não tem sempre.

E já que as edições costumam girar em torno de um tema, como é para vocês esse processo de definição do tema ou a personalidade da capa? É totalmente livre ou vocês precisam seguir o que o título está fazendo lá fora?

É totalmente independente, a gente não tem que aprovar com a matriz, não tem que submeter a aprovação. A gente tem os guides da ELLE, de linguagem, de tom de voz, de tipos de pautas que a gente cobre e tal, mas eles respeitam muito a identidade de cada país, sabe? Porque são 45 edições no mundo, é a maior revista de moda do mundo, então acho que eles respeitam muito a identidade de cada território, deixam a gente bem livre para fazer. Óbvio que eles às vezes me chamam um pouco a atenção, porque eu fujo muito do que é esperado pela ELLE, mas eu realmente acredito que isso o que a gente faz aqui faz mais sentido. Sei lá, não vejo muito sentido em fazer o feijão com arroz que toda revista de moda sempre fez, sabe? E eu acho muito legal, porque acho que a gente acabou lançando moda, muita gente veio atrás da gente depois — nessa história das chamadas de capa, todas as revistas foram tirando a chamada de capa, sabe? Nessas ideias mais diferentonas, volta e meia alguém experimenta também, então eu acho que a gente, de fato, liderou essa mudança no mercado editorial aqui no Brasil.

Vocês são muito diferentes de todos, então muitos títulos olham para a ELLE e acabam seguindo as tendências construídas aqui, mas de onde vêm as referências de vocês?

Parece pretensioso dizer “ai, não”, mas, de fato, acho que é uma criação coletiva a ELLE hoje — minha com o time. Então é sempre um desafio conseguir personagens, personagens relevantes, alguns às vezes [estão] fora do Brasil, então demandam um investimento, demandam um esforço muito grande para a gente conseguir uma Viola Davis, uma Erykah Badu não é fácil conseguir, então às vezes, por exemplo, tem muito leitor que fala “faz fulano, faz cicrano”, adoraria, mas às vezes a pessoa não quer fazer, entendeu? Porque às vezes a pessoa que está fora pensa que é muito fácil e que a gente faz assim [estala os dedos] e vem uma fila, e não é. Então toda vez eles pedem a Raquel Zimmermann, mas ela não faz revista do Brasil, não é porque a gente não quer ou não tente, é porque ela não quer fazer, não faz nunca, então a gente não consegue fazer. A Gisele [Bündchen], a Gisele, tradicionalmente, trabalha só com a Vogue, quase não faz ELLE no mundo inteiro, então quando a gente consegue, a gente faz com prazer, mas não é sempre que ela quer fazer, que ela faz.

Então é um funcionamento do mercado que às vezes é difícil de a gente quebrar, então a gente vai e acha nossas soluções, que é: não temos uma Gisele, mas temos uma modelo incrível, que tem uma história, a Adriana, em um contexto que ela estava grávida, que era lindo. Enfim, a gente vai dar agora em setembro a Precious Lee, que é uma modelo que tem uma importância nessa indústria muito grande, as fotos ficaram lindas, então eu acho que a gente vai entendendo, vai achando saídas.

Então, no fim, acho que muitas dessas ideias vieram de grandes dificuldades, sabe? Às vezes uma dificuldade de conseguir uma modelo que a gente gostaria, às vezes uma dificuldade de não poder, na pandemia, por exemplo, a gente não podia ficar aglomerando em estúdio, então a gente tinha que achar saídas, e eu acho que é aí que eu digo que é um trabalho coletivo, porque eu acho que é um time muito criativo, de fato, um time muito afinado, e que todo mundo tem uma contribuição muito grande. E, juntos, a gente chega nessas ideias, sabe? Às vezes a ideia vem de um, o outro melhora, aí o outro dá mais uma ideia ali, e quando vê a gente vai materializando tudo isso, sabe?

