Sobre amar o seu trabalho e trabalhar com o que você ama

Jade Chaib
3 min readApr 28, 2018

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Existem diversos preconceitos relacionados ao trabalho na rua. Confesso que muitas vezes eu mesma acabo caindo neles. Hoje foi um dia desses.

Após um período de quase duas semanas de férias, hoje, antes de voltar, me sentia estranha. São tantas questões. O não-CLT, o Gig Economy, o trabalho informal. Olhando racionalmente, realmente, talvez esse trabalho tenha aparentemente mais ‘não’s do que ‘sim’s.

Só que na pratica não é assim.

Hoje vivenciei na pele algo que mudou meu dia. Vivenciei receber aquilo que eu me proponho a entregar para as pessoas.

E é exatamente ai que jaz a magia: na troca.

Quando me vi saindo, andando, rindo, percebi que esse sim foi o maior presente que eu poderia ter recebido.

Hoje, ao caminhar pela paulista, toda startupeira, notebook nas costas, indo rumo ao Google Campus, fui abordada por um palhaço. O que a principio parecem chavões chamativos me fizeram parar. É muito mais que isso. O projeto é o Palhaçada Amiguinhus, que arrecada dinheiro para ações sociais no Heliópolis.

Para quem vê de fora, aparentemente, eu troquei algumas moedas que tinha de troco por um pirulito. Mal percebem os observadores que, das trocas que houveram ali, essa foi a menor.

Em meio à selva de pedra, em que muito se corre e pouco se sabe porquê, em que olhar e ver o outro é tão raro que quase extinto, em que empatia é a palavra da moda no marketing mas uma palavra horrorizante na prática… existem pessoas fazendo exatamente isto.

Oferecendo conexão humana. Um sorriso, um olhar.

Como é incrível em meio a solidão cotidiana e tão tipicamente paulista ter a possibilidade de sair da bolha. Ter a possibilidade de estar num dos locais mais ricos e ao mesmo tempo mais pobres da cidade, mas perceber que mesmo lá, essa riqueza é possível. Eu não estou falando de dinheiro. Estou falando sobre conexão.

Eu sempre parto do pressuposto que as pessoas são incríveis. É com isso que eu trabalho. Hoje foi um dia mágico. Num trabalho, que no primeiro lapso de momento olhei o relógio pensando nas próximas horas que passaria ali, mal percebia eu que as horas se passavam como quem nem percebe. São risadas, amigos antigos que revejo, amigos novos que faço, conversas profundas e emocionais que emergem e percebo que as pessoas pouco tem a possibilidade de por pra fora. A não ser comigo, uma aparente estranha de uma peça de teatro.

E isso é uma puta troca. São por experiências assim que eu amo meu trabalho.

Quem vê de fora enxerga brigadeiros, maquininha de cartão e dinheiro. Mal sabem eles que o que está acontecendo é algo muito maior.

Hoje cantei, dancei, falei em espanhol, abracei conhecidos e estranhos. Fiz uma mais uma nova melhor-amiga-parceira-de-vendas.

Percebi algo que já sei mas que quando sou engolida pela rotina teimo em esquecer: os sentimentos humanos são universais. Independente de gosto, idade, roupa ou classe social, as necessidades humanas são as mesmas, as vontades humanas são as mesmas.

Quantas as milhares de formas são possíveis para expressar algo que no fundo é tão universal?

Nos queremos nos conectar.

E as pessoas são incríveis. Mesmo as que dizem não. Mesmo as que são grossas. Aprendo diariamente a perceber nelas os cansaços da rotina, de vidas por vezes tão drenadas de qualquer sentimento, que elas até perdem a capacidade de se conectar. Enxergo nelas a humanidade que eu mesma tenho quando perco a minha conexão.

Mas as pessoas são incríveis. Apesar da montanha russa à qual estamos a mercê, sempre há alguém para levantar e acolher. Seja entre nós, seja nas pessoas que encontramos. Os olhos que se cruzam enquanto as bocas não dizem nada. Ou dizem o sabor do brigadeiros.

A magia do amar o que faz está justamente naquele um olhar já te diz: é exatamente aqui que eu quero e que eu deveria estar. Sou infinitamente grata pela diária oportunidade de trabalhar com algo que realmente tem algo a mais.

Tenho uma paixão pelo teatro justamente por não pode-lo explicar racionalmente. Você precisa sentir. Da próxima vez que eu encarar as caretas das pessoas sobre o trabalho na rua, não vou me explicar mas sim convida-los a sentir.

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