CARRANCA COUTURE DE JORGE FEITOSA

Desfile renova repertório identitário da Casa de Criadores

Jackson Araujo
3 min readNov 28, 2018
O agreste lúdico de Jorge Feitosa na passarela da Casa de Criadores | Foto Marcelo Souhbia | Agencia Fotosite

A chegada de Jorge Feitosa à Casa de Criadores reforça o viés adotado por André Hidalgo na construção de sua plataforma de lançamento de novos talentos no mercado: criatividade, identidade e abertura para o inesperado.

Ambientada atualmente numa das salas do prédio do MAC-USP, o evento dirigido por Hidalgo é uma resistência na moda brasileira e está consolidado na fronteira híbrida ocupada pelo público jovem, estudantes de moda, cultura de noite, performance e as políticas identitárias, valores, bem sabemos, que não se conquistam num estalar de dedos, mas que foram sendo construídos ao longo de uma trajetória incansavelmente corajosa.

O desfile de estréia do pernambucano Jorge Feitosa é exemplo vivo desse olhar curioso do André Hidalgo curador, sempre aberto e atento aos criativos que se apresentam em busca de espaço na sua disputada agenda de desfiles.

Já fazia algum tempo que não se falava em identidade cultural nordestina nas passarelas de SP. Não que seja somente sobre isso que Jorge está falando em sua inteligente coleção “A Feia Fera Feira”, mas esse traço identitário associado ao design e à sua habilidade em desenhar, modelar e costurar TODAS as peças da coleção, certamente atraíram a atenção curatorial de Hidalgo.

Looks do desfile de Jorge Feitosa na Casa de Criadores | Fotos Marcelo Soubhia | Agencia Fotosite

Jorge traz em seu trabalho o DNA do patchwork, do aproveitamento de tecidos e recortes, herdado do imaginário de sua infância na Feira da Sulanca, surgida inicialmente na cidade de Santa Cruz do Capibaribe, no agreste pernambucano, a partir dos retalhos de helanca trazidos do sudeste do país, originando assim a palavra SuLanca.

A simplicidade é a força motriz de Jorge, que adora o ofício de costureiro e prefere ser chamado assim do que de estilista. Vê-lo trabalhando é uma aula, contagia pela nobreza e respeito aos tecidos que, em cortes precisos, são costurados um a um para dar formas a roupas que parecem brinquedos populares de papel de seda, com dobraduras que lembram origamis e que surgem das colchas e tapetes das feiras de Caruaru.

Jorge Feitosa, seus patchworks e a beleza inspirada nas carrancas do Rio São Francisco | Fotos Marcelo Soubhia | Agencia Fotosite

Sua habilidade em não trabalhar caricaturas do agreste ganha força sobretudo pelo viés lúdico com que desenha (à sua semelhança) a imagem masculina que perpetua o eterno sorrir, como se nascidas na literatura de cordel. Seus meninos brincam de pipa sob o sol amarelo e o céu azul do Brasil profundo. Mostram a cara pintada de carranca — excelente trabalho de maquiagem da beauty-artist Fabiana Gomes (M.A.C) — , em alusão às esculturas de madeira com forma híbrida de homem e bicho, utilizadas na proa das embarcações do Rio São Francisco para espantar maus espíritos e que povoam o imaginário de Jorge desde sua infância. É sobre isso também a brilhante trilha sonora composta por Max Blum para o desfile: mistério, poesia e aridez. Ouça aqui.

Esse mix de amuleto e ornamento de origem desconhecida — negra ou ameríndia? — reverbera na escolha de um casting de beleza e atitudes plurais fortalecendo a importância de celebrar a multiculturalidade e a diversidade brasileiras, como se vê na obra do xilogravador pernambucano Gilvan Samico (1928–2013), expoente artístico do Movimento Armorial de Ariano Suassuna, inspiração maior da coleção de Jorge, a qual ouso chamar de Carranca Couture.

Seu meticuloso trabalho de ateliê constrói roupas lindas, usáveis e urbanas, perfumadas com as alegorias místicas do sertão e suas lendas.

Looks de Jorge Feitosa na Casa de Criadores | Fotos Marcelo Soubhia | Agencia Fotosite

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