Então, por exemplo, o Dapper Dan, que é um designer americano que a gente deu na ELLE Men, na primeira ELLE Men, a Suyane [Ynaya, editora de moda] conseguiu, e era um cara que a gente queria há muito tempo fazer, sabe? Não sei, acho que é meio que todo mundo sempre olhando para tudo e tentando mapear personagens e ter ideias, quando a gente não tem o personagem, ter uma ideia, e acho isso tudo muito legal também, sabe, pensar e colocar a revista no meio da discussão.

Então olhando o mundo que a gente está vivendo, o que a gente pode dizer com isso aqui que a gente está entregando naquele mês, sabe? Às vezes tem tanta coisa acontecendo, que está afetando tanta gente e a gente não está falando disso. Então isso é uma coisa que a gente começou a fazer muito também e que deu muito certo. Como a gente vai falar disso? Quem é o personagem que a gente vai trazer para retratar isso? Por isso que eu digo que não dá muito para ter um modelo, a gente não tem muito um modelo, porque acho que ninguém, de fato, está fazendo o que a gente faz. Parece arrogância, mas não é. A nossa ELLE View, a gente não tinha um benchmark quando a gente foi criar essa revista digital, a gente não tinha uma revista digital desse jeito. E aí o que a gente fez? A gente foi buscar formatos diferentes, cada um trazia uns formatos malucos e pensava “como que a gente consegue fazer isso?”, e aí chamava o outro, pergunta, e aí a gente montou uma ELLE View do jeito que ela é, sabe? A gente não tinha alguém para olhar. Às vezes até seria mais fácil se a gente tivesse, mas a gente não tinha.

Então eu penso que é um pouco isso, a gente não tinha um modelo de revista nesse formato que a gente tem de quatro edições. Não de uma revista mainstream, mas, sim, tem outras revistas lá fora, a System, são revistas bem nichadas: a System, a Self Service, a Perfect, são revistas que a gente gosta, a gente consome, que são revistas extremamente nichadas para um público que gosta de moda e que acho que inspira a gente. Mas é a ELLE, sabe? Então não adianta, a gente não é tão nicho quanto eles e é um título que é mainstream, então como a gente vai equilibrar isso é o que a gente vem fazendo, é tentar equilibrar.

E vocês trabalham sempre com a mesma equipe, fotógrafo, stylist?

Fotógrafo tem alguns que a gente trabalha sempre e a gente faz muito casting. Por exemplo, na ELLE Decor a gente faz um casting às vezes de fotógrafos no Brasil inteiro, que a gente fotografa em diversas regiões, nas regiões onde eles estão, então a gente tenta trabalhar com muita gente. Stylist a gente tem os editores da revista, o Lucas [Boccalão] e a Suyane, então a prioridade sempre é deles, porque eles são a equipe que está aqui pra isso. Mas a gente também tenta, ai e tem os colaboradores, que são o Marcelo Maia, a Flavia Pommianosky, a Ju Gimenez, que fica em Nova York, então quando a gente tem coisas lá é ela quem faz, que são já profissionais que estão com a gente há anos, conhecem bem a linguagem da revista, então de stylist a gente fica meio com esse time que são os que são fixos e os que são próximos, que a gente trabalha sempre.

Fotógrafo a gente vai variando a cada edição. A escolha do fotógrafo depende muito de como a gente quer fazer aquela matéria, então tem fotógrafo que combina mais com a linguagem do que a gente imaginou e assim a gente vai dividindo, sabe?

Ao escolher o fotógrafo, normalmente vocês já têm uma identidade planejada ou deixam o profissional livre para seguir a linguagem própria dele?

