Acesso à informação: empoderando a participação popular e o controle de políticas públicas em questões ambientais

Sinuhe Cruz
5 min readApr 16, 2017

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Há 25 anos, durante a realização da ECO-92, proclamava-se a Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. O documento traz o Princípio 10, que estabelece o direito de acesso à informação, à participação e à justiça em questões ambientais. Com este princípio, passou-se a fomentar a efetiva participação da população nos processos decisórios e no acompanhamento de políticas públicas em matéria ambiental.

O direito à informação, por sua vez, vem sendo crescentemente entendido como um direito fundamental, intimamente ligado ao exercício da liberdade de expressão e ao controle social do Estado por parte da população. Ele é, portanto, um dos eixos centrais para a compreensão do Princípio mencionado.

Neste breve texto, procurarei traçar algumas relações entre a promoção do acesso à informação e a construção de uma Democracia Ambiental, apontando, para isso, as inúmeras possibilidades e desafios inerentes a esse processo.

Acesso à informação no Brasil

A menção ao direito de acesso à informação é feita em diversos dispositivos constitucionais, como nos artigos 5º, XXXIII; art. 37, § 3º, II; e art. 216, § 2º da Constituição Federal de 1988. Sua efetiva regulamentação, contudo, só se deu após a promulgação da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527), em 2011. Se considerarmos o panorama legal latino-americano, veremos que o Brasil foi um dos últimos países a regulamentá-lo, só ficando atrás da Argentina, Colômbia e Paraguai, que promulgaram suas respectivas leis após o ano de 2014.

Fonte: http://observatoriop10.cepal.org/es/recursos/

A lei 10.650/2003, responsável por regulamentar o acesso público aos dados e informações dos órgãos do Sistema Nacional do Meio Ambiente (SISNAMA), dá passos nesse sentido, mas constitui uma iniciativa setorial, possuindo, hoje, disposições já defasadas em face da LAI. Seu mérito, todavia, consiste na tentativa de reconhecer e dar efetividade às disposições do Princípio 10 da Declaração do Rio sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento.

Além da Lei 10.650 e da Lei de Acesso à Informação, o Brasil dispõe ainda de uma série de dispositivos e tratados versando sobre o direito de acesso a informações ambientais, dentre os quais é possível citar a Política Nacional de Meio Ambiente (Lei 6.938/1981), a Política Nacional sobre Mudança Climática (Lei 12.187/2009), o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris.

Como promover a participação popular e o controle de políticas públicas em questões ambientais por meio do direito de acesso à informação?

a. Possibilidades:

a.1 Fortalecimento da participação cidadã e da capacidade de intervenção no desenho, implementação e avaliação de políticas ambientais;

O Princípio 10 enuncia:

“ A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados”

A participação efetiva e qualificada dos cidadãos nas questões ambientais, em diferentes processos e níveis, só pode ser garantida mediante a disponibilização ampla, gratuita e facilitada das informações governamentais.

Ainda no Princípio 10:

“Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos.

É importante ressaltar que a disponibilização de informações não se reduz a um ato meramente protocolar de publicação de dados (relativos à implementação de políticas, gastos, atos governamentais, etc). Esses dados devem se desdobrar em alguma informação útil ao cidadão, pelo que se faz necessária sua disponibilização de forma estruturada, aberta e em linguagem acessível. Assim, possibilita-se à população um real instrumento de empoderamento, dando-lhe capacidade de intervenção e contribuição nas políticas ambientais.

a.2 Accountability: acesso à informação e facilitação no controle dos gastos públicos;

O acompanhamento dos gastos relacionados à implementação de políticas ambientais só se torna plenamente possível num ambiente estruturado em torno de práticas de transparência governamental. Sem efetivo acesso aos gastos públicos, torna-se impossível, ou ao menos bastante difícil, o controle e contenção dos gastos do Estado. Estruturar o acesso à informação é também uma forma de otimizar a prestação de contas e o controle dos gastos públicos.

a.3 Acesso à informação e proteção a direitos fundamentais

O direito ao acesso à informação não costuma ser entendido como um direito em si, mas como um direito responsável por garantir o exercício de outros direitos fundamentais.

Em estudo realizado pela Artigo 19, Camila Nóbrega relata a constante violação dos direitos à moradia e à auto-organização das populações atingidas pelas remoções realizadas durante os preparativos para os Jogos Olímpicos de 2016. Sem avisar a hora, o motivo, o local e a extensão das remoções, a Prefeitura do Rio simplesmente removeu milhares de casas ‘em situação de irregularidade’. Não era dado aos moradores o acesso ao traçado das obras olímpicas nem detalhes sobre a política de remoções, algo que os impedia de exercer o direito de resistência e contestação à política de reordenamento socioespacial posta em prática pela prefeitura para as Olimpíadas. No caso do Rio de Janeiro Olímpico, a regra era a de total opacidade em torno das obras de intervenção urbana, o que dificultava até mesmo o acesso aos procedimentos de licenciamento ambiental em curso.

Em Democracia Ambiental e Princípio 10 no Brasil, ao abordar a ausência de transparência dos órgãos públicos na crise hídrica de São Paulo, a Artigo 19 conclui:

existe um grande desencontro e mesmo ausência de informações por parte dos órgãos públicos sobre diversos aspectos do problema, incluindo a real situação dos reservatórios, as condições de abastecimento, a existência de planos de contingência os cenários futuros e as alternativas para mitigar o desabastecimento.

A opacidade em torno dessas informações (de relevante interesse público) dificulta, e às vezes até mesmo impossibilita, a tomada de medidas necessárias à defesa dos interesses em risco.

b. Desafios:

Obstáculos à efetivação do acesso à informação como ferramenta de participação e promoção do acesso à justiça em questões ambientais

Apesar de internacionalmente reconhecido, constitucionalmente garantido e devidamente regulado, o acesso à informação ainda encontra uma série de obstáculos que impedem sua plena efetivação no Brasil.

6 anos após a promulgação da LAI, e 14 anos após a promulgação da lei que regulamenta o acesso às informações do Sistema Nacional de Meio Ambiente, o que se vê ainda é um cenário de precariedade na transparência pública. Em termos de observância das determinações da lei, o nível federal é o mais avançado, mas ainda há uma série de problemas quando se analisa a transparência ativa e passiva nas esferas estadual e municipal.

Quando se trata da transparência dos órgãos ligados à gestão de políticas ambientais, o cenário não é muito diferente. Ao analisar a Transparência Florestal no Estado de Mato Grosso, por exemplo, a Artigo 19 e a Imaflora concluem que há uma escassez rotineira de informações sobre questões como ‘autorização de exploração florestal’, ‘autorizações de desmatamento’ e ‘autorização de queimas’. Já quando disponibilizadas, muitas das informações não possuíam detalhamento completo, não estavam atualizadas ou não haviam sido publicadas no formato adequado (formato aberto).

Tais desafios impedem o pleno empoderamento dos cidadãos e da sociedade civil organizada na tarefa de participação e controle social da gestão dos recursos ambientais. A promoção de um ambiente ecologicamente equilibrado depende, em boa medida, da estruturação de práticas de governo aberto que tornem os cidadãos mais capazes de intervir, opinar, participar, controlar e avaliar a implementação de políticas ambientais.

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Sinuhe Cruz

Acriano, 21. Graduando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.