Então, acho que são as duas coisas. Quando a gente chama um fotógrafo, a gente chama para alguma coisa que você já sabe que ele vai fazer bem, porque tem fotógrafos que são muito polivalentes, eles funcionam bem em muitos diferentes ambientes. Então, sei lá, o Bob Wolfenson, por exemplo, ele faz retratos em estúdio, ele faz fotos externas, ele faz moda, ele faz personagens da vida, ele faz decoração, ele faz muitas coisas. Então é mais fácil, às vezes, você pensar em um tipo de coisa. Tem coisa que ele faz melhor, mas é um fotógrafo que não tem muita dificuldade, às vezes, em estar em ambientes diferentes. Agora, tem fotógrafo que é muito melhor em externa do que em estúdio, tem fotógrafo que tem uma linguagem mais natural, uma luz mais leve do que uma luz muito montada, uma coisa muito super produzida e dura de estúdio. Então a gente, a cada história, a gente pensa em um fotógrafo que tenha mais a ver, que aquilo funcione mais com a linguagem dele, sabe? Então geralmente funciona assim. Tentando dar a oportunidade para todos, tentando abrir, sempre experimentando pessoas novas também. Quando não dá para experimentar em uma coisa já muito grande, porque a gente já não tem também muita margem para erro, não dá para ficar refazendo, então a gente tem que play safe em vários momentos, mas a gente consegue muito trazer muita gente nova para fazer também.

Hoje em dia eu vejo muita capa ser produzida em estúdio, e a ELLE produz algumas externas, como a capa da Marina Ruy Barbosa. Você acha que existe alguma tendência hoje em relação a fazer essas fotos nesse formato?

A tendência é a falta de dinheiro (risos). Porque você pode ter certeza que isso é reflexo da falta de grana, porque é mais barato e é mais seguro você ir para um estúdio do que se fazer uma foto externa, porque eles tem que movimentar toda uma equipe, carro, van, dependendo do lugar, entendeu? Às vezes, a disponibilidade da pessoa que você vai fotografar também, então às vezes é mais fácil estúdio, porque é mais rápido. Quando a gente está fotografando fora do Brasil, muitas vezes a gente opta por estúdio porque a gente tem pouco tempo, então a gente não pode arriscar, é um dia só para fazer aquilo, então tem esses limitadores, mas tem também o fato de que o budget para você fazer uma foto no estúdio é menor. E é bonito também, sabe? Acho que tem sua beleza também.

Mas também tem uma coisa: a gente faz mais de uma capa sempre, e isso também foi uma coisa que muito a ELLE que começou a fazer, com mais de um personagem no mês, então aí a gente consegue também ter mais diversidade, de fazer uma em externa, outra em estúdio. Porque são personagens diferentes, fotografados de jeitos diferentes. No caso da Marina, a gente teve muito a contribuição dela de topar e ir para uma locação fotografar a noite inteira, virar a noite fotografando. Então quando a gente encontra uma pessoa que quer fazer, que está disposta a passar um perrengue com a gente, é óbvio que a gente consegue outro resultado, entende? Se ela não estivesse afim, a gente não teria conseguido, então a gente conta também com essa disposição da pessoa, e isso tem sido muito legal, porque o artista geralmente confia tanto, e ele quer tanto fazer essa capa que ele sabe que o resultado final vai ser diferente, que ele topa.

Então a gente conseguiu fazer o Caetano Veloso na Córsega, quando ele estava fazendo um período ali durante a pandemia, aquele período antes de começar os shows. A gente foi e conseguiu fazer lá, levar o Caetano para o meio de uma encosta lá e fazer. Acredito que eram as férias dele, praticamente, antes de começar uma turnê, então ele teve essa disposição de ir até lá fazer. O Milton Nascimento, a gente fez na casa dele, mas ele ficou parado, sentado, para ser pintado, porque não foi uma capa fotografada, foi uma pintura a óleo, aquilo foi pintura a óleo, então ele ficou ali sentado para o Gustavo Nazareno, que é o artista que pintou ele, pintar. Foi uma capa pintada. Então acho que essas coisas são ideias diferentes, são colaborações, tá vendo? Então, ao invés de ser um fotógrafo, vamos trazer um artista plástico, que vai pintar ele ao invés de [fotografar]. Essas ideias fazem a gente ser diferente também, sabe? A gente sempre tenta trazer uma coisa a mais.

Desde as primeiras revistas femininas, esse sempre foi um veículo que molda valores. A ELLE desde o início teve como diferencial ser mais política e olhar uma mulher mais real. Quais são os desafios e a abordagem de vocês para lidar com isso? Principalmente pensando na ELLE View, que tem um público mais jovem

Eu acho que as revistas de moda sempre ditaram um comportamento, um padrão de beleza, sempre tratavam mais de um determinado padrão. Isso todas, né? Não tem nenhuma que não tenha sido assim. Então eu acho que quando a gente fez aquela capa espelhada, foi quando a gente começou a se atentar um pouco para algumas coisas, e uma delas é que existia toda uma discussão, uma insatisfação com tudo isso, todo um movimento de valorização da beleza individual, enfim, das pessoas, de desconstrução dos padrões que a gente sempre ajudou a criar e propagar. Isso já existia nas redes sociais e a gente não participava disso, porque, com esse movimento das redes sociais, acho que as revistas ficaram de fora dessas discussões, porque [com as revistas] era sempre uma conversa de cima para baixo, e nas redes sociais, não. Então quando a gente fez essa capa espelhada, a gente pode aprender isso, a gente pode passar a fazer parte dessa conversa, porque foi a primeira revista que olhou para isso e que falou “olha, aqui cabe todo mundo” — nessa capa do espelho era essa a mensagem: você tem sua beleza e pode ser capa de revista. Foi uma mensagem muito forte e foi quando isso? Foi em 2015, quase 10 anos, e ainda é uma mensagem muito importante, né? Então acho que ali foi um divisor de águas mesmo, acho que a partir dali a gente conseguiu perceber isso, perceber que algumas palavras, algum tom era muito errado, então a gente conseguiu quebrar com isso e parar de repetir isso de impor um pensamento, uma visão que era sempre muito unilateral. Então acho que ali foi um grande aprendizado, realmente, a gente aprendeu muito ouvindo feedback das pessoas, o relato das pessoas em relação a essa capa, coisas muito humanas. É muito difícil, depois que a gente fez essa capa, a gente voltar e fazer uma revista sem considerar todos os tipos de beleza, todos os tipos de questões que, no fim, são muito aprisionantes para as pessoas, sabe? São muito opressoras. Então eu acho que aquela capa ensinou muito pra gente, sabe?

Mas nada disso teria sido possível se dentro da equipe isso não fosse uma coisa verdadeira em cada um, sabe? Uma coisa que as pessoas de fato acreditassem. Era, naquele momento, uma equipe muito jovem, muito ligada a esses novos valores, e eu tive a sabedoria de ouvir todo mundo, então eu aprendi muito com isso também. Eu sou de uma outra geração, óbvio, de fazer uma revista que não é o tipo de revista que a gente faz hoje. Era meio comum se falar só de loiras ou do corpo do verão, ou aquelas coisas, né? Era uma coisa muito comum nas revistas essa coisa de ser sexy, tem que ser sexy. Eu lembro que cada chamada de capa tinha a palavra sexy, no inverno e no verão mais ainda. E no verão sempre [tinham] os tratamentos e não sei o quê para ficar magra, para isso e para aquilo, o corpo perfeito. Então são algumas expressões, alguns termos, algumas palavras que a gente simplesmente cortou do nosso vocabulário. Mas é isso, cada jornalista aqui acreditava naquilo, vivia aquilo, porque senão era uma coisa fake e acaba que uma hora você derrapa, porque no fundo as pessoas não pensam assim de fato. Não, a gente tinha uma equipe realmente muito. E eu fiquei muito sensibilizada quando eu vi que aquilo, de fato, tocava as pessoas em um lugar muito humano, muito importante. Então , por exemplo, a gente recebeu relatos de pessoas que tinham depressão e que melhoraram da depressão por causa dessa capa, que tinha anorexia e que se curou da anorexia depois de ler a ELLE e de ir vendo todos os temas que a gente ia trazendo, então isso é muito importante, é muito rico, é muito bonito sabe? Não é só uma revista de moda mais, entendeu? Virou quase que um amigo, uma pessoa, um lugar que a pessoa podia achar algum conforto em ser como ela é. O jovem gay lá do interior que não se via, sabe? A menina preta que não se via representada nesse lugar, ela começou a sentir que ali era o lugar dela, sabe? Então foi muito legal essa transformação.

Acho que desde então isso nunca mais mudou, sabe? Acho que isso é uma coisa que está muito introjetada em todo mundo de forma muito natural, é uma equipe muito atenta a isso tudo, muito sensível, então acho que a gente navega bem por essas mudanças, acho que a gente muito pautou essas mudanças nesse mercado, e a gente fez isso muito cedo, sabe? Em um momento que nem era muito “apropriado”, entre aspas, no mercado publicitário, às vezes o anunciante olhava e falava “ai, a ELLE está esquisita”. E certamente a gente perdeu algum anunciante por causa disso, mas olha, depois, alguns anos depois, no que é que dá? Todo mundo querendo falar disso, querendo pertencer a isso sem, às vezes, nem ter muita propriedade para isso, sabe? Então nesse sentido a gente é muito tranquilo, porque a gente pavimentou bem esse caminho.

E de uma forma muito natural, né?

Muito natural e muito verdadeira mesmo, porque depois que a gente fez a capa espelhada a gente botou as leitoras na capa, quando a ELLE foi relançada a gente lançou um casting na internet que chama “Olha ELLE”, que é convidando as pessoas a postarem suas fotos, e a gente chamou várias pessoas desse casting para fazer a ELLE desses últimos anos, colocou essas pessoas em projetos, em projetos de grana até, de ganhar dinheiro fazendo. Algumas viraram influencers, então é muito legal, a gente trouxe realmente todo mundo para fazer parte disso, sabe?

No TCC, eu vou abordar algumas capas específicas, e queria que você me contasse um pouco sobre como foi a construção de cada uma delas. As primeiras capas são as do volume 1, mais especificamente as do Gil e da Djamila Ribeiro. Vocês escolheram personalidades muito improváveis para uma revista de moda, e eu queria que você me contasse o motivo dessas escolhas logo para marcar o retorno da Elle.

Volume 1 — Gilberto Gil, Djamila Ribeiro, Iza, Katú Mirim

Era a primeira ELLE depois de a ELLE ter acabado. Era muito difícil pensar como seria essa primeira capa. Para mim, acho que o maior desafio de todos, profissional, foi pensar nessa primeira. O que a gente ia comunicar nessa volta que, assim, pensa em toda a expectativa das pessoas, a expectativa que a gente mesmo tinha sobre a gente mesmo, entendeu? Como falar de moda agora? Porque tudo aquilo o que a gente falava antes, que a gente falou primeiro, todo mundo já estava falando também, então para onde a gente vai olhar? O que que a gente vai trazer, sabe? Foi muito difícil, foi muito difícil chegar nesses nomes, e a gente teve um agravante: tudo o que a gente tinha planejado fazer foi por água abaixo com a pandemia, então nada fazia sentido mais, das ideias que a gente tinha tido para o primeiro volume. E aí, quando estava meio chegando a hora, a gente não tinha mais tempo e tal, aquela pressão, a gente falou: “vamos falar sobre cultura”. Por que? Porque era um momento em que a cultura já vinha sendo muito maltratada, e a gente queria reafirmar a importância da arte, da cultura, que isso faz parte da moda também, que a moda não existe sem isso também. Então foi por isso que a gente escolheu esses personagens.

Então a gente teve a Djamila, porque, além de tudo, era colunista da ELLE na época, e uma pessoa que tinha a ver com a nossa história. O Gil porque foi o Ministro da Cultura, um dos maiores artistas que a gente tem no Brasil. A Katu Mirim, que também não dá para a gente falar de cultura e, naquele momento, principalmente, sem trazer alguém que representasse de certa forma os povos originários, então é uma beleza indigena, uma menina que é uma indigena urbana, ainda por cima, ela tem um moicano. E a Iza, que também era uma mulher negra, uma grande artista, uma diva, maravilhosa, então a gente olhou pensando na cultura. Então era a maior escritora, um cantor que foi ministro e que representa a cultura tão bem, ele está de dread né, então ele está uma coisa meio rasta, assim, quase uma divindade né, que é o que o Gil é, no fundo.

A Iza está em um pedestal, foi uma época em que as estátuas, lembra, nos Estados Unidos, estavam começando aquele movimento de derrubar estátuas, então ela está ali como uma estátua negra, de uma mulher negra que também tinha esse simbolismo, sabe? Então era meio que para falar de cultura, por isso essa escolha dessas personagens. E, dentro da edição, tem uma matéria que fala sobre o cinema, tem um editorial que é só recriando imagens de alguns filmes nacionais. E muito essa cultura é cultura brasileira, sabe? Porque é a ELLE, mas é a ELLE no Brasil, você entendeu? Então o que a gente ia trazer de novo? Não ia só fazer uma capa de moda com uma modelo, entende? Então a gente quis olhar para a nossa cultura, fazer uma edição muito Brasil da ELLE, sabe? E, por isso, esses personagens na época.

Só para complementar como ela foi pensada, a da Djamila foi quase que uma reinterpretação da obra do Dalton Paula, que é um artista plástico que, dentro, a gente usou a obra dele, ele sabe disso, a gente falou, a gente recriou imagens da obra dele. Só famílias, personagens negros, e a Djamila é uma delas, que está ali dentro. Então é meio como se fosse um quadro do Dalton Paula.

A do Gil foi colocar ele em um lugar meio de divindade, assim, e o cenário é todo inspirado na obra do Arthur Bispo do Rosário, que tem uma coisa meio dos papelões assim.

A da Iza foi muito pensando nessa história das estátuas ali, então colocar ela, uma mulher negra, nesse lugar de nobreza, de ser um desses símbolos.

E da Katú Mirim foi muito pensando nisso de ser uma beleza indígena e que trouxesse junto isso de que ela não é uma indígena que não está em um lugar estereotipado, né? Ela é uma cantora, rapper, ela tem aquele moicano, ela é uma indígena em um contexto urbano, então foi pensando nisso. Porque é muito difícil você representar toda uma cultura brasileira, sabe? Então a gente meio que escolheu esses caminhos para tratar disso. E a moda está ali dentro, entende? A moda está ali, o Gil está vestindo, sei lá, um terno da Hugo Boss, uma coisa da Gucci. Está todo mundo vestindo moda, de alguma forma, né, mas a moda vem junto, sabe? Não é só sobre ela.

Volume 4 — Bruna Marquezine.

A capa holográfica já era um sonho muito antigo meu e do Luciano. Quando a gente fez essa capa espelhada, foi a primeira vez, e a gente queria muito depois inventar capas que fossem um objeto, sabe? Que é isso né, essa capa é marcante. A gente queria muito, tinha muita vontade de fazer, só que é muito caro fazer esse tipo de coisa, inclusive a espelhada também, então em uma grande editora é muito difícil fazer uma coisa desse tipo.

Aí um belo dia eu falei “nossa, queria fazer uma capa que fosse mais tecnológica, que fosse diferente, sabe?”, aí vamos fazer a capa holográfica. Fomos atrás, fizemos reunião com a gráfica, entendemos como faz, porque precisava fotografar três looks diferentes, sempre igual. Tem toda uma parte técnica ali que o Luciano foi entender como que faria, e aí a gente pensou nesse conceito, que foi uma ideia do Luciano até, que foi esse conceito de metamorfose, sabe?

É como se ela fosse uma lagarta, em um casulo, que vai virar a [borboleta], então tem ela com a roupa da Schiaparelli, que parece um casulo, e ela vai se transformando em uma lagarta. Então, dentro, o editorial também tem um pouco esse, fala um pouco dessa transformação, que é um pouco como a gente via a Bruna, uma menina que se transformou. E aí a gente conseguiu viabilizar de fazer essa capa, que era um período ali que a ELLE tava voltando, que a gente tinha investimento, e conseguiu fazer uma capa desse tipo, e foi um acontecimento aqui, fora do Brasil, todo mundo viu, porque é realmente linda, é um objeto, né, é um negócio que você não joga fora, você não descarta. E segue um pouco essa nossa ideia de não ser uma revista para jogar fora, você quer guardar.

E vocês escolheram a Bruna especificamente para essa capa? Como foi?

A gente escolheu ela especificamente para essa capa, primeiro porque tinha isso de que tem muito a ver com ela essa coisa da transformação, e também porque a gente queria alguém que fosse dar, ai, e a Bruna não tinha feito capa nenhuma de revista assim, eu acho que nem da Vogue, eu acho que ela nunca tinha feito uma grande capa de revista aqui no Brasil, e ela queria muito fazer também a ELLE, aí a gente meio que juntou tudo isso. E ter ela também é uma forma de dar visibilidade para essa ideia, a gente queria fazer isso com alguém que tivesse a ver. A Bruna é uma menina que leva a moda muito bem, dessas atrizes todas, eu acho que ela tem uma relação muito genuína com a moda mesmo, então a gente achou que tinha tudo a ver. Não se pensava em outros personagens, outros modelos. Podia ser a Gisele talvez também, mas talvez fosse mais óbvio, sabe? Então na época a gente fez com ela.

Essa capa inspirou uma capa da ELLE Decor de 28 anos, acho da ELLE Decor francesa, que eu mandei pra eles e ela falou “ai, vou pedir para fazer uma dessa para a edição de aniversário”. Ela fez e me mandou, eu tenho aí, depois eu te mostro.

Volume 7 — Sasha e Xuxa

A Sasha procurou a gente, ela queria fazer uma capa que fosse um presente para a Xuxa, na verdade, porque tinha o aniversário da Xuxa, iam começar as comemorações do aniversário dela, e ela queria muito fazer uma homenagem à mãe. Ela queria abrir esse acervo da Xuxa para a gente, o que é uma coisa muito legal já de cara, porque acho que ninguém tinha nunca entrado nesse acervo assim igual a gente. E aí ela seria pela primeira vez, meio que sem medo, de estar nesse lugar de filha da Xuxa, e ela fez isso como uma homenagem. Foi muito legal, foi muito querida, as duas são muito incríveis.

A Ju Gimenez, que é a stylist que já trabalhava com a Sasha, trabalha com a gente também, foi até lá, a gente escolheu os looks e a ideia era usar esses looks icônicos da Xuxa, dar uma leitura um pouquinho mais contemporânea, misturar com um tênis, com um jeans, alguma coisa assim. Porque nem todos os looks eram completos, né, então precisava de um pouquinho de styling, e aí ela teve essa ideia de recriar essa pose da Xuxa, sabe? E a gente fotografou a Xuxa também para a capa, só que a Xuxa não sabia que a Sasha ia ser capa, foi meio que um presente de aniversário para a Xuxa, sabe? A Sasha usando uma roupa dela, e então foi assim que deu, foi tudo meio que combinado com o agente delas, o Anderson [Baumgartner], e meio que escondido. A Sasha sabia de tudo, mas a Xuxa não sabia da Sasha, então foi no dia do aniversário que a gente soltou a capa, e ela ficou super emocionada e tal, de ver a Sasha como Xuxa, sabe? Na capa. Então foi assim, foi essa a ideia.

E a Xuxa era uma coisa também que a gente tinha vontade de fazer há muito tempo e que, quando a gente viu a oportunidade dos 60 anos dela, a gente falou “é agora, vamos fazer”, e ainda veio essa ideia, então tudo configurou para dar um resultado muito bom”. E, dentro, a [foto] da Sasha, se você olhar, tem uma coisa meio de cartaz, sabe? Que a gente deu uma texturinha, nas fotos que parece um cartaz, uma coisa assim de filme, sabe?

E as da Xuxa são externas, né? Como vocês fizeram?

As da Sasha foram aqui, em estúdio mesmo, e as da Xuxa foram externa no Rio [de Janeiro]. a equipe toda foi para o Rio, o Luciano produziu, meio que quis recriar essa coisa do Xou da Xuxa, alguns personagens, sabe? Então ele fez isso em papelão, foi meio, foi uma coisa, um cenário ali, uns props que usou, que tinham uma cara mais lúdica, e foi isso. E a edição tinha dentro também uma matéria sobre as paquitas, que aí eram só paquitas negras, que foi a Suyane que fez com os Mar+Vin, que foi linda essa matéria também, porque isso era uma questão. A edição falava muito, na verdade, sobre esse universo do Xou da Xuxa e dessa Xuxa, meio que isso, reparando algumas coisas, né, então paquitas negras, aí tinha uma outra [foto] que parecia uma nave da Xuxa, que era tipo um balão que a gente fotografou em externa também, então trazia um pouco esses elementos do universo dela. E a [capa] dela foi feita no Rio, em externa, e com algumas referências, alguns personagens do programa. E ela foi maravilhosa, ela ficou até tarde da noite também — ela só trabalha a partir da uma [da tarde], então a gente começou bem tarde e foi até bem tarde.

Volume 8 — Adriana Lima.

Nossa, e essa foi a primeira capa da Adriana em muitos anos, porque acho que a última fui eu quem tinha produzido, quando era Editora Abril. Foi há muito tempo, acho que foi no comecinho dos anos 2000, e ela nunca mais tinha feito, e eu fiquei muito feliz que deu certo de a gente fazer bem com ela grávida, que é isso, em um momento tão bonito dela, que ela queria eternizar também, e ela não fez nenhuma outra capa de revista, fez só a ELLE. Então foi ali, a gente sabia dela, por incrível que pareça, estava rolando um momentinho gravidez na moda, tinha muita gente grávida, sabe? Que eu lembro de a gente falar isso “nossa, que loucura, tem muita gente grávida”, e aí a gente falou “vamos tentar a Adriana”. Ela fica em Los Angeles, entre Nova York e Los Angeles, entre Los Angeles e Miami, meio caos, assim, a vida dela, foi um caos assim pra marcar a agenda, foi insana. Marcelo foi pra lá tipo na véspera, no dia foi tudo meio correndo assim.

E ela já estava muito grávida!

Ela já estava muito grávida! Então, por exemplo, a gente queria muito ter feito em uma praia, só que a gente teve que pensar em uma logística que não fosse tão cansativa para ela, então a gente fez no estúdio e algumas cenas na rua em frente ao estúdio mesmo, porque ela tava bem grávida. E foi muito legal isso, porque ela não teve nenhum pudor de falar que estava se sentindo gorda ou qualquer coisa assim, sabe? Inclusive, na entrevista ela fala disso, que ela gosta muito de ficar grávida e que ela não liga muito, não fica encanada com o corpo e esse tipo de coisa, que, mesmo depois, é um momento da vida dela que ela vive intensamente, então achei muito legal exatamente isso. Ela continua linda, maravilhosa, gravidíssima, pleníssima no look da Balenciaga, sabe? E tudo certo, achei que foi uma capa que marca a história dela, com certeza, e a nossa também, porque acho que tem a ver também com isso de a moda ser renascimento, né? Para todos.

E como foi a construção dessa capa? Geralmente, as pessoas associam a gravidez a cores mais claras, e vocês colocaram ela em uma roupa preta, por exemplo.

Ai, é que tem três capas diferentes, quatro. Uma de close, tem a foto que é meio verde e amarela, mas que está desfocada, aí tem essa dela grávida, de preto, que era mais por ser um look, a gente não pensou na questão de ser preto e nem nada, acho que é mais porque é um look que contorna bem o corpo, e tinha ela nua, que é também linda, só a silhueta dela.

Era um look da Balenciaga e foi mais porque ele desenhava bem o corpo, assumindo mesmo a barriga, e ela é super fashion, então foi uma sorte ter esse look. Porque não era sobre ela estar grávida exatamente. Era sobre ela, mas ela estava grávida (risos), e tudo bem estar assim, continua sendo linda. E foi muito legal, uma capa especial para ela.

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